Soja e milho geneticamente modificados têm uma diferença biológica crucial quando o assunto é cruzamento: a primeira tem o que se chama de fecundação fechada; o segundo aberta.
Na fecundação fechada – também chamada de autogamia – as plantas se autofecundam. Na aberta – a alogamia ou cruzamento fechado – a fecundação de uma flor é feita pelo pólen de outra, carregado pelo vento ou insetos. É por esse motivo que o milho levanta debates ainda mais acalorados entre os dois extremos do espectro ideológico.
Para os ambientalistas é essa “promiscuidade” do milho – uma mesma espiga pode conter grãos de pólen de vários “pais” – o maior fator de preocupação. Uma ampla corrente se apoia na leveza do pólen do milho e nos ventos para ancorar o argumento de que a coexistência entre lavouras convencionais e transgênicas é impossível. Para o Greenpeace, por exemplo, a força dos ventos espanhóis é capaz de carregar por até três mil metros o pólen do milho, provocando “contaminações” – a fecundação indesejada de uma planta convencional por um grão de pólen de uma planta transgênica. O grupo compila diversos casos onde esse incidente teria ocorrido.
Para muitos cientistas, não é bem assim. Alexandre Nepomuceno, pesquisador há 20 anos da Embrapa Soja, no Paraná, diz que mesmo que os ventos tivessem esse poder, o pólen do milho não resistiria à viagem. “Ele é muito frágil. Acabaria ressecando no meio do caminho e não germinaria”, diz. “Para fecundar outra planta, o pólen precisa chegar viável. A probabilidade de o pólen do milho chegar inteiro é baixíssima”.
Segundo o pesquisador, estudos comprovam que uma distância de 20 metros entre as lavouras já seria suficiente para reduzir a 0,9% as chances de fluxo gênico indesejável. Por precaução ou para aquietar críticos, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) sugeriu que a distância fosse de cem metros, diz Nepomuceno. “A CTNBio definiu esse critério em cima de estudos e não ‘achismos'”, alfineta.
Antonio Alvaro Corsetti Purcino, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Milho e Sorgo, acrescenta que mais da metade do milho brasileiro é híbrido, o que significa que pode ser plantado só uma vez. Isso, por si só, limita automaticamente a “contaminação” das lavouras.
Com o avanço nas aprovações de novas variedades de algodão modificado, a atenção logo se voltará aos cruzamentos nessa cultura. E, neste caso, ocorrem das duas formas – a autofecundação, como na soja, e a cruzada, como no milho. Para resguardar as características originais das plantas, a recomendação é ao menos um quilômetro de distância. “O pólen do algodão é pesado e carregado sobretudo por abelhas, que não voam muito longe”, afirma o geneticista Napoleão Beltrão, chefe-geral da Embrapa Algodão.
Nepomuceno, da Embrapa Soja, diz que as contaminações são mais possíveis devido a problemas de infraestrutura, como a utilização dos mesmos silos ou caminhos para grãos transgênicos e convencionais, e não ao fluxo gênico. “E ainda assim não é uma questão de risco biológico. É uma questão comercial”, diz.