Redação (16/11/2007)- Manifestando preocupação com um possível "conluio" dos países ricos para desviar o foco da Rodada Doha, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, reiterou ontem que a agricultura precisa estar no centro da negociação, iniciada há seis anos na capital do Qatar com ambiciosas metas para promover a abertura do comércio mundial.
Após presidir uma reunião do G20, o grupo de países em desenvolvimento que luta pela abertura agrícola do mundo rico, o chanceler brasileiro buscou afastar os rumores de um racha entre as nações em desenvolvimento.
"Ficou claro em nosso encontro que o centro da Rodada é a agricultura. Qualquer tentativa de mudar o fato de que a agricultura é a locomotiva [da negociação] está destinada a fracassar", disse Amorim na sede da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Genebra. A reunião do G20, convocada pelo Brasil, teve seu fórum ampliado a quase cem países, com a participação de outros países emergentes.
Citando "rumores" de que EUA e União Européia estariam se unindo para divulgar um documento sobre produtos industriais, o chanceler brasileiro disse que tal iniciativa seria uma manobra destinada a desviar o foco da Rodada Doha.
"Genebra é uma cidade cheia de rumores. Alguns são apenas sussurros, outros parecem trovões", disse Amorim. "Um desses rumores é o de que países desenvolvidos estão preparando um documento próprio. Não podemos permitir que interpretações erradas, para usar um termo suave, desviem o foco da agricultura. A agricultura sempre foi a razão e a locomotiva da Rodada."
Lançada em 2001, a Rodada Doha deveria ter sido concluída em 2005. Mas a disputa entre os países emergentes, que pedem o fim dos subsídios dos ricos à agricultura, e os países desenvolvidos, que querem a redução de tarifas industriais para ampliar suas fatias de mercado no mundo em desenvolvimento, mergulhou as negociações num impasse, tornando impossível determinar uma nova data para seu desfecho.
Manobra
"Se esse documento existir, é um evidente conluio para, no fundo, desviar a atenção da agricultura", disse Amorim. "A estratégia é essa. Eles encontraram uma zona de conforto mútuo, em que um não tem que cortar muito em subsídios e o outro não tem que dar muito em acesso a mercados. Para a atenção não ficar nisso, botam toda a atenção em Nama [Non-Agricultural Market Access, no jargão comercial, ou serviços e bens não-agrícolas]".
Antídoto
Kamal Nath, ministro da Indústria e Comércio da Índia, país que lidera o G20 ao lado do Brasil, lembrou o momento de incerteza na economia mundial para destacar a importância de que a conclusão de Doha não seja mais adiada.
"Há um risco real de que as crises financeiras ainda em andamento nos Estados Unidos e na Europa conduzam a uma desaceleração global", disse Nath. "Concluir a Rodada nos próximos meses seria um ótimo antídoto para isso."
Além do Brasil e da Índia, outros seis países enviaram ministros ao encontro -o que Amorim considerou um bom número-, além de sete vice-ministros.
A ausência de ministros do México e do Chile, que recentemente manifestaram insatisfação com a ampliação do escopo negociado pelo G20 além da agricultura, exigindo proteção a setores industriais, não foi considerada sinal de divisão.
"Os representantes dos dois países foram participativos e assinaram a declaração final", disse o chanceler da Argentina, Jorge Taina. "Não há divisão."
No comunicado divulgado após o encontro, o G20 reitera que o sucesso da Rodada Doha depende de avanços na abertura dos mercados dos países ricos aos produtos agrícolas dos emergentes, o que só ocorrerá com cortes nos bilionários subsídios concedidos atualmente.
"A agricultura determinará o ritmo e a ambição das negociações. Esse é um imperativo político que deriva do compromisso assumido em Doha de colocar a agricultura e o desenvolvimento no coração do sistema multilateral de comércio", diz o texto. "A maioria dos pobres do mundo é de agricultores. A luta contra a pobreza requer uma Rodada Doha bem-sucedida e equilibrada."