Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, pesquisa revela que o ambiente de gestação das fêmeas suínas tem influência no desenvolvimento do cérebro dos leitões. O estudo, feito em parceria com as Universidades de Passo Fundo (Rio Grande do Sul) e Uppsala (Suécia), indica que a gestação em um ambiente desconfortável aumenta a ocorrência de comportamentos repetitivos, as chamadas estereotipias. Os pesquisadores também fizeram uma análise epigenética, ou seja, da influência do ambiente externo na ativação ou não dos genes. Foram encontradas modificações em áreas do cérebro ligadas às emoções tanto nos filhos de suínas que receberam enriquecimento ambiental, quanto em leitões nascidos de fêmeas que apresentavam estereotipias, como, por exemplo, mastigar em falso, sem ter nada na boca.
Os resultados do trabalho foram publicados em artigo na revista científica Epigenetics. No Brasil, a Instrução Normativa 113 do Ministério da Agricultura e Pecuária, promulgada em 16 de dezembro de 2020, estabelece para o ano de 2045 a proibição do uso de celas de gestação, sistema de criação de suínos mais adotado no País, no qual os animais são confinados em gaiolas. “A norma espelha o que já acontece na Europa, onde o sistema foi banido em 2012, porém o mais assustador é o prazo dado para a mudança”, aponta ao Jornal da USP o professor da FMVZ Adroaldo Zanella, orientador da pesquisa. “A instrução prevê também o enriquecimento do ambiente onde os suínos são mantidos.”
“Todos os experimentos foram feitos em baias coletivas, que representam melhores condições de bem-estar. Os resultados do trabalho servem como alerta sobre os riscos de se manter o sistema antigo por tanto tempo”, afirma a pesquisadora Patrícia Tatemoto, primeira autora do artigo. “Esse estudo evidencia as consequências do ambiente de gestação na organização do cérebro dos animais, com sequelas por toda a vida”, acrescenta Zanella.
Na primeira etapa do estudo, realizada com 36 fêmeas suínas e seus leitões, foram analisadas expressões de comportamentos repetitivos (estereotipias) nas mães. “Concluímos que as manifestações de estereotipia estavam correlacionadas com alterações na emocionalidade dos leitões”, relata Patrícia Tatemoto. “Quanto mais comportamentos repetitivos as mães tinham, menos os leitões manifestaram medo”. Os dados obtidos nessa fase foram publicados em três estudos entre 2019 e 2020, nas revistas Frontiers in Veterinary Science e Applied Animal Behaviour Science.
Comportamentos repetitivos
Durante a segunda fase da pesquisa, as fêmeas gestantes foram divididas em dois ambientes, e em um deles, as baias foram revestidas com feno para verificar a influência do enriquecimento ambiental na geração de comportamentos repetitivos. “Os suínos gostam de explorar os ambientes, possuem um sistema olfativo riquíssimo, por isso fazia sentido a colocação do feno, que era trocado diariamente”, afirma a pesquisadora. “Nos ambientes sem feno, a falta de atendimento a essa demanda dos animais levava muitas fêmeas a mastigarem em falso, que é uma estereotipia.”
Nessa etapa também foram analisadas alterações epigenéticas nos leitões, ou seja, mudanças influenciadas pelo ambiente na ativação de genes (metilação) no cérebro. Foram verificadas três regiões responsáveis pela ativação do sistema límbico, que modula as emoções: a amígdala, o córtex frontal e o hipocampo. “Uma mudança epigenética não altera o código genético. Ela determina quais genes são ativados e desativados e quando estes efeitos acontecem”, explica o professor da FMVZ. “O epigenoma é influenciado pelo ambiente externo, como alimentação, estilo de vida e fatores ambientais. A metilação é uma alteração epigenética que modula a ativação dos genes.”
“O enriquecimento do ambiente de gestação afetou mais o tecido do córtex frontal, área responsável por determinar a execução de movimentos, e o hipocampo, responsável pelos processos de memória”, observa Patrícia Tatemoto. “O comportamento repetitivo manifestado pelas fêmeas suínas esteve associado à metilação de vários genes na amígdala, ou seja, alterou a ativação de genes na área que é o centro do medo no cérebro”, observa a pesquisadora. “Na etapa anterior do estudo, quando a mãe manifestava estereotipia, os filhos demonstravam menos medo.”
Segundo a pesquisadora, novos estudos vão determinar com exatidão o mecanismo envolvido no processo, e suas consequências. “Entretanto, esse é um sinal de que há comprometimento do bem-estar das mães na gestação”, destaca.
“A pesquisa demonstrou que enriquecer o ambiente de gestação é importantíssimo para a melhoria do bem-estar animal das fêmeas, e a estereotipia muda os indicadores de medo da prole”, ressalta o professor Zanella. “Os resultados mostram a importância do período pré-natal na modulação do sistema nervoso central para os processos adaptativos, e dessa forma, melhorar as condições de bem-estar durante a gestação é dar ferramentas para os recém-nascidos enfrentarem as demandas e desafios do ambiente.”
As conclusões do trabalho foram apresentadas no artigo An enriched maternal environment and stereotypies of sows differentially affect the neuro-epigenome of brain regions related to emotionality in their piglets, publicado na revista científica Epigenetics dia 16 de maio. A pesquisa foi financiada por meio de projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado pelo professor Zanella, e Patrícia Tatemoto contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os experimentos foram realizados no campus da USP, em Pirassununga, tiveram a colaboração da Granja Topgen, em Jaguaraiva (Paraná).
Fonte: JORNAL DA USO | Texto: Júlio Bernardes