Da Redação 12/03/2004 – 04h55 – Único segmento da economia brasileira em franca expansão, a agricultura não depende do governo nem do sistema bancário para financiar a maior parte da safra 2003/04. Cerca de 70% dos recursos necessários têm sido financiados por empresas, pelos próprios produtores e até por meio de um sistema de trocas.
Desse montante, pouco menos da metade (ou 30% em relação ao total de R$ 100 bilhões necessários para financiar o setor) tem como origem tradings (empresas que negociam produtos agrícolas), companhias de insumo ou instrumentos como as CPRs (Cédulas do Produto Rural). A estimativa é da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura.
Outros 40% vêm de recursos dos próprios produtores. A modalidade tem crescido, segundo analistas, na esteira das sucessivas safras recordes desde 1999, dos preços elevados das commodities e da estabilidade da economia.
“As últimas safras e os bons preços dos produtos têm permitido ao agricultor se capitalizar. Mesmo que não seja sempre mais barato, ele cada vez mais prefere investir do próprio bolso do que depender do banco”, diz Robson Mafiolette, assessor técnico e econômico da Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná).
Presidente da Kepler Weber, líder do país no setor de armazéns, Othon Cals de Abreu afirma que 70% das vendas da empresa em 2003 foram pagas com recursos próprios dos produtores. “Os agricultores reclamam da demora e das garantias exigidas pelos bancos para liberar os recursos.”
O analista André Pessoa, da consultoria Agroconsult, afirma que o uso de recursos próprios depende da região. “Em Estados como Mato Grosso e Goiás, por exemplo, ainda há muito financiamento via tradings. A capitalização tem ocorrido mais no Sul.” Esse financiamento é visto com bons olhos por analistas na medida em que mostra a capacidade do setor de encontrar alternativas à escassez do crédito oficial. Mas também existem empecilhos, como o fato de os produtores arcarem sozinhos com os riscos.
Nos últimos anos, as opções para financiar a produção agrícola têm se fortalecido. A CPR, criada em 1994, é um dos principais instrumentos. Ela funciona como um título e permite ao agricultor custear a safra por meio da venda antecipada de produtos que serão colhidos. As cédulas do produto passam pelo aval de bancos e destinam-se a investidores finais.
Existem as cédulas física, no qual o pagamento é feito com o próprio produto, e a financeira, quitada com dinheiro.
O Banco do Brasil, principal instituição financeira a dar aval às CPRs, prevê dobrar o total avalizado em 2004, para R$ 3 bilhões. O valor já havia dobrado em 2003.
Produtor de milho e cana-de-açúcar em São Paulo, de soja em Goiás e de batata em Minas Gerais, Mário Carvalho Dias, 48, diz que deve financiar 60% do custeio da atual safra por meio de CPRs.
“Para um produtor maior, os R$ 200 mil [limite de crédito na linha oficial do governo para quem planta soja] têm um peso pouco significativo”, afirma Dias.
O empecilho às CPRs são os juros, maiores que os do crédito rural oficial, de 8,75% ao ano. Analistas estimam esses juros em torno de 20% ao ano, na média, percentual que já inclui a taxa de administração pelo aval.
Para evitar o pagamento à instituição financeira, produtor e comprador podem acertar diretamente a transação: são as CPRs de “gaveta”. Não há dados oficiais, mas se estima que o volume delas supere o das cédulas “oficiais”.
Outro instrumento usual é o da compra de insumos com intermediação das cooperativas. Waldomiro Bognar, vice-presidente da Coopermibra (Cooperativa Mista Agropecuária do Brasil), com sede em Campo Mourão (PR), diz que os fornecedores oferecem insumos com taxas de juros de até 2% ao mês.