A cúpula do clima de Copenhague, em dezembro, vai tratar de dinheiro. Terá de definir como financiar a adaptação dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas. Serão, provavelmente, centenas de bilhões de dólares em investimentos. Há, por enquanto, três propostas mais prováveis sobre a mesa e nenhum consenso.
A conferência de Copenhague, chamada de COP-15 e organizada pela ONU, reunirá quase 200 países e será o principal evento sobre mudanças climáticas do ano. Um de seus principais temas é como financiar a transição das economias em desenvolvimento para o baixo carbono.
Para isso, é preciso fornecer tecnologias mais limpas, que emitem menos gases-estufa, para os países menos desenvolvidos – ou seja, encontrar formas de reduzir as emissões. Isso, conhecido no jargão diplomático por “mitigação”, custa dinheiro.
A outra ponta diz respeito às estratégias de adaptação aos eventos climáticos que já estão ocorrendo. Os países-ilha, por exemplo, já convivem com constantes inundações de seus territórios e formam uma aliança que pressiona o debate. Os africanos, que têm sido igualmente impactados por secas e inundações talvez atribuíveis ao aquecimento, também aguardam com apreensão a definição de quanto as nações ricas destinarão para que se preparem melhor para esses fenômenos. O chamado fundo de adaptação é outro nó.
A arquitetura de quem paga essa conta, de onde vem o dinheiro, para onde vai e quem o gerencia é um dos maiores impasses das negociações internacionais pelo acordo climático. Os países em desenvolvimento, reunidos no bloco do G-77 mais a China, por exemplo, defendem o princípio da responsabilidade histórica. Por esta concepção, as nações ricas, as maiores culpadas pelo problema, teriam que financiar o resto do mundo a enfrentar o que vem por aí. Pela proposta do G-77, os ricos deveriam destinar 0,5% a 1% de seu PIB para um fundo, estimado em US$ 200 bilhões a US$ 400 bilhões ao ano. A governança é outro ponto de resistência. O G-77 quer que o fundo seja subordinado à CoP e não quer nem ouvir falar na gestão feita por organismos tradicionais, como o Banco Mundial.
A proposta feita pelo México agrada os ricos, tem a simpatia dos Estados Unidos e desagrada o mundo em desenvolvimento. Fácil entender o por quê. No Fundo Verde mexicano, todos contribuiriam à exceção apenas dos LDC, a sigla em inglês para as nações mais pobres do mundo. Países como o Brasil poderiam retirar uma parcela maior do que contribuíram. A estimativa deste fundo, atualmente, é de ter pelo menos US$ 10 bilhões ao ano, valor considerado muito baixo pelo bloco do G-77.
A sugestão da Noruega corre por outro trilho. Aqui, a fonte de recursos viria dos leilões das licenças para emitir que os países ricos comercializam. Um percentual desses leilões formaria o fundo climático norueguês. O G-77 gosta da ideia porque o dinheiro viria do mundo industrializado, que já têm metas de redução dos gases-estufa pelo Protocolo de Kyoto. A estimativa, naturalmente, depende do percentual e do valor da tonelada de carbono. Se for 10% das licenças e a US$ 45 a tonelada de carbono, daria algo próximo a US$ 60 bilhões por ano, calcula Mark Luttes, coordenador de política para a campanha climática do WWF.
Em junho, em Bonn, durante uma reunião preparatória para Copenhague, um grupo de ambientalistas ligados a várias ONGs lançou sua versão do acordo. A fonte principal de recursos, neste caso, seria um leilão de licenças, como na proposta norueguesa. Mas aqui há uma combinação de outros sistemas, como um percentual do MDL, os mecanismos de desenvolvimento limpo pelo qual os países ricos investem em projetos de tecnologia limpa nos países em desenvolvimento. Por fim, os governos também deveriam contribuir. As ONGs estimam que os recursos chegariam a US$ 160 bilhões por ano. “Realisticamente falando, talvez o caminho seja um esquema que combine elementos de cada uma destas propostas”, arrisca um negociador.
Há algumas cifras começando a surgir. Em junho, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, falou que o mundo precisaria de US$ 100 bilhões por ano até 2020 para ajudar os países em desenvolvimento a reduzirem suas emissões, combater o desmatamento e se adaptar às mudanças climáticas. Há uma semana, a União Europeia prometeu até € 15 bilhões (US$ 22 bilhões) por ano para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar o problema. Pelas contas do europeus, o total de custos anuais até 2020 pelos países em desenvolvimento, para reduzirem as suas emissões e também se ajustarem aos fenômenos naturais, seria de € 100 bilhões.
“Se não houver dinheiro por parte dos países desenvolvidos, não haverá acordo em Copenhague”, disse o comissário da UE para Ambiente, Stavros Dimas. “Quanto antes agirmos, mais barato ficará.” O problema é que o valor foi considerado muito baixo pelos outros. “Foi um insulto, um passo para trás”, avalia o inglês Duncan Green, chefe de pesquisas da Oxfam Grã-Bretanha. Nas contas da ONG, o mundo precisa de US$ 50 bilhões ao ano apenas para se adaptar ao impacto do aquecimento global.
O Banco Mundial, em relatório divulgado ontem, estimou em US$ 400 bilhões por ano, para as próximas duas décadas, os gastos nos países mais pobres com mitigação dos gases-estufa. E em US$ 75 milhões os custos para que eles se adaptem às secas, inundações e ondas de calor. “Isto é quase cinco vezes mais do que circula hoje no mundo em cooperação internacional”, diz Green. A Oxfam, uma ONG com forte atuação social, alerta que os gastos dos países ricos na rubrica mudança climática têm que ser adicional às verbas de cooperação. “Os países pobres continuarão precisando de ajuda em saúde e educação”, diz ele.
Se prevalecer o princípio da responsabilidade histórica, como quer o G-77, a conta da mudança climática dos países ricos deveria se distribuir mais ou menos assim: 40% ficaria com os EUA, 30% com a Europa e 10% com o Japão. O que está na mesa até agora, a menos de 90 dias da cúpula de Copenhague, indica a distância das estimativas com a vontade desses países de desembolsar o dinheiro.
Nos próximos dias, nos EUA, uma intensa agenda de encontros entre chefes de Estado e ministros do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Fazenda, irá acontecer em Nova York, Washington e Pittsburgh e poderia, segundo alguns observadores, avançar na questão financeira do acordo climático. Em Pittsburgh, em evento presidido por Barack Obama, estarão presentes os líderes das 20 maiores economias no mundo. Discutirão a crise, mas também terão foco no financiamento de ações relacionadas a mudanças do clima. Será a primeira vez que ministros das Finanças terão este tema na pauta. “É uma ocasião importante para que os ministros da Fazenda de países em desenvolvimento aproveitarem e levem suas propostas diretamente aos seus pares dos países desenvolvidos”, avalia Luttes, da WWF, lembrando que os ministros das finanças não costumam circular nos fóruns climáticos.
China e Índia, no entanto, não parecem animadas a discutir dinheiro no G-20. O Brasil também prefere acertar este tema no âmbito das Nações Unidas. Reuniões paralelas produzem ciúme em quem está de fora – a Argentina se sente excluída de um clube onde estão México e Brasil, o Paquistão fica sensibilizado com a presença da Índia e por aí vai. Há certo ceticismo entre diplomatas brasileiros quanto ao sucesso do encontro do G-20. Obama está às voltas com a reforma na Saúde e a tramitação da lei sobre clima, a Waxman-Markey no Senado, promete turbulência.