O Brasil deve terminar 2009 com déficit nas relações comerciais com os Estados Unidos, após nove anos seguidos de superávit. Segundo especialistas, a mudança é reflexo da dependência das commodities nas exportações brasileiras e da crise na economia americana, a pior em mais de 70 anos.
No primeiro semestre, os EUA venderam US$ 2,5 bilhões a mais do que compraram do Brasil, que passou a ser a sexta maior fonte de superávit na balança comercial americana.
Apesar de o dado negativo com os EUA não ter impedido o Brasil de acumular um superávit de US$ 14 bilhões nas suas relações comerciais nos seis primeiros meses deste ano, o resultado tem um valor simbólico, já que se trata do maior importador mundial (e que acumula déficits gigantescos há anos; foram US$ 696 bilhões em 2008, ou 44% do PIB brasileiro) e, tradicionalmente, o maior comprador do Brasil.
Essa mudança nas relações comerciais não teve início agora – seus primeiros sinais começaram a surgir em agosto de 2008, um pouco antes de a crise no sistema financeiro americano contaminar o resto da economia mundial. Mas ela vem ganhando cada vez mais força. Nos seis primeiros meses do ano passado, por exemplo, o superávit brasileiro com os EUA era de US$ 1,54 bilhão.
A alteração nas relações comerciais não ocorreu porque os EUA passaram a vender mais para o País – foram as exportações brasileiras que tiveram queda maior que as importações. As vendas para os EUA recuaram 44%, e as compras, 14% (sempre comparando o primeiro semestre deste ano com o mesmo período de 2008).
Depois de chegar a um a cada quatro bens vendidos pelas empresas brasileiras para o exterior em 2002, a participação do mercado americano vem caindo desde então e terminou o primeiro semestre representando pouco mais de 10% (foi de 13,9% em todo 2008).
Maior comprador – Com essa queda, os EUA perderam para a China o status de maior comprador do Brasil. A participação da China saltou de 8,3% em 2008 para 15% nos seis primeiros meses deste ano.
Para Fabio Silveira, da RC Consultores, a explicação é que a crise nos EUA é muito mais intensa que a no Brasil, o que fez com que as indústrias cortassem seus gastos mais profundamente. Ao mesmo tempo, o Brasil exporta principalmente commodities (como petróleo e suco de laranja), que sofreram uma queda maior nos preços que os itens manufaturados, que têm importância maior nas compras brasileiras dos EUA.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, diz que é provável que o comércio continue deficitário no ano que vem e reclama que o País abandonou o mercado americano de manufaturados, tornando-se um exportador de commodities. A China, afirma Castro, tomou o espaço de produtos como autopeças, calçados e confecção e, “mesmo com um superesforço”, não é provável que a indústria brasileira consiga recuperá-lo.
No mesmo caminho vai Silveira, para quem, em termos de competitividade industrial, o Brasil é o Bangu (time do Estadual do Rio), enquanto a China é o Estudiantes (atual campeão da Libertadores).
Segundo ele, com as perspectivas sombrias de recuperação das economias americana e europeia, o Brasil terá que voltar suas exportações para o mercado asiático, como a China.
Para o governo, a queda nas vendas para os Estados Unidos também é uma preocupação, apesar de discordar da tese do impacto das commodities. Para o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, o problema foi o recuo nas vendas de bens manufaturados, também pela crise americana.
O secretário afirma que o governo vem tomando iniciativas para reestimular o comércio com os EUA, como discussões para simplificar as normas de comércio entre os dois países. “Há uma tentativa para estarmos preparados para reocupar nosso espaço [quando a crise americana passar].”