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Necrópsia em avicultura

<p>Leia artigo do médico veterinário Adriano da Silva Guahyba, que abrange todo o procedimento feito nas aves.</p>

Redação (24/09/2008)- "A verdadeira viagem da descoberta, consiste não em ver novas paisagens; mas sim, em ter olhos novos".

Iniciando com esta frase, podemos resumir o fato de muitos congressos, livros, etc. não darem a devida importância a necrópsia em aves. Enumeremos as razões para isso:

– Muitos técnicos afirmam que até um avicultor com razoável prática pode diagnosticar perfeitamente doenças avícolas. Não queremos com a frase anterior, menosprezar o leigo à ciência veterinária, mas a verdade é que a falta do conhecimento etiológico, patológico e epidemiológico das doenças aviárias, faz com que o avicultor ou o "prático" não consigam interrelacionar evidências científicas, as quais requerem um rigor (critério) científico, somente aprendido mediante ensino metodólogico e continuado em universidades.

– A escassez de veterinários no campo agregada ao pouco tempo em que os mesmos podem estar efetivamente dentro das granjas, faz com que estes sejam obrigados a confiar em "necropsias" realizadas por outros.

– Muitas vezes, não nos damos conta de que o único local onde as doenças aviárias ocorrem uma de cada vez, sem sobreposição nem sinergismo, é durante as aulas dos graduandos em Medicina Veterinária (na UFRGS, 3as e 5as, das 7.30a.m às 11.30a.m.). Este é o principal erro que um veterinário desavisado pode cometer, ou seja, realizar a necropsia "com olhos de quem procura UMA doença em específico".

– Outras vezes, bem mais comum de acontecer, é o diagnóstico correto de uma doença, ou mais de uma, pelo veterinário, o posterior tratamento medicamentoso do lote, a resolução do problema visível e a falsa sensação de tranqüilidade. Esquece-se, com freqüência, de que as manifestações clínicas de muitas doenças são tão somente "cortinas de fumaça" (por favor, não esqueçam este termo!), que encobrem doenças muito mais maléficas às aves e prejudiciais aos bolsos, tanto do avicultor como da indústria avícola. O veterinário, algumas vezes, se contenta em medicar um lote com Escherichia coli, por exemplo, e não procura investigar o que há por trás desta cortina de fumaça (E. coli). As doenças que levaram à visualização clínica de certas enfermidades, geralmente não se manifestam claramente e minam lenta e constantemente os lucros da avicultura.

– Ainda existe outro problema, que é a tentativa de proceder diagnósticos clínicos sem o envio de material ao laboratório para confirmação. Em várias ocasiões, não sabemos usar adequadamente as ferramentas laboratoriais que possuímos e quando as usamos, não sabemos interpretar. Em conseqüência, não conseguimos argumentar com o temido departamento de custos da Empresa e o final todos sabem: a quantidade e a qualidade de exames laboratoriais são restringidos, pois acha-se que tais exames não tem finalidade. O CDPA possui linha de pesquisa em novos métodos para o gerenciamento da avicultura, que fornecem a devida contribuição de determinadas monitorias laboratoriais para a produtividade (além da produção) da empresa avícola.

O procedimento – A técnica de necropsia não é uma receita de bolo que pode ser realizada de acordo com a preferência do veterinário. Além do mais, dependendo da suspeita clínica, a necropsia é direcionada aos sistemas atingidos pela doença da qual se suspeita, o que de forma alguma, inviabiliza um exame completo de todos os sistemas da ave. É recomendado que seja realizada a necropsia em aves recém sacrificadas, pois as lesões encontradas em aves mortas (mesmo há algumas horas) podem estar mascaradas por alterações post mortem.

Exame clínico ante mortem

A contenção da ave doméstica é feita com a imobilização das pernas, asas ou de ambos.

Extensão do jarrete – imobilize as pernas, estendendo os jarretes e mantendo-os em uma posição fixa, que permitirá o exame clínico da ave. Aproveite este momento para examinar a articulação tibiometatarsiana, procurando qualquer alteração que possa estar relacionada com artrite (palpar atentando para o aumento de volume, de temperatura e de líquido sinovial). O exame simultâneo visa comparar as duas articulações (pode denunciar assimetrias). Examine os pés, buscando evidência de anomalias, compactação de excrementos e tamanho das unhas.
Chave de asa – cruze as asas, traga a ponta de uma asa para a frente e encadeie as penas de vôo primárias sobre a outra asa. Este é um outro método que imobilizará a ave para o exame clínico.
Mobilidade – coloque a ave em pé sobre uma superfície plana e cheque para evidência de claudicação ou de incoordenação (desordens neurológicas). A coordenação de movimentos de perna e asa podem ser verificados levantando a galinha pelas penas da cauda.
Crista e barbelas – a crista e as barbelas devem ser examinadas atentando para o desenvolvimento, cor, coleções de líquido e presença de lesões cutâneas.
Olhos – são examinados para observar qualquer anomalia que possa produzir cegueira ou assimetria pupilar.
Narina e Sinus – pressione as narinas com os dedos no sentido caudo-rostral, observando se há saída de exsudato.
Cavidade Oral – examine a orofaringe. Peculiaridade das aves: há uma fenda no palato e a laringe não é guardada pela epiglote.
Penas – examine para evidência de parasitas externos, tais como piolhos (nas penas), pulgas e carrapatos (na pele). A cloaca é a abertura comum para os tratos digestivo, urinário e reprodutivo das galinhas. Os parasitas externos são muitas vezes encontrados em torno deste órgão, bem como nas regiões entre pernas, debaixo das asas e no dorso. No caso de aves trazidas ao laboratório, retirar a ave pelas asas e procurar parasitas na caixa em que vieram (internos e externos). Observar a consistência dos excrementos (diarréia).

