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Brasil garante alimento para o mundo, diz presidente da Conab

Agricultura tem grande papel, em função da produção de commodities como soja e milho.

Redação (24/03/2008)- O Brasil já se tornou um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Hoje, a demanda mundial por esses produtos é elevada em função dos mercados emergentes, como a China e a Índia. A agricultura empresarial brasileira tem um grande papel nesse segmento, em função da produção de commodities como a soja e o milho. Além disso, a agricultura familiar no País também avança para a profissionalização e fornece os alimentos básicos aos brasileiros.

Para o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Wagner Rossi, o Brasil representa o grande celeiro mundial e será capaz de suprir as necessidades mundiais de alimentos, uma vez que contamos com uma expectativa de safra de 137 milhões de toneladas de grãos. E, com a ajuda da Conab, os produtores brasileiros serão capazes de atender a essa demanda.

Para falar sobre o mercado agrícola e sobre o que a Conab está fazendo para profissionalizar ainda mais o setor, o executivo aceitou o convite do programa Panorama do Brasil, veiculado às segundas-feiras pela TVB e comandado pelo jornalista Roberto Müller. Participam da entrevista Marcia Raposo, diretora de redação do jornal DCI, e Ana Paula Quintela, editora de Agronegócios do DCI.

Roberto Müller: Como está indo o abastecimento no Brasil, que vem tendo recordes de safra – não obstante, isso pode criar um problema de pressão de preços, desabastecimento? 

Wagner Rossi: Este é um momento bom para falar de agricultura, sobretudo depois de o Brasil obter esses extraordinários recordes produtivos. Ao mesmo tempo, mais do que os recordes que já obtivemos, a perspectiva é muito favorável. Não há dúvida de que há um novo patamar de demanda mundial por alimentos, vinda sobretudo do fenômeno de aumento do consumo dos países em desenvolvimento na Ásia, sob a liderança principal da China, que tem um extraordinário crescimento econômico. São 35 milhões de pessoas que se engajam no setor produtivo chinês a cada ano e estão, portanto, podendo adquirir bens. Isso mudou o perfil. Ao lado da China, a Índia, que é outro gigante mundial. Isso tudo fez com que os analistas econômicos do agronegócio colocassem este momento como uma mudança de patamar dos preços agrícolas. E as pessoas, às vezes, se assustam e falam: "puxa, agora os preços dos alimentos subiram". Mas elas se esquecem de que o essencial, ao analisar a agricultura, é lembrar que nos últimos 40 anos, com exceção dos dois últimos, os preços agrícolas foram se achatando e caíram a um nível em que o produtor, não só no Brasil, mas no mundo, era subsidiado ou deixava a agricultura. O nosso produtor quase não tem subsídio, ele é um herói por sobreviver esse período todo, no qual os preços agrícolas se achataram. Hoje, ele incorporou tecnologia, mudou toda a sistemática de relações de trabalho no campo. Incorporamos também um fenômeno novo no Brasil. Antigamente, quando se falava do pequeno produtor agrícola, era a agricultura de subsistência. Hoje, não. Há uma agricultura sólida e familiar no Brasil, que é responsável por cerca de 60% de todo o alimento que vai à mesa do brasileiro. Pequenos produtores, estimulados pelo governo com programas especiais, convivem com uma agricultura empresarial pujante, que é líder em soja, em carnes, açúcar, álcool e que disputa a liderança em outros setores, como o algodão. Você tem hoje o milho consolidado, exportador. Enfim, de um lado a agricultura empresarial, que está voltada grandemente para a produção de commodities agrícolas e energia, que não conflita com uma agricultura familiar muito bem estruturada.

RM: Isso em decorrência da atuação da Conab?
WR: Da Conab e das políticas de governo, é claro. O presidente Lula deu uma ênfase muito grande, até com esse compromisso natural da vida dele com o pequeno, o agricultor familiar neste último governo teve uma atenção especial. E a Conab passou a ser o executor de todas essas políticas sociais do governo.

Ana Paula Quintela: A Conab cuida do Fome Zero também?
WR: Sim. Os programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Reforma Agrária, e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), são executados pela Conab. O PAA, por exemplo, é um programa no qual nós garantimos a compra do alimento produzido pelo pequeno agricultor familiar e pelo assentado. Você lembra o tempo em que o assentado pegava o lote, mas não conseguia fazer nada? Depois ele largava o lote, não conseguia fazer nada e ia para a cidade, criando um problema social. Hoje, não, porque nós vamos lá e compramos o que ele produz. Você veja como é compatível uma agricultura empresarial de alto nível com incorporação de tecnologia, capitais, é claro, porque é uma agricultura pesada, vitoriosa, com ênfase, como eu disse, na produção de commodities agrícolas e energia, e ao mesmo tempo isso é permitido porque o pequeno agricultor familiar garante a subsistência alimentar do brasileiro.

