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Frigoríficos

Famílias se impõem à frente de frigoríficos

JBS e Marfrig insistem em manter comando familiar, mas já enfrentam uma resistência menor por isso.

Famílias se impõem à frente de frigoríficos

Nada como bons resultados, cautela na hora certa e um punhado de aquisições e incorporações no país e no exterior para que um modelo de gestão inicialmente condenado ao fracasso passe a ser encarado quase como necessário – mesmo que, evidentemente, ainda passível de críticas e ajustes.

É o que acontece com JBS e Marfrig, os frigoríficos de carne bovina que nos últimos anos se consolidaram como dois dos maiores grupos de proteínas animais do Brasil e do mundo. Alvos recentes de profundas desconfianças por serem controladas pelas famílias fundadoras, sobretudo em seus processos de abertura de capital , as empresas insistiram nessa linha e, no mercado, a questão foi relegada.

Não que os bancos, escritórios de advocacia, consultorias de gestão e corretoras não preferissem que a presidência-executiva de ambas fosse ocupada por um “profissional”. Mas a contratação de executivos tarimbados ao longo de seus processos de expansão, a estrutura de governança montada para as ofertas públicas de ações e, de novo, os resultados obtidos, “destorceram” muitos narizes.

“A indústria de proteína animal, que ainda enfrenta preconceito, vive um momento de maturidade. A ideia geral é que a atividade no segmento é primitiva, mas não é assim. Com industrialização, valor agregado e internacionalização, o negócio avançou muito. E mesmo que às vezes o amadurecimento de uma administração familiar seja mais lento, os grandes frigoríficos estão mostrando que ela pode ser bem-feita”, diz André Pimentel, diretor da Galeazzi & Associados.

JBS e Marfrig, contudo, não são a regra. Depois dos diversos pedidos de recuperação judicial apresentados por companhias do ramo desde o fim do ano passado (Independência, Quatro Marcos, Arantes Alimentos, Redenção etc.), todas geridas pelas famílias fundadoras, talvez as gigantes sejam a exceção. Mas com seus principais “empresários-executivos” chegando agora aos 40 anos, a exceção tende a durar. O Minerva, outro que arrumou a casa e abriu o capital, também é bem-visto apesar de não ter realizado, pelo menos até agora, grandes aportes em expansão.

“Profissionalização e governança corporativa fazem parte de um modelo necessário, e o empreendedor, o controlador, pode ser bem sucedido nesse modelo. Mesmo no regime presidencialista, cabe a democracia”, diz Thomas Felsberg, fundador e CEO do escritório Felsberg e Associados, que tem participação ativa do segmento.

O ponto não é tanto quem aperta o botão vermelho, mas como esta decisão é tomada. E, nesse processo, os grupos de proteínas animais que se fortaleceram como “consolidadores” em meio à concentração, também investiram em seu quadro de executivos para isso, até para compensar limitações e eventuais falhas de formação.

Como fez o presidente da Cosan, Rubens Ometto, que acaba de anunciar sua saída do dia a dia do colosso sucroalcooleiro para se dedicar “apenas” ao conselho de administração. Ometto escolheu para sucedê-lo Marcos Lutz, e manteve à frente de açúcar e álcool o executivo Pedro Mizutani. Mas o botão vermelho segue com ele.

Na JBS, o diretor presidente Joesley Mendonça Batista, filho do fundador, é o grande estrategista e principal rosto da “nova” JBS de capital aberto, presença global com bases de produção em outros países da América do Sul, EUA, Europa e Austrália e faturamento anual da ordem de R$ 60 bilhões, o que a coloca em terceiro lugar entre as maiores empresas brasileiras não financeiras de capital aberto.

Mas é inegável o prestígio entre analistas do diretor de relações com investidores do grupo, Jeremiah O’Callaghan, executivo irlandês com larga experiência no segmento no Brasil e no exterior, trazido de volta pela família Batista com a aceleração da expansão do antigo “Friboi”. Nas aquisições que fez nos EUA, inclusive a Swift, a JBS fez mudanças profundas em gestões que não estavam dando certo; na operação italiana que comprou, considerada “redonda”, a opção foi manter o comando e “aprender”, como admitiu Joesley.