Eutanásia
Quatro métodos aprovados de eutanásia podem ser usados em aves, sendo que todos têm vantagens e desvantagens:

Desarticulação cervical (a campo): aplicada somente às aves em que as contrações de morte possam ser apropriadamente controladas. Ela não é útil, por exemplo, em perus adultos.
Eletrocutagem ou eletrocussão (em laboratório): pode produzir hemorragias que prejudicam a interpretação de achados, e é perigoso para o operador.
Dióxido de Carbono (condições experimentais – onerosa)
Soluções barbitúricas (a dose é maior do que para mamíferos – inviável)

Exame post mortem
Ao executar os procedimentos de necropsia, é recomendado que sejam usadas luvas. O uso de máscara é necessário, quando se suspeita de doenças como clamidiose, por exemplo, em perus ou papagaios.

Depois da ave estar morta, molhe toda a região ventral para controlar o esvoejar das penas durante o procedimento da necropsia (com água + detergente). Coloque a ave com o peito para cima e com a cabeça para o lado oposto em que está o operador.

Um corte é feito sobre o lado medial da coxa. Este corte é estendido, inserindo-se o polegar e rasgando a pele para frente. Pegue uma tesoura e junte os dois cortes laterais. A articulação coxofemoral é desarticulada, forçando a sobrecoxa lateralmente. Repetido sobre a outra perna, irá permitir que a ave fique estendida sobre suas costas em uma posição mais ou menos fixa.

A pele é puxada de cima da musculatura do peito e o corte é estendido ao longo do pescoço da ave, inserindo-se a tesoura no tecido cutâneo do pescoço, cortando-o até a mandíbula inferior. A pele é rebatida para os lados. Neste ponto, a traquéia, esôfago, nervo vago, e timo são expostos e examinados.

Nervo ciático, e músculos – o nervo ciático é exposto levantando-se o músculo superficial sobre o lado medial da coxa. Expor os dois nervos, compará-los quanto à simetria e palpá-los. A musculatura da perna é examinada com o objetivo de evidenciar-se a presença de hemorragias ou de descoloração.

Articulações da perna e ossos – articulações dos dedos, do jarrete e o do joelho são examinados para evidência de edema e são abertos à procura de exsudato. A epífise distal do fêmur é cortada, e a placa de crescimento do osso e a medula óssea são examinadas.

Esterno – faça um corte na extremidade do osso do esterno, usando tesouras serreadas. Este corte é continuado até exatamente acima da articulação costo-condral, através da entrada torácica, cortando-se o osso coracóide. Observar a superfície interna do esterno.

Sacos aéreos – Os sacos aéreos podem ser examinados depois do esterno ter sido cortado de um lado. Os sacos aéreos da ave são estruturas membranosas, muito finas, transparentes, exceto pela deposição de pequenas quantidades de gordura na ave sadia.

Coração e fígado – A junção do saco pericárdico ao esterno é rompida e o esterno removido. Neste ponto, o coração e o fígado são expostos e amostras para o exame bacteriológico podem ser tiradas usando-se para isso, um "swab" para perfurar o fígado.

O trato gastrointestinal (TGI) é então removido da cavidade peritoneal, inserindo-se os dedos indicador e médio em torno da moela, que é o estômago muscular da ave, seccionando transversalmente a região entre o proventrículo e o esôfago, retirando-se, então, o proventrículo, a moela, e o intestino (não seccionar ainda entre o reto e a cloaca). Colocar o TGI externamente à cavidade peritoneal (ao lado da ave).

Baço – embaixo do proventrículo está uma estrutura ovóide: o baço; Em algumas aves, como em pombos, o baço pode ter formato colunar.

