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Bastidores da venda da Seara

Conheça os detalhes da operação de US$ 130 milhões que marcou a entrada da Cargill no mercado brasileiro de carnes.

Da Redação 06/09/2004 – Veja a reportagem sobre a compra da Seara pela Cargill, publicada na revista Isto É Dinheiro No. 366:

“Tarde de terça-feira, 31 de agosto. Executivos da Seara e da americana Cargill, reunidos em São Paulo, discutem os últimos detalhes de um acordo costurado nos últimos dez meses, entre Itajaí (SC) e Minneapolis (EUA). No final do dia, por volta das 18h30, o destino das companhias no Brasil estava selado. Após detalhadas revisões, um documento sucinto foi protocolado junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O mercardo brasileiro de carnes saberia, então, por meio de um fato relevante, que há um novo concorrente de peso. O documento informava a venda do frigorífico catarinense, terceiro maior processador de aves e suínos do País, para a Cargill. Valor do negócio: US$ 130 milhões.

A operação marca o retorno do grupo americano ao segmento, no qual não ciscava desde os anos 70. Pelo menos por aqui. Ela mantém unidades de carne nos EUA, Europa e Ásia. Mas percebeu que para se tornar um player global nos negócios de aves e suínos teria de incluir uma companhia brasileira em sua lista de compras. Com a aquisição, os americanos assumem uma empresa de R$ 2 bilhões, nove fábricas, 14 mil funcionários, escritórios na Argentina, Holanda e Cingapura e vendas para 70 países. O bom momento da carne brasileira pode representar uma grande alternativa no cenário mundial. As duas empresas vão trabalhar juntas para desbravar novos mercados, comunicou Sérgio Barroso, presidente da Cargill do Brasil.

Para a Seara
Para a Seara, a entrada da nova controladora, dona de um faturamento mundial de US$ 62,9 bilhões, vem em boa hora. Embora venha exibindo números crescentes nas vendas internas e externas e seu caixa esteja saudável, a fabricante catarinense tem dívidas de R$ 490 milhões a vencer em um ano. Além do mais, os recursos da Cargill podem acelerar os lançamentos de produtos de maior valor agregado da companhia, como hambúrgueres, nuggets e pratos prontos. É a chave para reforçar a posição no mercado doméstico, esquentar a briga com Sadia e Perdigão.

As negociações

A compra da Seara acontece dois meses depois de a Cargill anunciar a venda de suas operações de suco de laranja para os grupos Cutrale e Citrosuco. “O movimento foi entendido pelo mercado como uma reestruturação dos negócios americanos em território brasileiro. Aproveitamos grandes oportunidades. Foi só isso”, garante Maria Helena Miessva, gerente de assuntos corporativos da Cargill do Brasil. As negociações para a aquisição da Seara começaram em novembro de 2003. O primeiro executivo da Cargill brasileira a pisar na sede do frigorífico, em Itajaí (SC), foi o presidente Sérgio Barroso. Queria conhecer o comandante da empresa catarinense, Júlio Cardoso, e verificar de perto a operação da Seara.

Nos meses seguintes, as visitas do homem-forte da Cargill se tornaram cada vez mais freqüentes e as conversas com Cardoso, cada vez mais demoradas. Barroso já não estava sozinho nessas ocasiões. Era escoltado por dois executivos do board da Cargill: Sérgio Rial, chefe da divisão de ingredientes alimentícios na América Latina, e o americano Lee Skold, diretor mundial da Cargill Foods. A essa altura, enquanto os missionários do grupo pesquisavam in loco a operação Seara, o board, em Minneapolis, se reunia com o fundo de investimento americano Mutual, dono do frigorífico brasileiro. Com US$ 130 milhões na mão não foi difícil convencer o banco a vender 61,9% do capital total da Seara.

Tentativas anteriores
Esta não é a primeira vez que a Cargill tenta voltar ao setor de alimentos. No final da década de 90, ele arrastou as asas para a Chapecó, mas a situação financeira da produtora brasileira emperrou as negociações. Recentemente, os americanos também ensaiaram uma ofensiva para cima da Sadia, que também não vingou. A Seara surgiu, então, como a oportunidade ideal para o retorno ao mercado de carnes. A Cargill garante que a equipe brasileira será mantida no frigorífico catarinense o que não significa que seus executivos estarão fora da linha de frente do negócio. Já está definido que o atual presidente da Seara, Júlio Cardoso, dividirá o comando das operações com Lee Skold e Sérgio Rial.

A primeira medida do triunvirato, já comunicada à CVM, é o interesse em fechar o capital da Seara por meio de oferta pública de ações. Bradesco e Pactual deverão intermediar a operação. Enquanto fecha o capital por aqui, a Cargill abre imensas possibilidades para a Seara no mundo. Poderá, por exemplo, reforçar as vendas do frango brasileiro no mercado norte-americano. E como tem forte presença no segmento de suínos na Europa, também facilitará o acesso da empresa brasileira por lá.

Situação da Seara
A Cargill sabe que tem uma pérola nas mãos. No primeiro semestre deste ano, o lucro líquido da Seara foi de R$ 115 milhões e a receita livre de impostos somou R$ 1,1 bilhão no período. A expectativa agora é saber se a Cargill vai se concentrar mais no potencial exportador da Seara ou se vai também mirar os canhões no mercado interno, que está em franca recuperação. “Acredito que o mercado interno não é a prioridade”, diz Christian Klotz, analista da Fama Corretora. A Seara, segundo ele, é uma empresa focada em produtos de baixo valor agregado. Leia-se: o forte da companhia é vender frangos inteiros ou em pedaços e partes de suínos, sem qualquer tecnologia mais complicada. Mirar no mercado interno exigiria um bom investimento nas suas linhas de produção. A empresa teria que agregar valor, com artigos mais sofisticados, diz Klotz. Se enveredar por esse caminho, baterá de frente com Sadia e Perdigão. Poder de fogo os americanos têm para peitar as líderes. Resta saber se estão dispostos a comprar a briga doméstica.

Por si só, a chegada da Cargill provoca um rebuliço no mercado. Tanto que a palavra fusão começa ganhar força no setor de alimentos no País. Analistas acreditam que Sadia e Perdigão não vão assistir passivamente a ofensiva americana. Deverão partir com tudo para cima de produtores de menor porte. No alvo, a gaúcha Avipal, a Aurora e até a falida Chapecó”.