Redação (12/02/2008)- A valorização nos preços internacionais de commodities agrícolas e alimentos e a demanda internacional aquecida permitiram ao Brasil encerrar 2007 com exportações recordes de soja, milho e carnes. O país também comemorou recorde na receita com exportações agrícolas (que cresceram 18,2%, para US$ 58,416 bilhões) e no saldo da balança (elevado em 16,3%, para US$ 49,696 bilhões). Mas esse cenário também produziu um efeito colateral: a valorização nos preços dos alimentos no mercado interno, o que em 2007 respondeu por metade da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A cesta de alimentos variou 10,8% no país e o IPC, 4,6%. Na Argentina, os alimentos subiram 30% e a inflação no varejo é estimada pelo governo em 7,5%. No Chile, as variações ficaram em 15,4% e 7,6%, respectivamente, de acordo com estudo feito pela FGV. Levantamento divulgado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta a mesma tendência para outros países emergentes, como China, México, Rússia e Índia.
Para especialistas ouvidos pelo Valor, além de problemas internos específicos, os países emergentes apresentaram mais dificuldades para administrar a pressão inflacionária internacional e, neste ano, ainda verão nos alimentos um risco às suas metas de inflação.
Adbolreza Abbasian, secretário do grupo de negociação de grãos da FAO – braço da ONU para agricultura e alimentação – observa que o mercado global ainda apresenta uma relação entre oferta e demanda de alimentos bastante apertada. E, embora os estoques de alguns grãos tenham apresentado melhora, a expansão do consumo na Ásia e a dificuldade dos países em elevar a sua produção no mesmo ritmo estimularão novas valorizações nos preços dos alimentos pelo menos nos próximos dois anos.
Para Abbasian, a suscetibilidade dos mercados emergentes às pressões inflacionárias globais não se resume aos alimentos. De acordo com o economista, a alta nos preços de energia – principal fator de pressão inflacionária no mercado mundial em 2007 – mostrou-se mais forte nos países em desenvolvimento, sobretudo em países dependentes de sua importação. "Derivados do petróleo, como diesel e fertilizantes, têm peso significativo nos custos da produção agrícola. Em países como Índia e China, a alta do petróleo provocou aumento substantivo nos custos de produção", afirma. O Brasil, segundo Abbasian, conseguiu dirimir parte desse efeito por ter um certo controle nos preços do petróleo e por ter uma agricultura comercial melhor estruturada.
Já a Argentina – que também possui agricultura altamente tecnificada – a alta nos preços de alimentos de 30% é explicada em parte pela quebra na safra de trigo e à menor produção bovina, que levaram o país a paralisar as exportações desses itens durante alguns meses para conter o surto inflacionário. "A Argentina tem mais dificuldades para expandir a produção agropecuária por falta de área disponível, diferente do caso brasileiro", diz o economista. Cenário semelhante foi notado na Rússia, também um grande exportador de commodities agrícolas, sobretudo para países da Europa. No caso brasileiro, volta o observar, a inflação mais alta foi reflexo de um problema de oferta – em trigo, carne bovina e leite – mas que tende a se normalizar neste ano.
Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também aponta dois fatores que diferenciam a inflação nos países emergentes da observada nos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, os gastos com alimentos têm peso maior do que nos países mais ricos, o que explica a influência maior na formação dos índices de inflação. Além disso, quanto maior a dependência do mercado externo (seja para importar ou exportar), maior a possibilidade de repasse de preços ao mercado interno. "O aumento nos preços do milho superior a 100%, como ocorreu em 2007, não gera necessariamente alta nos preços do frango americano; já no Brasil essa relação foi mais diretas."
André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), aponta como outro fator de pressão nos países emergentes o aquecimento da demanda, que nem sempre acompanha de crescimento da produção. "Países como China e Índia têm dificuldades para expandir a produção e falta infra-estrutura para melhorar a produtividade e reduzir custos. É um quadro difícil de se reverter no curto prazo", afirma.
O quadro internacional de oferta e demanda de alimentos ainda aponta tendência de alta. Somado a isso, observa Michael McDougall, vice-presidente sênior da Newedge, corretora de commodities do grupo Société Générale com sede em Nova York, agentes de mercado esperam a entrada de cerca de US$ 30 bilhões de fundos em commodities agrícolas e de energia, dado a rentabilidade média no ano passado de 30%. "Este mercado continua atraente para investidores e ajuda a manter os preços em níveis acima da média histórica", diz.
Um fator que pode empurrar os preços abaixo dos níveis históricos seria a redução da demanda por energia devido à recessão americana – o país responde por 25% do consumo mundial de gasolina. "O quadro de recessão já está formado, resta saber como esses elementos vão se comportar daqui para frente", diz McDougall. Conforme o analista, o aumento da oferta de petróleo e carvão com a entrada em operação de investimentos feitos em anos anteriores deve contribuir para uma melhora nos preços da cesta de energia já neste ano.
Alimentos sobem mais em países emergentes
A cesta de alimentos variou 10,8% no país e o IPC, 4,6%.