Pelissari e inúmeros produtores do norte do Paraná enfrentam o mesmo problema: todos os anos, quando a soja rompe a terra entre outubro e novembro, uma nuvem de pombas amargosas ataca as lavouras em busca de alimento. Há uma década, eram centenas. Hoje, estão na casa de alguns milhares.
A superpopulação dessa ave silvestre se transformou em um novo fiel da balança para o bom desempenho de algumas culturas, até então norteadas pelo regime de chuvas e humor do mercado internacional. Há casos, como o do girassol, em que as pombas destruíram quase 100% das flores, inviabilizando a produção na região.
Miúdas e fisicamente muito próximas das rolinhas, as simpáticas amargosas – uma ave que se estende por boa parte da América Latina – caíram em desgraça no Paraná porque se reproduzem numa velocidade muito maior do que morrem. É um duro lembrete ao homem do desequilíbrio ambiental que ele mesmo provocou.
"O desmatamento desenfreado afugentou seu principal predador, o gavião carcará, que faz seu ninho no alto das árvores", explica o engenheiro florestal Helverton Luis Corino, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), sediado em Maringá. "A pomba amargosa só está aproveitando um desequilíbrio provocado há décadas pelo homem e tentando perpetuar a espécie".
A quebra na cadeia alimentar foi coroada com a expansão das lavouras de cana-de-açúcar no Estado. É no meio dos canaviais, protegida do sol e outros animais, que a pomba encontra o habitat perfeito para a sua reprodução e postura.
O resultado é que a superpopulação das pombas virou uma praga. Segundo estimativas do IAP, ataques a lavouras de soja já foram verificados em quase 150 municípios do noroeste do Estado. Não por coincidência, essas cidades estão sempre próximas de plantações de cana – o noroeste responde por 65% da produção do Paraná, com área de 380 mil hectares. "Se continuar assim, a pomba vai tornar inviável a plantação de soja nesta região", afirma Pelissari.
Na pacata Paiçandu, a cerca de dez quilômetros de Maringá, os estragos têm sido grandes. O maior prejuízo ocorreu na safra 2006/07. As chuvas de outubro atrasaram e caíram de forma irregular, o que levou os produtores a semear as sementes de soja em datas diferentes. "Quem começou primeiro e quem plantou por último se deu mal", diz Walter Garcia de Oliveira. Ele próprio é um caso: foi obrigado a replantar três vezes uma área de 12 hectares atacada pelas aves.
As amargosas têm horário e preferências. Saem cedo, quando a temperatura ainda é agradável, e comem o que se conhece pelo nome de cotilédone, aquelas duas pequeninas folhas que aparecem quando rompem a sementes da soja. O ataque segue até às dez, e recomeça sempre no fim da tarde.
Por serem aves silvestres, a espécie está protegida pela legislação brasileira – quem matá-las comete um crime ambiental. A piada corrente na região é que é mais fácil matar um homem que a ave. Apesar de mobilizar cooperativas, sindicatos patronais, secretaria de agricultura e organizações ambientais, a questão está longe de ser resolvida. "Levamos um dossiê sobre esse problema ao Ibama em Brasília. Nada aconteceu desde então", diz José Antônio Borghi, diretor-presidente do Sindicato Rural de Maringá. O documento é datado de 03 de outubro de 2005.
Em 1º de agosto do ano passado, o Ibama criou a instrução normativa nº 108 que permitia, no prazo de um ano, o abate das aves. Mas para receber a autorização, os produtores deveriam comprovar que as propriedades tinham, por exemplo, reserva legal averbada.
"Ninguém solicitou a permissão por causa da reserva legal. Ninguém tem isso no Paraná", diz Sérgio dos Reis, técnico agrícola do Emater de Doutor Camargo, outro município com alta incidência de ataques de amargosas. Ao contrário. O noroeste é a última região no ranking de florestas do Estado.
Enquanto o impasse continua, cada um faz o que pode. Depois das perdas da última safra, os produtores abandonaram o espantalho (que há muito tempo deixou de fazer efeito) e adotaram métodos mais criativos e eficazes. O mais certeiro é o rojão e a moto – de preferência sem escapamento.
Pelissari, de Paiçandu, comprou uma moto usada, cem caixas de rojão e contratou oito funcionários para fazer a ronda em seus 250 hectares. Somados os gastos do ano passado e deste, ele diz já ter desembolsado R$ 25 mil somente para espantar pombas. Mesmo com a vigilância, contabilizou perda de 10% das sementes. Para ele, foi um ótimo resultado: em 2006 ele perdeu 36 hectares de soja e retirou 74 sacas por hectare, quando o normal seria 117 sacas, afirma. "Só não tive prejuízo maior porque, na dúvida, plantei desta vez 20% a mais de sementes", diz Pelissari, citando o "hedge" adotado também pelos demais produtores.
A 20 quilômetros dali, em Doutor Camargo, Romildo Balconi diz que "não sabe como não teve um infarto". Ele revezou sozinho com o filho, durante os 12 dias de plantio, as rasgadas de moto no meio da soja. Rodou 170 quilômetros por dia e teve 17 de 60 hectares afetados. "Elas voavam daqui e pousavam ali. A gente não dá conta".
Mas se o problema vem do céu, a ajuda também. Os aguardados 33 milímetros de chuvas que sinalizam o começo da semeadura chegaram para todos nesta safra. Com 21 dias consecutivos de chuva, os produtores conseguiram plantar ao mesmo tempo e pulverizar os prejuízos. "Só assim a gente consegue ter mais soja do que elas aguentam comer", diz Romildo.