Apesar de uma tímida retomada na concessão de crédito para as pessoas físicas, os bancos brasileiros estão “inundados” de dinheiro como nunca. E o Banco Central é obrigado a atuar, enxugando liquidez empoçada no curto prazo, por meio de empréstimos que toma do mercado nas chamadas operações compromissadas. É a forma de evitar que essa sobra de dinheiro derrube a taxa básica Selic abaixo dos níveis desejados pela autoridade monetária.
Segundo os números do próprio BC até julho, último mês disponível, o saldo das operações compromissadas atingiu o recorde de R$ 444 bilhões em 15 de julho para empréstimos de até sete meses tomados pelo BC. Os números da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) consideram a transação de mais curto prazo, até 33 dias, e apontam no mesmo sentido: o BC enxugou R$ 357,62 bilhões no dia 23 de julho, valor que caiu para o total de R$ 344 bilhões no dia 3 de setembro. As taxas pagas têm ficado entre 8,60% e 8,70% ao ano, ligeiramente inferiores aos 8,75% da taxa básica Selic.
O excesso de liquidez se deve principalmente à política de compra de reservas internacionais do BC no mercado interno de câmbio. Na verdade, quando a fase mais aguda da crise começou, em setembro do ano passado, com a quebra da Lehman Brothers, a sobra de liquidez já se aproximava dos R$ 200 bilhões. Parte importante dela vinha das compras de dólares que o BC vinha realizando. Para se ter uma idéia, somente em 2007 foram adquiridos um total de nada menos do que US$ 80 bilhões para evitar uma apreciação forte demais no real com volatilidade no mercado de câmbio.
Ao comprar esses dólares, o BC entrega reais ao mercado, que podem ser retirados também por meio da emissão de títulos públicos do Tesouro Nacional. Acontece que o Tesouro desde meados de 2008 está atuando no sentido contrário e realizando resgate líquido de títulos públicos, o que acaba ajudando a ampliar a liquidez do curto prazo. Também a liberação dos empréstimos compulsórios a partir de outubro, em um total de R$ 100 bilhões estimados pelo mercado, contribuiu para ampliar a liquidez decorrente da política de compra de reservas do BC.
Com a crise do final do ano passado, o BC até atuou na ponta contrária e vendeu US$ 14,533 bilhões de outubro até fevereiro, enxugando os reais do mercado. Mas, desse total, US$ 10,57 bilhões já foram recomprados pelo BC no mercado à vista neste ano com a retomada do ingresso de dólares no país.
É importante destacar que os empréstimos em moeda estrangeira feitos pelo Banco Central, que chegaram a US$ 24 bilhões no caso dos lastreados em Adiantamento de Contrato de Câmbio, já foram devolvidos em mais de US$ 20 bilhões pelos bancos, mas não impactam a liquidez em reais. Também não ampliam os reais de curto prazo dos bancos as linhas em dólar com compromisso de recompra feitas pelo BC para aliviar o aperto de liquidez em dólar no final do ano passado, de US$ 10,19 bilhões, e que já foram integralmente devolvidas pelo mercado.
Os recursos que sobram no curto prazo poderiam ser direcionados para o mercado de crédito, se os bancos quisessem fazer esse tipo de ativo. Mas, ao que tudo indica, com o aumento da inadimplência das pessoas físicas e jurídicas, os empréstimos ao BC continuam mais seguros e ainda bastante rentáveis.
É verdade que a concessão de empréstimos para pessoa física tem crescido, com a média diária de novas concessões em julho chegando a R$ 2,5 bilhões, um aumento de 10,1% no ano e de 9% em 12 meses. As pessoas jurídicas, no entanto, que representam o grande volume de crédito no país, estão com a média diária de novas concessões em R$ 4,126 bilhões em julho, uma queda de nada menos do que 19,2% no ano e de 8,1% em 12 meses.
Por causa da contração no crédito para pessoa jurídica, as novas concessões de crédito no País considerando-se as pessoas físicas e as pessoas jurídicas estão em R$ 6,63 bilhões, um volume 10,1% menor no acumulado do ano e 2,3% menor em 12 meses. O crédito total está ainda em contração, portanto. O mercado prefere olhar a média diária de novas concessões, pois o saldo total de crédito muitas vezes cresce apenas pelas rolagens de dívidas e capitalização dos próprios juros dos empréstimos.
Essa sobra de liquidez no curto prazo e o crédito ainda retraído se explicam em parte pelo aumento da inadimplência da pessoa física e jurídica, segundo verificado nos dados do próprio Banco Central do Brasil. Em julho, último dado disponível, o nível de não-pagamento dos empréstimos às pessoas jurídicas atingiu 3,8%, um recorde dos anos recentes.
Não é apenas no Brasil que os bancos estão com sobra de reservas no curto prazo. A política do Fed, banco central americano, e das autoridades monetárias da Europa e Japão, entre outras, de injetar ampla liquidez no mercado, tem impactado os mercados no mundo todo. E essa ampla liquidez disponível pela política de relaxamento quantitativo, que inclui juros em recorde de baixa nos países ricos, nem sempre chega às empresas como as autoridades monetárias gostariam.
O Valor publicou recentemente um estudo confidencial que mostra que o “excesso de reservas” dos bancos dos países ricos atingiu US$ 1,222 trilhão ao final de agosto, só ligeiramente inferior ao montante do começo do ano, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês). Não é à toa que o Fed passou a comprar títulos das empresas diretamente para tentar desafogá-las. Os bancos comerciais nos Estados Unidos e na Europa continuaram a reduzir créditos para as empresas e os consumidores. As instituições dos 16 países da zona euro registraram o maior fluxo negativo líquido em junho, quando emprestaram US$ 49 bilhões a menos do que receberam de pagamentos.