Alça duodenal, pâncreas e divertículo de Meckel – Imediatamente depois da moela, nós encontramos a alça duodenal, e dentro da alça, o pâncreas. A medida em que se vai descendo pelo intestino delgado, há uma outra estrutura de interesse, uma pequena proe-minência no intestino médio. Ela é conhecida como divertículo de Meckel, e foi o ponto de junção do saco vitelino ("gema") com o pinto, durante a embriogênese e em um curto período de tempo após a eclosão.

Bursa de Fabricius (BF) – está sobre a parede dorsal da cloaca. A bursa de Fabricius é um órgão linfóide, onde são formados os linfócitos B, responsáveis pela produção de anticorpos. Este órgão está presente em aves saudáveis até elas alcançarem a maturidade sexual. O intestino (porção retal) pode ser cortado após o exame da BF e deixado de lado para exame posterior.

Glândulas tireóide e paratireóide – Antes de tirar o coração, siga as carótidas e encontre as glândulas tireóide e paratireóide, associadas a elas.

Coração e fígado – Neste ponto, são examinados o coração e fígado e coletam-se amostras para histopatologia, se for considerado necessário.

Pulmões – Uma vez que coração e fígado tenham sido removidos, pode-se examinar os pulmões. Estes órgãos não são mantidos por pressão intratorácica como nos mamíferos. Eles são mantidos por junção às estruturas adjacentes, e ao menos que estas junções sejam rompidas, o pulmão da ave não irá colapsar. O pulmão é separado da caixa torácica, utilizando-se a extremidade romba da tesoura ou dedos. Desde que o pulmão tenha sido removido das costelas, as articulações costo-vertebrais e os nervos costais se tornam visíveis.

Plexo Braquial – Anterior às costelas, junto à última vértebra cervical.

Gônadas, adrenais e rins – Imediatamente posterior aos pulmões estão as gônadas: um par de testis no macho, e um ovário (esquerdo) na fêmea. Também encontram-se aí as adrenais, que são amareladas e de forma triangular e os rins, que são multilobulados. Três lóbulos do rim são aparentes: pronefros, mesonefros, e posnefros. As gônadas e as adrenais são encontradas na extremidade anterior ao pronefros. Amostras de tecido renal podem ser obtidas neste momento, desde que o rim seja parcialmente destruído quando examinando o plexo lombo-sacral.

Plexo lombo-sacral (também chamado plexo ciático) – Ele se situa abaixo do mesonefros. Esta parte do rim tem que ser removida para expor o plexo. A melhor maneira é pressionar para fora o tecido renal com a extremidade dos dedos. O plexo é formado por várias ramificações da medula espinhal, e duas destas ramificações formam o nervo ciático.

Esôfago – Coloque o braço rombudo da tesoura dentro do bico da ave, e corte na comissura do bico. Continue o corte seguindo o esôfago até o inglúvio.

Fenda palatina, turbinados, e sinus infraorbitário – Examine a cavidade oral e a fenda do palato. Corte através do bico, ao nível da narina para expor os turbinados, e continue o corte através dos turbinados até o sinus infraorbitário, procurando por evidência de exsudato.

Traquéia – Coloque o braço pontudo da tesoura na laringe, e corte abrindo este órgão, sem separá-lo do corpo da ave. Uma vez que a traquéia tenha sido cortada, seu lúmen pode ser exposto, deslizando-se a tesoura para cima e para baixo. Só no ponto de bifurcação da traquéia, dentro dos dois brônquios principais, nós encontramos a laringe caudal ou siringe. A siringe é o órgão vocal das aves.

Cérebro – para examinar o cérebro e obter amostras, é necessário remover parte do crânio. Isto é facilmente realizado cortando-se em torno do topo da cabeça da galinha, começando no forâmen magno.

Proventrículo e moela – Separe os estômagos glandular e muscular do intestino. Corte-os para abrir. Coloque a ponta da tesoura dentro da abertura do proventrículo e abra-o até a moela. Remova o conteúdo da moela e, se necessário, lave cuidadosamente para examinar seu revestimento. O proventrículo é o estômago glandular. A moela, por outro lado, tem uma cutícula queratinosa, secretada por uma mucosa subjacente (coilina). Examine a integridade e a coloração do revestimento queratinoso. Após, remova-o e examine a mucosa.

Intestino – Comece abrindo o intestino no duodeno e siga-o através de toda a sua extensão, incluindo o ceco em seu exame, procurando evidência de lesões coccidianas e presença de vermes cilíndricos e chatos. Raspe a mucosa intestinal com uma lâmina e examine-a ao microscópio, com o intuito de visualizar oocistos de Eimeria sp. e/ou ovos de vermes (em laboratório).

O mais importante: Anote na ficha, todas lesões encontradas no lote necro-psiado, procurando graduar os achados de necropsia, objetivando posteriores análises dos dados.

Saiba mais aqui e aqui .

Adaptado de: Guide for diagnosis of common poultry diseases. Benjamín Lucio-Martinez (Cornell University), escrito pelo médico veterinário Adriano da Silva Guahyba.