Redação AI (16/02/06) – O programa Globo Rural, exibido pela rede Globo no último dia 5 de fevereiro, apresentou uma reportagem sobre um sistema de compostagem de resíduos de frangos aplicado no município de São José do Vale do Rio Preto (RJ). O inusitado é que o sistema conta com a ajuda de outra ave: o urubu. Veja como funciona o sistema:
“Hoje em dia, em São José do Vale do Rio Preto, localizado na região serrana do Rio de Janeiro, são as hortas e granjas que geram renda e trabalho no município. Por ano, são 50 mil toneladas de chuchu, além de brócolis, vagem, repolho e o abate de 17 milhões de frangos.
O problema é que essa fartura traz embutida a miséria ambiental. Uma quantidade enorme de penas, vísceras, sangue e até frangos inteiros mortos.
Só um dos abatedouros produz seis toneladas de resíduos por dia, que até sete anos atrás tinha um único destino. “Era no rio, um problema muito sério aqui para todos os abatedouros da região, por não ter onde botar esses resíduos”, conta o dono do abatedouro, Rosaldo Andriolo Machado.
Por muitos anos o Rio Preto, que recebeu esse nome por causa das pedras escuras de granito, foi o esgoto dos abatedouros.
“Era um espetáculo meio dantesco, a gente via, por exemplo, passando sobre a água, pena de galinha, carcaça e a água com, assim, um pouco oleosa, porque o sangue tem muito alto teor de gordura. Isso era visível. Em qualquer local do rio que você chegava, você sempre encontrava aquele aspecto aquela coisa feia, porque isso tudo era lançado no Rio Preto”, lembra o agricultor Celso Rampini.
Hoje, o rio Preto está bem diferente e melhor. A solução foi dar um outro destino aos restos dos abatedouros: a compostagem. A idéia foi do agrônomo da Emater, Eiser Felippe, um defensor do sistema orgânico.
Compostagem
O centro de compostagem não é a paisagem mais agradável de se ver. O cheiro também não é bom. Mais de três mil urubus ficam à espera do que comer. Mas talvez o que nem se imagine é que os animais fazem um trabalho importante na transformação desse material em adubo.
Eles ficam empoleirados nos montes, nas copas das árvores, voando. Avançam assim que os resíduos começam a ser descarregados. São 400 mil quilos de carniça por mês.
“Urubu é uma ave saneadora. Quando existe urubu é que ela está ali fazendo saneamento, uma ave muito importante. E aqui, no caso, dessa área de compostagem, eles, às vezes, trituram um material que chegam inteiro. Eles comem algumas tripas que vêm no meio do sangue. O urubu acelera o processo porque quanto menor a partícula no processo de compostagem, mais rápido o processo se desenvolve. Diretamente proporcional ao tamanho da partícula. E, quando o monte é revirado, ele come as larvas das moscas. Esse era um ambiente que era para ter muito mais mosca do que tem. Mas não tem mosca. Trabalha sem mosca. E a outra utilidade dele aqui é depois que os montes são revirados, eles ficam em cima dos montes, pousados, como se estivessem empuleirados, ficam pisoteando. Esse pisoteio deles gera uma crosta que impede a entrada de água quando chove no monte. Então o monte fica com uma umidade boa para compostagem e não encharca demais”, explica Eiser Felippe, agrônomo da Emater do Rio de Janeiro.
O sangue, as penas, as vísceras são misturados com serragem, que, por ser uma fonte de carbono, ajuda na decomposição. De quinze em quinze dias, as leiras são reviradas. É para esfriar o monte, que chega a setenta graus centígrados. O que esse material tem de bom? “Ele é riquíssimo em todos os nutrientes que o esterco tem, como nitrogênio, fósforo, potássio, micronutrientes gerais, e que não diferem muito do esterco, só que a concentração dele é maior”, aponta Eiser.
Quando o adubo fica pronto, depois de aproximadamente 90 dias, a gente nem reconhece que é um produto feito com restos de frango morto.
Seu João Batista e o filho, Alexandre, usam o composto na agricultura orgânica. Com o apoio dos técnicos da Emater, adubam as lavouras de repolho, brócolis, abobrinha, vagem e chuchu.
“Uso sempre o composto orgânico. A base de um saco para quatro, cinco covas. Se usa bota, se usa tapar ele depois para conservar ele bem úmido. Aí depois que ele estiver enramando em cima do arame, nós vamos colocar outro estercado nele de novo. Leva duas estercadas. O resultado é bom. Esse chuchu mesmo é a primeira dose que levou. Ele não tinha levado nada ainda. E já está com o aspecto bonito. Na safra que a gente pega umas colheita boa, dá para fazer até uns R$ 1 mil, a R$ 2 mil por mês, para dividir com meu pai”, conta Alexandre da Silva.
O atual momento da agricultura de São José do Vale do Rio Preto é de transformação. Assim como nas leiras de compostagem, os produtores reciclam seus conhecimentos e mudam o jeito de lidar com a terra. E não só eles, pois esse é um trabalho em cadeia.
Tem a participação dos abatedouros e o apoio de instituições brasileiras, como a Emater, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e também estrangeiras, como a Universidade de Berlim.
O secretário de Planejamento da prefeitura, Nei Gonçalves Machado, está envolvido com o projeto desde o início e está animado com o que vem ocorrendo por lá. “Nós estamos vivendo um processo muito bonito, um processo muito bacana em termos de resultados. Conceitos como o de sustentabilidade, por exemplo, estão, vamos dizer, na boca do povo. Está aqui essa paisagem toda maravilhosa, que a gente tem muito orgulho de poder está convivendo com ela e que a gente pretende também que as próximas gerações também usufruam dela”, espera o secretário.
A reportagem sobre São José do Vale do Rio Preto recebeu, no ano passado, o prêmio de melhor matéria de televisão sobre meio ambiente industrial. Ele foi concedido pela Agência Brasil de Segurança”.