Em um ano marcado pela guerra entre Rússia e Ucrânia, lockdowns na China e eleições presidenciais no Brasil, companhias brasileiras de capital aberto ampliaram seus investimentos em 2022 e uma parte das empresas deve continuar a expandir seus negócios neste ano. Com um cenário de provável abertura da economia chinesa, empresas ligadas a commodities, sobretudo, estão mais otimistas, embora as incertezas macroeconômicas e políticas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ainda segurem importantes tomadas de decisões.
Levantamento do Valor Data feito com as dez maiores empresas de capital aberto, excluindo duas gigantes, a petrolífera Petrobras e a mineradora Vale, mostra que os investimentos na produção cresceram nos primeiros nove meses do ano passado comparado a igual período de 2021. A exceção foi a BRF. Nesse ranking, estão JBS, Cosan, Ultra, Vibra Energia, Marfrig, Braskem, Gerdau, Suzano e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
A soma dos investimentos dessas companhias, de vários setores, atingiu até setembro do ao passado a cifra de R$ 42,7 bilhões, crescimento de 55,8% sobre janeiro a setembro do ano anterior. Na comparação com 2020, o crescimento é de 3,5%. Mas é o dobro em relação a 2019, ano anterior à pandemia.
CSN prevê investimento de R$ 4,4 bilhões neste ano e atingir de R$ 5,5 bilhões a R$ 6,5 bilhões ao ano em 2024 e 2025 Muito da evolução dos investimentos das companhias para 2023, seja para cima ou para baixo, vai depender da recuperação da economia da China e do direcionamento que o novo governo de Lula vai dar no Brasil.
“Por enquanto, temos um fluxo de notícias que é um pouco difícil de ler”, afirma Pedro Serra, diretor de pesquisa da Ativa Investimentos. A China adotou uma série de medidas para flexibilizar as restrições envolvendo o avanço da covid-19 no país e também para tentar impulsionar o setor de imóveis, mas ainda não ganharam tração. “O cenário é de recuperação, mas vamos ter que esperar um pouco para ver os efeitos das medidas”, afirma Daniel Sasson, analista do Itaú BBA.
No Brasil, a visão dos analistas é que o novo governo não vai fazer mudanças bruscas. Na visão de Serra, as empresas devem fazer uma reavaliação do cenário na metade de 2023. “Se tivermos uma queda de juros no segundo semestre, com paz fiscal, pode ser positivo para as empresas.”
Maior produtora global de celulose, a Suzano anunciou investimento de R$ 18,5 bilhões para 2023, aumento de 15% sobre o ano passado. Metade do valor será para o projeto de expansão Cerrado. Outros R$ 6,4 bilhões vão para manutenção das unidades produtivas no país e R$ 2,5 bilhões em terras e florestas.
A China é o maior mercado consumidor de celulose da Suzano, explica Marcelo Bacci, diretor de finanças da companhia. “Quando a gente anuncia os investimentos de expansão no país, o pensamento é a longo prazo. Olhamos ciclos longos.”
Na pandemia, por exemplo, o consumo de papel higiênico subiu em um primeiro momento, mas depois normalizou. Segundo Bacci, a Suzano não foi impactada com o lockdown chinês. Empresas de proteínas e alimentos devem manter volume de investimentos elevados, mas em linha com os últimos anos Sasson, do Itaú BBA, aponta, contudo, que os investimentos dessas grandes empresas do setor de commodities, com exceção de papel e celulose, não são de expansão.
“Elas estão tentando retomar níveis de produção, no caso da Vale, ou visando manutenção operacional, a expansão se dá meramente por efeitos inflacionários.” No caso da Suzano e de Klabin, a perspectiva de investimentos é mais robusta em razão dos projetos Cerrado e Puma II, respectivamente, que visam a ampliação da capacidade de processamento de celulose. “São projetos que já vinham sendo discutidos antes da crise”, comenta Sasson.
Aline Cardoso, estrategista de ações para Brasil e América Latina do Santander, pondera que as empresas ligadas a commodities vão postergar grandes investimentos para evitar impacto negativo nos preços dos seus produtos. “A oferta está bem disciplinada e eles querem manter assim”, afirma.
As empresas de minério também poderão ter grande oportunidade com a abertura gradual da China.
Em relatório recente, o Citi aumentou sua estimativa do minério de ferro para US$ 110 a tonelada em 2023. O banco nota que a expectativa de reabertura gradual da economia da China vem sustentando os preços do minério de ferro, acumulando alta de 40% nos últimos dois meses. As projeções de investimento da CSN para os próximos anos vieram acima dos que os analistas do Bradesco BBI esperavam. O conglomerado controlado por Benjamin Steinbruch prevê investir R$ 4,4 bilhões neste ano para depois acelerar esse ritmo, aplicando de R$ 5,5 bilhões a R$ 6,5 bilhões ao ano entre 2024 e 2025.
A empresa comentou em evento para investidores que o aumento reflete a expectativa de recuperação na China. A Gerdau continuará ampliando os investimentos na América do Norte, com a ressalva de que não pretende aumentar o volume na região, com exceção de algumas usinas. “Nosso foco é competitividade e atendimento aos clientes”, afirmou Rafael Japur, diretor financeiro, em teleconferência.