Preocupado em descentralizar a produção para driblar eventuais barreiras sanitárias e comerciais, a JBS também agregou a seus quadros o ex-ministro Pratini de Moraes, que em seus tempos à frente da Agricultura conduziu a abertura de novos e importantes mercados para as carnes brasileiras.

Analistas identificam outras contratações importantes da JBS em sua recente transformação – como a do diretor de exportação Rogério Bonato -, mas Joesley Batista Mendonça prefere não detalhar seu quadro de executivos. E nem sempre a relação é fácil. O diretor financeiro Sergio Longo, que estava na companhia desde 2003, desligou-se da JBS no início deste ano sem nunca ter estado completamente afinado com Joesley e seus dois irmãos. Os críticos não deixam passar: coisas de famílias.

Outro caso de incompatibilidade que se tornou conhecido foi o de João Pinheiro Nogueira Batista, CEO da Bertin por apenas seis meses. Contratado “no mercado” para tocar a profissionalização da companhia, que pensava em abrir o capital, ele deixou o cargo em janeiro deste ano e foi substituído por Fernando Antônio Bertin, um dos fundadores. A saída de Batista foi só um sintoma de um problema administrativo-financeiro maior. Recentemente a JBS anunciou a incorporação da Bertin.

Marcos Molina, fundador e presidente da Marfrig, é menos econômico sobre sua cúpula. Tímido e com dificuldades para se expressar em público, Molina contratou em 2007 como diretor de planejamento estratégico e de relações com os investidores Ricardo Florence, ex-Pão de Açúcar, UOL e Brasil Telecom. Se Florence é o braço direito, Alexandre Mazzuco, diretor administrativo financeiro, no grupo desde 2003, é o esquerdo, também com experiência em outros grupos e especializações.

James Cruden, diretor da divisão Bovinos Brasil e Food Service, iniciou sua carreira em 1970 em um braço australiano do grupo de alimentos britânico Vestey, veio para o Brasil em 1982, esteve nos frigoríficos Bordon e Pampeano e foi presidente da BF Produtos Alimentícios.

A Marfrig também “protege” a experiência que encontra em empresas que adquire – foram mais de 30 aquisições em pouco mais de três anos. Assim, conduzem outras divisões operacionais executivos como Mayr Bonassi, um dos fundadores da Mabella, Luis Bameule, que era presidente da argentina Quickfood, e Nigel Dunlop, que veio da britânica Moy Park.

Ao divulgar seus resultados do terceiro trimestre, na segunda-feira – receita líquida de R$ 2,4 bilhões (previsão de até R$ 18 bilhões no ano), lucro líquido de R$ 200,5 milhões, ambos crescentes -, a Marfrig, que prepara uma oferta primária para cobrir as recentes aquisições, anunciou nova versão de seu código e ética e reiterou compromissos com a preservação do ambiente, outro foco de pressão sobre empresas de carnes.

Juliano Moretti, do escritório Tauil & Chequer Advogados, que acompanha de perto o segmento, reforça que a “profissionalização” das empresas familiares não vem apenas da contratação de executivos, mas também de suas relações. Ao optarem por crescer captando recursos no mercado, grupos como JBS e Marfrig passaram a se relacionar com quem o “mercado” tem de mais profissional. Isso sem contar o apoio do BNDES, que tem participação em ambos e é considerado um ótimo avalizador.

Assim, há mais espaço para sistemas e processos e menos arroubos personalistas. Mas enquanto os resultados estiverem aparecendo, o “mercado” entende que o olho do dono continuará a engordar o boi. Até porque muitos dos interlocutores dos frigoríficos hoje admitem que não entendiam a lógica do negócio. “As técnicas para integrar a cadeia não são simples. Logística, por exemplo, é fundamental, já que há um ativo [boi] pouco trivial e um produto perecível”, diz Pimentel, da Galeazzi.