Marcia Raposo: O senhor agora está em uma época de desafio, imagino, porque o senhor é a mesa onde são regulados os preços agrícolas do País. E, neste momento, você olha para o planeta Terra inteiro e os preços agrícolas estão em disparada. Como faz o presidente da Conab, que regula mercado, para comprar na alta – porque o senhor vai ter de repor os estoques, e não há tanto dinheiro assim. O que existe é o seguinte: o governo age intensamente na agricultura quando ela vai mal. Quando a agricultura vai bem, não é tão necessário que o governo aja. A não ser em dois momentos: ou quando os preços caem tão baixo que eles não remuneram o agricultor para que ele continue produzindo, aí o governo entra comprando, com o chamado preço mínimo; ou o preço extrapola para cima e aí nós temos de usar o estoque que eventualmente o governo tenha um estoque regulador para segurar o preço e o povo não seja roubado no preço por especuladores. Isso aconteceu, por exemplo, este ano, com o feijão, porque perdemos 500 mil toneladas na safra em função de questões climáticas, com a seca prolongada, que acabou com a safra de feijão. Foi uma tragédia. O povo brasileiro come basicamente arroz, feijão e farinha. São alimentos que não podem faltar. O que aconteceu? O preço do feijão extrapolou. Havia uma motivação econômica anterior. No ano anterior, a safra de feijão foi muito boa e os preços caíram lá em baixo. Quando você tem a soja remunerando bem, preços altos, firmes no mercado internacional. Milho com preço alto. São alternativas naturais. Ele não vai plantar feijão se ele tem o risco que o preço caia.

APQ: A Conab tem várias funções. Uma delas é regular preços e também dar incentivos, dar proteção ao produtor. De que forma a Conab faz isso? Como atua? WR: A Conab atua em vários níveis como um importante gerador de informações para a agricultura. Faz previsão de safra, então já se tem uma idéia de quanto vai haver de produção. Você conhecendo o consumo e a demanda internacional, você tem uma idéia de como vai ser o desempenho do produto.

RM: E é aí que o senhor entra com o estoque regulador, comprando ou vendendo?

WR: É verdade. E a Conab também atua com os instrumentos de política agrícola do governo. São instrumentos novos que vieram por um motivo muito interessante. Antigamente o governo dispunha de grandes estoques. Hoje, qualquer armazém, qualquer supermercado de bairro sabe que estoque tem um custo financeiro e logístico muito caro. Ninguém gosta de ter estoque demais. O governo também percebeu isso e começou, ao invés de fazer estoques, ele começou a fazer uma coisa muito diferente e muito interessante. Temos hoje instrumentos novos como o Prêmio Equalizador ao Produtor (Pepro), Prêmio para Escoamento de Produto (Pep), venda a balcão, eventualmente, para ajudar a regular o mercado para o pequeno produtor. Esses estímulos que o governo dá, por exemplo: no café, no ano passado, o governo queria dar uma sustentação ao cafeicultor, que é de grande importância. O Brasil é líder e nós produzimos uma parcela uma enorme da produção mundial, com mais de 40%. O melhor café do mundo é do Brasil. Acontece que nós temos vários tipos de café. O que fez o governo? Resolveu dar um estímulo ao produtor de café bom, para termos um bom resultado de exportação. Criamos um Pepro para o café. Houve um estímulo de R$ 40 por saca exportada para aqueles que comprassem do estoque de que o Brasil dispunha e se dispusesse a exportá-los. Então, ao invés de você fazer um estoque, você dá um dinheiro ao produtor. Milho e soja você dá prêmios equalizadores de logística. Quem produz a soja no Mato Grosso, que é hoje o grande produtor desse grão no País, tem dificuldades logísticas imensas. O preço dele, então, é muito mais barato do que aquele que está perto do Porto de Santos ou de Paranaguá. O governo, para estimular, oferece um prêmio equalizador. O produtor tira do Mato Grosso ou de outros estados para exportar, e eu vou ajudar você a fazer isso compensando e equalizando as soluções dos produtores em todas as partes do País. Ao mesmo tempo, os consumidores de milho no Nordeste, o avicultor, o suinocultor, têm deficiência na compra do milho porque a região não é grande produtora. Temos de levar milho para o consumidor nordestino, que também são as fábricas de ração. A indústria de milho para consumo humano é muito grande, pois o milho é um alimento riquíssimo. Nós precisamos usar mais o milho e deixar de usar tanto o trigo, que temos de importar. De qualquer maneira, nós criamos um prêmio para o consumidor, no caso, buscar no Mato Grosso. Esses instrumentos, que são de economia e finanças agrícolas, substituíram os grandes estoques. Ao invés de você fazer um grande estoque, você garante um prêmio ao produtor que for vender para o Nordeste ou para Santa Catarina, que tem uma avicultura muito forte e que precisa desse tipo de apoio. São instrumentos diferentes. Mudou a concepção do estoque. Eu acho que nós devemos ter um estoque, mas não aquela política agrícola de grandes estoques. É uma política de estimular o produtor a já mandar para o mercado, exportar, desovar o estoque.

