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Qual é a estratégia para a agricultura?

<p>Veja o artigo do jornalista Washington Novaes, do jornal O Popular, de Goiânia (GO).</p>

Redação (19/10/06) – A dez dias do segundo turno das eleições, as pessoas envolvidas no chamado agronegócio devem estar se perguntando o que o futuro lhes reserva, com tantas nuvens carregadas no horizonte. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura, o produto bruto do setor este ano está caindo quase 2%, cerca de R$ 10,25 bilhões, devido à queda de cotações no mercado externo e a fenômenos climáticos – embora a safra 2005/2006, com 116,5 milhões de toneladas, tenha se recuperado 3,5% em relação à anterior (mas no começo deste ano a previsão era ainda maior, de 123,19 milhões de toneladas).

Os debates eleitorais não dão resposta. Falam em crescer economicamente, em exportar mais – mas não há uma análise mais aprofundada da questão. Em seu lugar, apenas a liberação, em cima da urna, de verbas federais que tentam aplacar os produtores. Washington Novaes Em Goiás, dizem os últimos levantamentos (O POPULAR, 12/9/2006) que as culturas de grãos na safra 2005/2006 tiveram queda de 7,9% na área plantada. A redução é de 5,3% em toda a produção agrícola, consideradas as nove principais culturas. A de algodão baixou 55,3%, a de arroz 45,7%, a de soja 8,4%, a de trigo 44,5%. Dos 11,34 milhões de toneladas de grãos da safra 2004/2005, caiu-se para 10,68 milhões de toneladas. Mais complicado ainda, diz a Federação da Agricultura que não haverá recuperação na próxima safra, que pode ser ainda até 20% menor. O Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) dos sete principais produtos no Estado caiu 14,3% entre 2004 e passou de R$ 9 bilhões para R$ 7,7 bilhões.

Na agricultura, a queda do VBP de 2005 para 2006 foi de na pecuária, de 3,5%. Não é só. A agricultura está endividada. Fora os financiamentos bancários, deve, no País, R$ 6 bilhões às indústrias de fertilizantes, defensivos, sementes e às tradings (O Estado de S. Paulo, 5/9/2006). Desse total, R$ 4 bilhões são dos produtores de soja. E a situação só não é mais grave devido ao crescimento das importações chinesas (US$ 20 bilhões ao ano em produtos agrícolas, como lembrou há poucos dias, em artigo de jornal, o embaixador Rubens Ricupero). De qualquer forma, o PIB agropecuário, segundo a CNA, caiu 3,72%. E não foi pior por causa da recuperação nas exportações de carne. Mas o saldo do setor será menor que o do ano anterior.

Não se chega, entretanto, a discutir causas mais profundas, embutidas no próprio modelo vigente há cinco séculos – como se tem comentado aqui. O modelo em que exportamos produtos primários ou de pouco valor agregado para os países industrializados, mas sem poder influir nos mecanismos de formação de preços – todos em mãos das nações importadoras, que os manipulam de acordo com seus interesses. Da mesma forma que fazem nos produtos que exportam para cá, estes, sim, agregando todos os fatores que lhes convêm – o alto custo de sua mão-de-obra e sua tecnologia, além dos custos dos mecanismos de comercialização. Além disso, pouco se discute também a importância e a situação da agricultura familiar, embora ela represente no País 84% da produção de mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos e 32% da soja. No total, 40% do PIB agrícola e 10% do PIB nacional.

Curiosamente, esse alheamento ocorre nesta conjuntura em que, segundo os estudos de várias instituições, recursos e serviços naturais são o fator escasso no mundo, pois estamos consumindo além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. Se é assim, os produtos que deles dependem fortemente – como os produtos do agronegócio – deveriam ter uma situação excepcional de cotações. Mas os mercados obedecem à lei do mais forte, que são os países importadores, ricos. Como lembra Vandana Shiva – expoente do pensamento “ambientalista” -, ao longo de sua história a humanidade utilizou cerca de 80 mil plantas alimentícias. Mas hoje, com o domínio dos mercados mundiais por um restrito oligopólio de empresas, apenas oito espécies respondem por 75% dos cultivos. E quatro destes – soja, arroz, trigo e batata – significam, juntos, 60% do mercado mundial de alimentação (80% da soja produzida no mundo são utilizados na alimentação do gado). E não é só. Os países industrializados costumam subsidiar seus produtos agrícolas que concorrem com os que importam (se não subsidiarem e deixarem que reflitam os custos reais, darão argumento para a alta de preços dos importados). Só no caso do algodão norte-americano, que o Brasil tenta questionar na Organização Mundial de Comércio (dominada pelos países ricos), os subsídios em quatro anos foram de US$ 12 bilhões. Os subsídios à soja norte-americana entre 1998 e 2004 chegaram a US$ 13 bilhões. Mas não temos estratégia para enfrentar esse quadro – a não ser exportar cada vez mais, arcando com os custos ambientais e sociais internos, como lembra o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Sem esquecer a gangorra de preços, que nos impede de sair do lugar.

Como já registrou em seu livro Desenvolvimento Sustentável – o Desafio do Futuro, o professor José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, por isso mesmo há produtos que exportamos hoje por valores reais inferiores aos da depressão do começo da década de 1930. Nada disso está em discussão na campanha presidencial, a não ser nas citações de lugares-comuns como “precisamos crescer mais”, ou “precisamos exportar mais” ou ainda “precisamos proteger a agricultura”. Estratégias competentes? Nem pensar. E ainda pode vir a ser mais complicado. Como lembrou recentemente o chefe de Informática da Embrapa, professor Eduardo Assad, o aquecimento global, as mudanças climáticas, vão afetar muito a agricultura brasileira. Já estão fazendo migrar a cultura de café, que se vai inviabilizando com o aumento da temperatura nos Estados de São Paulo e norte do Paraná. Parte dela poderia mudar-se para o Cerrado, em princípio – mas este também está sofrendo forte aquecimento, como tem registrado este jornal. A soja, o milho, o arroz e o feijão também vão sofrer com a alta de temperaturas, diz o prof. Assad (outros técnicos da Embrapa dizem que já estão sofrendo). A soja na verdade já está migrando dos Estados do Sul para lugares mais altos. E com o aumento previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – de 1 a 5,8 graus Celsius na temperatura ao longo deste século -, o problema tenderá a ser ainda maior.

É indispensável colocar isso tudo em discussão, no plano nacional e no estadual. Aqui, juntar imediatamente os saberes disponíveis nas áreas do conhecimento, voltar a Secretaria de Ciência e Tecnologia para estudos que permitam previsões climáticas precisas, trabalhar com medidas de adaptação às mudanças do clima. Generalidades não bastam, não resolvem. Será indispensável muita competência. Inclusive na formulação de estratégias em nível global – porque é nele que as questões fundamentais se colocam à mesa.