A siderúrgica pretende divulgar, juntamente com os resultados do quarto trimestre, suas projeções de investimentos para o ano, destacando que o foco dos projetos é garantir acesso competitivo a matérias-primas, aumentar capacidade de produção e adicionar produtos de maior valor agregado. Na Vale, a projeção de investimentos é de US$ 6 bilhões em 2023, alta de 9% sobre o montante desembolsado em 2022.
“Teremos acesso a capital competitivo para financiar investimentos de US$ 20 bilhões nos metais em dez anos”, afirmou vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores da Vale, Gustavo Pimenta, em evento para investidores.
Daniel Sasson, do Itaú BBA, nota que as empresas de mineração ainda devem ficar em compasso de espera para maiores investimentos de expansão, esperando para ver se a recuperação na China será sustentável.
“Hoje a China tem pouca influência nessas decisões de capex [investimentos em imobilizado] porque não temos grandes investimentos de expansão no setor”, diz. Já as empresas dos setores de proteínas e alimentos devem continuar a ter investimentos elevados, mas em linha com os últimos anos, muito por necessidade da compra constante de animais para a sua continuidade operacional.
“Eles compram barato e vendem a carne processada caro, com uma boa margem, num mercado que é resiliente”, diz Serra, da Ativa. “Essas empresas devem ter uma redução substancial nos custos de trigo e milho”, comenta Rodrigo Almeida, analista do Santander.
No caso da BRF, os investimentos podem cair por conta disso, aumentando o retorno para os investidores, algo esperado pelo mercado no plano estratégico da companhia. Em nota, Guilherme Cavalcanti, diretor financeiro da JBS, comentou que a “estratégia de diversificação geográfica e de proteína da JBS – traçada de forma única no mercado mundial -, a alta qualidade de nossos times, a gestão ágil e os movimentos bem-sucedidos de nossa gestão financeira nos deixam prontos para aproveitar oportunidades que possam surgir, sem deixar de lado o cuidado que o cenário global da economia impõe.”
A companhia de carnes informou que, desde 2020, o capex somou R$ 23,4 bilhões, sendo R$ 10,6 bilhões para expansão.
“Grande parte desses investimentos em novas unidades estará em operação comercial no decorrer de 2023. Estamos fortalecendo nossa presença em mercados relevantes, como as expansões das fábricas da Seara no Brasil (que devem ter a produção ampliada em 20%, com recursos destinados a inovação, qualidade e mix) e dos nossos negócios de alimentos preparados nos Estados Unidos. Temos muito valor a capturar dos investimentos nos últimos anos, e eles têm o potencial de fortalecer ainda mais nossa geração de caixa”, disse Cavalcanti.
A BRF, por sua vez, é uma situação diferente. A empresa tem investimentos obrigatórios por conta de ativos biológicos, como compra de animais de abate, mas afirmou recentemente que apesar de uma redução em outras áreas, vai continuar analisando oportunidades que façam sentido e tragam retornos. Um dos maiores grupos econômicos brasileiros, o Ultra divulgou um plano de investimentos de R$ 2,2 bilhões para este ano, focado na expansão do portfólio de negócios, via expansão de capacidade, otimização dos pontos de venda e ganhos de eficiência e produtividade.
A rede Ipiranga, maior negócio do grupo, fará expansão. Rodrigo Pizzinatto, diretor financeiro do Ultra, observa que em 2020 o plano de investimento da companhia ficou R$ 300 milhões abaixo, impactado pelos efeitos da pandemia. Nos últimos meses, o conglomerado vendeu a empresa de especialidades química Oxiteno e a varejista de medicamentos Extrafarma e esse desinvestimento, combinado com os melhores resultados de Ipiranga, Ultracargo e Ultragaz, ajudaram o desempenho do grupo.
Para 2022, a companhia anunciou investimentos adicionais de R$ 265 milhões, que somados aos R$ 1,7 bilhão, totaliza quase R$ 2 bilhões de alocação de recursos, explica Pizzinatto. O analista Gabriel Barra, do Citi, nota que o plano de investimentos da Ultra foca na expansão do seu portfólio de negócios, com aumento de capacidade, otimização de postos de gasolina e ganho de eficiência e produtividade. “Há um foco em especial na Ultragaz e na Ultracargo.”
Já a Cosan, sócia da Raízen com a Shell e dona da Compass (energia), Moovie (lubrificantes), Rumo (ferrovia), além de participação minoritaria na Vale, deverá manter seus movimentos de expansão nos próximos anos. Fontes a par do assunto afirmaram que o foco da empresa de energia será etanol de segunda geração. Em ferrovia, a Rumo deverá expandir a malha além de Rondonópolis, importante corredor de grãos.
Ex- BR Distribuidora, a Vibra Energia não vê grandes exigências de investimentos, aumentando o patamar mínimo do pagamento de dividendos como consequência disso, afirmou André Natal, diretor-presidente interino, em teleconferência.
A petroquímica Braskem também não deverá fazer grandes desembolsos em 2023, uma vez que o ciclo de baixa do setor deve comprimir os resultados. A companhia estava no fim do ano definindo o planejamento estratégico para o próximo ciclo de três anos e levará em conta os desafios presentes e tendências futuras para decidir quais projetos permanecerão em portfólio.
Procuradas, Braskem, BRF, CSN, Cosan, Gerdau, Marfrig e Vibra não concederam entrevista.