Com a ação nas mínimas em dois anos e um ambiente de inflação de custos que há muito não se via, a estratégia da BRF está em revisão – outra vez. Após um trimestre difícil no Brasil, com deterioração dos volumes vendidos e um esforço de promoções para ajustar os estoques, a dona da Sadia acaba de anunciar que fará um rápido processo de “simplificação” de suas estruturas.
Num pacote de medidas que deve ser implementado ao longo de maio pelo CEO Lorival Luz, a BRF quer ser uma empresa mais leve – cortando custos operacionais. O ajuste de rota é a mais importante medida tomada pelo novo conselho de administração até o momento. O board liderado por Marcos Molina assumiu em abril e quer recuperar a rentabilidade da companhia.
Para tanto, a BRF sacrificou de vez o resultado do primeiro trimestre, que já não seria fácil diante dos problemas no mercado brasileiro, que responde por mais ou menos 50% do faturamento. A dona da Sadia reportou um prejuízo líquido R$ 1,5 bilhão, um resultado em boa medida afetado pelos efeitos não recorrentes do enxugamento feito na produção de carne de frango para lidar com a piora do consumo doméstico. No trimestre, os efeitos não recorrentes – o que inclui corte de produção nas granjas e promoções para reduzir o estoque –, ultrapassaram R$ 800 milhões.
“Iniciamos um processo relevante de simplificação. É um ciclo de evolução, alinhado com o novo conselho, para tornar essa nova BRF mais dinâmica, simples e ágil”, disse Luz ao Pipeline. O executivo não quis adiantar todas as medidas que serão tomadas ao longo de maio – ele prefere fazer a comunicação interna e a implementação delas primeiro –, mas descartou a possibilidade de venda de ativos. Fábricas e centros de distribuição também seguirão intactos.
Nas entrelinhas, o que se pode esperar é uma redução de custos que inevitavelmente provocará demissões nas áreas administrativas – os times de vendas e chão de fábrica não serão afetados. Eventualmente, alguns escritórios que representam o grupo no exterior poderão ser fechados.
Além disso, o novo conselho de administração da BRF também iniciou um processo de revisão do Visão 2030, a estratégia de longo prazo anunciada pela companhia no fim de 2020 e com a qual o grupo vislumbra triplicar o faturamento, chegando a R$ 100 bilhões. Os resultados dessa revisão estratégica devem alterar as “avenidas de crescimento” estipuladas pela empresa no plano original –pratos prontos, carne suína, internacionalização, pet food e proteínas vegetais.
“A nossa ambição de longo prazo continua, mas como uma empresa cíclica, precisamos fazer adequações ao longo do tempo. Pode ter algumas avenidas que sejam priorizadas e outras que tenham a prioridade reduzida”, disse o CEO da BRF. Para ele, as mudanças se fazem necessárias porque algumas das premissas do Visão 2030 “mudaram completamente”. “Há um cenário novo geopolítico, com inflação. Lá atrás, quem estaria falando em inflação nos EUA?”, diz o executivo.
Ao tomar as medidas rapidamente e deixar todo o impacto dos ajustes de estoques e produção concentrados no primeiro trimestre, o CEO da BRF está convicto de que o pior ficou para trás. Quando compara os dados de janeiro e fevereiro, os meses mais difíceis, Luz já vê uma melhora relevante, com a margem bruta da firma se recompondo em cincos pontos progressivamente.
Em abril, a BRF também aproveitou que os estoques já haviam se ajustado e fez um reajuste de preços relevante no Brasil, o que ajudou a recompor as margens. Somado ao ambiente positivo no mercado de frango internacional – um efeito colateral da guerra na Ucrânia, um dos maiores exportadores de aves –, a BRF acredita que os resultados vão se recuperar ao longo de 2022, deixando o resultado do primeiro trimestre no passado.
“Vamos nos recuperar nos próximos meses e deixar a companhia ajustada para que tenha um 2023 dentro dessa nova configuração de resultado e rentabilidade”, argumentou Luz, indicando o copo meio cheio para o investidor.
No balanço que pretende deixar no passado – assim também esperam os investidores –, a BRF fez um Ebitda de apenas R$ 121 milhões, com margem de 1%, uma queda de 90% comparado ao Ebitda de R$ 1,6 bi do ano passado. No Brasil, o negócio teve um Ebitda negativo de R$ 411 milhões e o volume de vendas caiu 1,7%, na comparação anual. O resultado consolidado trouxe uma receita líquida de R$ 12 bilhões, alta de 13,6%. A margem bruta caiu de 19,8% para 9,2%.
Graças ao follow-on, a estrutura de capital melhorou. Mesmo com a deterioração de cerca de R$ 1 bilhão no Ebitda trimestral, o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) saiu de mais de 3 vezes em dezembro para 2,83 vezes. O prazo médio das dívida é de 8,6 anos.
Questionado sobre a eventual reação negativa dos investidores, que já amargaram uma queda relevante da ação – o papel saiu de R$ 20 no follow-on, em 1º de janeiro, para R$ 13,37 –, o CEO da BRF argumentou que o papel está muito descontado. “Olhando da perspectiva do investidor, o pior está para trás e acho que vai ter oportunidade de melhores resultados para frente. Se é para entrar no papel, a hora é agora”.
Resta saber como o investidor vai reagir. A mudança de rota será o primeiro teste dos executivo da BRF na era Marfrig. De certa forma, o sucesso da empreitada é também uma necessidade da Marfrig, que já aplicou R$ 8 bilhões na dona da Sadia. Nesta quarta-feira, aliás, a Marfrig sofreu bastante no mercado mesmo com a divulgação de um balanço positivo no primeiro trimestre.
Diante de perspectivas piores para o ciclo da gado nos EUA, região que vinha turbinando os resultados nos últimos anos, e sinais de cautela da administração da Marfrig para distribuição de dividendos, o papel da firma de Molina caiu 7,7%, fechando o dia avaliada em R$ 11,6 bilhões. Se a BRF puder ajudar nessa equação, saindo com resultados positivos da simplificação recém-iniciada, a sócia agradece. Hoje, a BRF – na qual a Marfrig tem 33% –, vale apenas R$ 14,8 bilhões.