RM: A Conab é uma instituição de dimensões gigantescas. Eu queria que o senhor contasse para nós qual é o tamanho, quantos armazéns ela possui, e depois falasse da certificação, o que é isso que o senhor vai fazer?
WR: Nós ainda temos 96 unidades armazenadoras e algumas unidades têm até quatro armazéns, como o de Ponta Grossa, que é o nosso maior, com capacidade estática para 420 mil toneladas. Nós temos, no total, 196 armazéns. Além disso, nós credenciamos armazéns de terceiros, desde que cumpram uma série de requisitos. Isso nos dá uma disponibilidade de armazéns no Brasil todo, com cerca de 2.000 credenciados.

APQ: O fato de ocorrer agora esse envio de grãos imediatamente para as regiões que necessitam fez com que diminuísse o gargalo logístico que existe em termos de armazenagem no Brasil?
WR: De certa forma, sim. O Brasil tem uma grande capacidade estática de armazenagem. O que ocorre aqui é que nós temos armazéns em regiões que às vezes mudaram de vocação, como a região de Ribeirão Preto. Não adianta você ter armazém de grãos lá. Estão todos vazios porque não se produz mais grãos lá, é cana-de-açúcar. Nós temos de cuidar agora é da fronteira agrícola, pois ainda há dificuldade, como em certas regiões novas do Mato Grosso. Na ponta, onde as pessoas estão começando. O governo tem de dar um apoio especial. Mas, na verdade, nós temos uma capacidade equivalente quase à nossa safra. São 123 milhões de toneladas de grãos que nós temos capacidade estática de armazenar e a safra prevista para este ano é de 136 milhões de toneladas de grãos. Soja, é em torno de 59 milhões de toneladas; milho, de 52 a 53 milhões de toneladas. Então, se você quisesse armazenar toda a safra, claro que ainda temos coisas armazenadas das safras anteriores, mas tem espaço. O que precisa é uma dinâmica nova. Não adianta armazenar, porque isso é custo. Além disso, armazenar é perda de qualidade. Nós tínhamos estoque de milho de cinco anos. Vendemos todo o milho e tivemos de dar um deságio para o milho mais antigo porque ele perdeu a qualidade. Então, as coisas estão bem equacionadas. Quando a agricultura vai bem, o próprio fazendeiro quer investir. A nossa grande deficiência é que o produtor não tem armazém na fazenda. No Canadá e nos Estados Unidos há uma grande quantidade de armazéns na fazenda. Isso protege o produtor, pois ele vai vender quando precisar e quando o preço estiver bom. Não quando ele precisa no fim da safra porque ele não tem onde pôr. Ele garante a sua safra com o armazém próprio, espera o preço e no momento certo ele vende. No Brasil nós temos muito pouco, algo em torno de 15% de armazenagem em fazenda.

MR: Isso porque o governo chamou a si essa responsabilidade.
WR: É verdade. Foi um modelo.

MR: O senhor não acha que está na hora de nós profissionalizarmos isso no campo?
WR: Eu não tenho dúvida nenhuma.

MR: O Estado brasileiro poderia direcionar verba para isso. Qual é a verba da Conab hoje?
WR: A Conab teve no ano passado um orçamento global em torno de R$ 6 bilhões. Mas R$ 2,5 bilhões eram para a garantia de preço mínimo (PGPM).

RM: Que é fundamental para equilibrar o preço.
Sim. Mas o ideal seria um seguro agrícola amplo, como existe em outras partes do País. Que existe, mas em uma pequena parcela dos agricultores que têm condição de fazê-lo. Mas, pelo menos o preço mínimo já é garantido. É aí que a concepção do custo de produção causa uma briga entre governo e produtores. Na verdade, o que o governo garante? Ele garante que aquele dinheiro que você investiu diretamente no processo produtivo deste ano, se as coisas forem mal e os preços caírem, ele vai lá e compra, repondo o seu capital, o chamado custo direto, que se relaciona com a produção em si. Não garante, é claro, como garante o seguro o lucro cessante, nem os custos mais gerais que estão lá, mas não são levados em conta.

MR: Não remunera reposição da terra?
WR: Não remunera. Mas há uma mudança de mentalidade. Logo nós vamos ter um avanço nesse campo. O Brasil está tendo uma revolução agrícola, tanto na agricultura empresarial como na agricultura familiar. Isso está gerando uma extraordinária movimentação econômica, incorporação de pessoas ao sistema produtivo.