Redação (22/09/06)- Ao mesmo tempo em que cobra do Brasil maior controle sanitário do que importa do país, a União Européia está sendo questionada pela ineficácia dos controles dos alimentos no velho continente após um novo escândalo de carne bovina deteriorada na Alemanha.
Quase 100 toneladas de carne imprópria ao consumo, com prazo de validade expirado há quatro anos, foram vendidas por empresas da Bavária a Estados alemães e a oito países europeus: França, República Tcheca, Bélgica, Áustria, Dinamarca, Itália, Luxemburgo e Holanda. Há menos de um ano, outro caso de carne estragada vendida com etiqueta falsificada, além de restos de carne transformados para consumo humano, haviam causado escândalo na Alemanha.
Essa série de fraudes desencadeou uma discussão sobre proteção ao consumidor no velho continente. O comissário europeu responsável pela saúde e proteção do consumidor, Markos Kyprianou, acionou sua equipe para avaliar como evitar novos casos. Alguns Estados-membros consideram que a legislação européia precisa ser mudada.
O fato é que a legislação européia é bastante rigorosa quando se trata de produtos alimentícios importados, como a carne brasileira. E a União Européia é ágil quando surgem dúvidas em relação aos controles sanitários em outros países.
Exemplo disso é que ontem o bloco confirmou que tomou com bastante rapidez a decisão de enviar uma missão técnica ao Brasil na segunda-feira para inspecionar a produção de gado em São Paulo por conta do registro de casos de animais com reação positiva ao vírus da aftosa no Estado, fato divulgado este mês. São Paulo, aliás, já está impedido de exportar carne à UE por causa dos casos de aftosa no Paraná e no Mato Grosso do Sul no fim de 2005.
A rapidez, segundo os europeus, se justifica pela inquietação de alguns Estados-membros e da própria Comissão Européia sobre a situação do controle sanitário no brasileiro, que volta a ser discutido hoje pelo Comitê Veterinário da UE. Na pauta, as medidas a serem tomadas em relação à carne e às frutas do país.
O novo escândalo na Alemanha foi descoberto graças a um produtor de cogumelo, que encontrou em plena floresta, uma mala recheada de documentos comprometedores, e a entregou a polícia.
Segundo as investigações, a carne que não tinha sido vendida fresca foi congelada pouco antes de o prazo de validade vencer. Após anos, o produto foi descongelado, depois recongelado em lotes com novas etiquetas de validade para serem vendidas pela Europa. O negociante responsável foi encontrado enforcado em sua casa no começo deste mês.
A proximidade de inspetores, veterinários, produtores e comerciantes de carne é apontada como uma das causas da fraude. A questão, de fato, é que o controle sanitário é feito a nível nacional. Agora, a Alemanha exige que a UE tenha maior influência sobre o controle dos alimentos.
Outro problema é a impunidade. Na Alemanha, as multas por venda de mercadorias estragadas não passam de 15 mil euros.
“O controle alimentar na Alemanha não funciona”, disse Ulrich Kelber, vice-líder do Partido Social Democrata no Parlamento. “Esses incidentes nos dão a impressão de uma república bananeira”, disse em entrevistas à imprensa alemã.
Na Alemanha, o consumidor não tem direito sequer de saber quais empresas estão envolvidas nos escândalos. Hoje, o Bundesrat, o Senado alemão, deve examinar projeto de lei que dá direito ao consumidor de receber informações no prazo de cinco anos, se fizer os procedimentos burocráticos necessários.
Em outros países da Europa, a situação é um pouco diferente. Na Dinamarca, os alimentos têm um selo que garante a segurança do produto. De maneira geral, no velho continente, organizações de consumidores querem que os governos acusem formalmente os fraudadores.
Na próxima semana, um comitê de higiene dos alimentos da UE voltará a discutir se deve alterar ou não a atual legislação para evitar novas fraudes. A Alemanha, por sua vez, quer que a UE obrigue as companhias que receberam mercadorias estragadas e recusaram-se a vendê-las, que informem as autoridades. A UE acha o sistema é muito pesado. “A obrigação do controle é nacional. Nenhum sistema está ao abrigo de fraude, mas procuramos aperfeiçoá-lo para evitar novos casos”, disse Philip Tod, porta-voz de saúde da UE. Esta semana, a UE anunciou programa de treinamento para inspetores de segurança dos alimentos. Pelo menos 1.500 serão treinados por ano.
Além disso, a partir de dezembro os 25 Estados-membros terão de fornecer programas anuais de controles sanitários. A UE os examinará e poderá pedir que sejam melhorados, para tentar uma equivalência de qualidade.
O curioso é que nenhuma associação ou país que vem pedindo para Bruxelas punir a carne brasileira reagiu ao caso alemão – oficialmente, pelo menos. A central agrícola Copa-Cogeca e a União dos Comerciantes de Carnes dizem não ter posição sobre o assunto.