O governo aposta em incentivos ao abatimento de dívidas agrícolas e no uso de áreas degradadas para convencer o produtor rural a investir na ampliação de áreas cultivadas com florestas no País. A proposta da Secretaria de Assuntos Estratégicos também cria alternativas para questões de mudanças climáticas, como pagamento por serviços ambientais, e de produção de energia a partir de fontes renováveis. O Programa Nacional de Floresta Plantada, em debate no governo, prevê dois modelos para a quitação da dívida rural dos produtores por meio da emissão de títulos lastreados em florestas plantadas ou da venda futura de créditos de carbono.
Pela proposta, os débitos rurais, estimados entre R$ 36 bilhões e R$ 130 bilhões, seriam equacionados com a constituição de sociedades de propósito específicos (SPEs) controladas por fundos compostos por produtores, indústrias de papel e celulose e outros investidores. Outra opção seria formalizar parcerias de longo prazo entre produtores e indústrias para a securitização de recebíveis das dívidas de produtores em mercado secundários. “Precisamos de terra para plantar, usar áreas degradadas e trocar dívidas pelo plantio de florestas”, diz o ministro interino de Assuntos Estratégicos, Daniel Vargas.
Os “sinais do mercado”, segundo ele, são de forte demanda no longo prazo. Vargas afirma haver concordância de produtores e ambientalistas em relação à troca de dívidas. “É um projeto ‘ganha-ganha’ e está muito avançado no governo”. Os benefícios ambientais seriam relevantes. As reservas naturais do País em florestas plantadas, avalia, poderiam crescer dos atuais 5,3 milhões para 27 milhões de hectares em 2050. E a fixação de gases causadores do efeito estufa superaria 6 milhões de toneladas de CO2 até lá. A expansão dessas florestas em áreas degradadas poderia ocupar 13 milhões de hectares adicionais até 2050.
Os estudos da SAE mostram que o mercado internacional de madeira e derivados passaria dos atuais US$ 230 bilhões para algo entre US$ 560 bilhões e US$ 840 bilhões até 2020. “É um colosso de recursos para aproveitar. Hoje, temos apenas uma fatia de 3,2% disso. Só para manter nossa participação, teríamos que dobrar a produção no futuro”, diz Vargas. A receita bruta da indústria, segundo projeções, saltaria de R$ 30,6 bilhões, em 2009, para R$ 168,5 bilhões até 2050. A arrecadação direta de tributos poderia aumentar sete vezes, para R$ 60 bilhões, e a geração de empregos passaria de 710 mil para 1,6 milhão de vagas diretas.
A equipe da SAE tem mantido conversas reservadas com BM&F-Bovespa, Banco do Brasil, Ministério da Fazenda, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e empresas de base florestal e siderúrgicas para acertar os detalhes dos modelos do novo programa. O governo aposta em um mercado “sólido, crescente e comprador” no longo prazo.
Parte dos ambientalistas vê como positiva a iniciativa do governo. “Finalmente, começamos a cruzar a política de crédito agrícola com as políticas ambientais. Resta ver se haverá o vínculo mais importante, que é a regularização”, diz Ana Cristina Barros, representante da The Nature Conservancy (TNC) no Brasil. Embora não tenha detalhes da proposta nem tenha sido consultada, a dirigente da ONG argumenta ser importante a criação de estímulos à regularização das propriedades, como o cadastro rural e o reflorestamento de áreas de Reserva Legal (RL) e de Preservação Permanente (APP).
O abatimento de dívidas em troca do cumprimento do Código Florestal, porém, é polêmico. Na avaliação de parte da sociedade civil, trata-se de “recompensar” aqueles que não cumpriram a lei. A TNC rejeita essa posição. “Estamos falando, na verdade, de algo adicional, de uma remuneração por serviços ambientais prestados”, diz Ana Cristina, referindo-se à regulação do clima e à manutenção da água, entre outros pontos, garantidos pela floresta de pé. “Não vejo problema em pagar para a regularização. O governo não pagou para recolher armas ilegais? Por que não pode pagar para as florestas?”
A proposta do governo soa bem aos ouvidos de especialistas. A produção da indústria de base florestal cresceu 6% ao ano nos últimos 15 anos e precisa elevar a base produtiva para atender à crescente demanda. O preço da madeira registrou valorização de 250% desde 2000. Os estímulos ao produtor são atraentes.
“É um investimento sem vínculo com ativos financeiros, elimina problemas de armazenagem e dá ganhos de apreciação da terra”, resume o consultor Marco Tuoto, da paranaense STCP Engenharia de Projetos. Mas há desvantagens. “O período de maturação é longo, resulta em baixa liquidez e imobilização de ativos, como a terra”. O modelo serviria melhor, diz, para produtores das regiões Sul e Sudeste do País, além do sul do Nordeste. O eucalipto demora sete anos para maturar. O pinus leva entre 18 e 20 anos e a teca, de 20 a 25 anos. Incentivos como adiantamentos de recursos para plantio e certificação e monitoramento da produção seriam importantes para estimular a entrada de produtores rurais no negócio.