Episódios de diarreia são extremamente comuns em granjas de suínos, sendo, juntamente com os problemas respiratórios, as condições mais frequentes e impactantes na suinocultura brasileira
Por: Roberto M.C. Guedes¹ – especial para Suinocultura Industrial
Particularmente leitões jovens são susceptíveis aos quadros entéricos, mais frequentes em animais até 5 a 7 dias de idade, mas pode ocorrer até o desmame. Essa condição pode levar ao aumento de mortalidade ou, pelo menos, a uma redução de desempenho e impacto no peso ao desmame. Essas consequências irão depender do agente envolvido, das condições ambientais e de manejo associadas ao processo, e a capacidade de identificação da causa e intervenção rápida para solução do problema.
Dentre os agentes mais frequentemente envolvidos nesses quadros entéricos de leitões jovens estão Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC), Clostridioides difficile, Cystoisospora suis, Rotavirus tipos A, B e C, principalmente; bem como, Clostridium perfringens tipos C e A, Enterococcus sp, Strongylus ransomi, e as coronaviroses, a citar, vírus da Gastroenterite transmissível (TGE), vírus da Diarreia Epidêmica Suína (PED) e Deltacoronavirus. Dessa forma, passamos a discutir brevemente os enteropatógenos acima descritos. Considerando que as coronoviroses são exóticas na suinocultura brasileira e que S. ransomi é extremamente raro, não abordaremos em detalhes essas enfermidades.
Colibacilose em leitões jovens
São causadas pelo patotipo enterotoxigênico e frequentemente por cepas de diferentes virotipos, como por exemplo, F41, F5 e F6 +Sta, que não são beta hemolíticos em ágar sangue, e F4 + Sta, Stb, LT, EAST-1, que normalmente são beta-hemolíticos. Ou seja, cepas patogênicas de E. coli que afetam leitões jovens, particularmente na primeira semana de vida, podem ser ou não beta-hemolíticas. A presença desses virotipos no intestino delgado de leitões é essencial mas não suficiente para desencadear diarreia, sendo necessárias condições predisponentes outras, como imunossupressão induzida por fornecimento insuficiente de colostro/leite, temperatura ambiente baixa, umidade elevada do ambiente e carga bacteriana ambiental alta. Com essas condições instaladas a colibacilose pode induzir diarreia aquosa profusa e rápida desidratação de leitões, induzindo elevação significativa da taxa de mortalidade. Macroscopicamente, alças do intestino delgado estão dilatadas, com conteúdo líquido, por vezes com gases, hiperêmica ou não, dependendo de a cepa ser beta-hemolítica ou não. O diagnóstico se baseia no isolamento e tipificação do virotipo de ETEC e observação de colônias de cocobacilos em íntimo contato com a superfície de células epiteliais intestinais, particularmente na face lateral de vilosidades do íleo. O controle se baseia na diminuição de pressão de infecção ambiental pela adequada limpeza, desinfecção e descanso das instalações, ambiente adequado (seco e aquecido) para os leitões, vacinações de matrizes com o virotipo circulante na granja e adequada colostragem no primeiro dia de vida dos leitões.
Infecções causadas por Clostridioides difficile
Acometem normalmente leitões até o quinto dia de vida, sendo mais frequente em leitões até três dias de idade. Apesar desse agente fazer parte da microbiota intestinal, em condições específicas, ainda pouco definidas em suínos, mas frequentemente associada a quadros de disbiose, ocorre a proliferação exacerbada de cepas toxigênicas desse microrganismo e produção de toxinas A (TcdA) e B (TcdB). Essas toxinas, induzem alterações no equilíbrio homeostático do cólon, induzindo constipação ou diarreia pastosa em leitões acometidos. Normalmente, não está associado ao aumento da taxa de mortalidade, entretanto o ganho de peso e, consequentemente, o peso ao desmame ficam comprometidos. Macroscopicamente, são observados edema moderado a acentuado de cólon espiral, associado ao espessamento da parede intestinal e, em alguns casos, presença de placas fibrinonecróticas sobre a mucosa colônica. As lesões histológicas são bastante específicas, caracterizadas por colite neutrofílica, por vezes formando pseudomembrana fibrinopurulenta sobre a mucosa do cólon, e redução marcante do número de células caliciformes. O diagnóstico definitivo é obtido associando a detecção de toxinas A e B no conteúdo fecal (teste de ELISA de captura) e a presença das lesões histológicas acima descritas. O controle é feito através da retirada de medicação preventiva no primeiro dia de vida, se esse for o caso, e administração de probióticos ou simbióticos orais no primeiro e terceiro dia de vida. Vacina, administradas em matrizes gestantes, foi recentemente disponibilizada comercialmente.
Coccidiose
Causada por Cystoisospora suis, é extremamente frequente na suinocultura mundial, não sendo exclusividade brasileira. Os índices de prevalência dessa enfermidade são crescentes nas últimas décadas, e uma granja positiva para esse agente será sempre positiva, não existindo possibilidade de erradicação. A diarreia observada na coccidiose é frequentemente pastosa a cremosa, sendo somente observada após o quinto dia de vida do leitão. O pico do problema ocorre na terceira semana de idade, sendo leitões de leitegadas acometidas invariavelmente desmamados com diarreia. Em quadro graves com elevado grau de infestação pode ocorrer aumento de mortalidade, mas, via de regra, o impacto é visível sobre o ganho de peso e peso ao desmame. Formas assexuadas e sexuadas do coccidio infectam células epiteliais do intestino delgado, particularmente do íleo, induzindo destruição daquelas no ápice de vilosidades, e consequente achatamento, atrofia e fusão de vilosidades. Essas lesões comprometem a digestão e absorção de nutrientes e, consequentemente, o ganho de peso. O diagnóstico se baseia na detecção de oocistos eliminados nas fezes, detectados através de exame direto ou testes de flutuação, entretanto, como a eliminação de oocistos nas fezes é intermitente e irregular é essencial que seja coletada amostragem suficiente de leitões (pelo menos 10 amostras) com quadro clínico de diarreia e com mais de 5 dias de idade. Além disso, lesões sugestivas e a presença de formas assexuadas e sexuadas podem ser observadas em secções histológicas. O controle é realizado através da redução da pressão de infecção ambiental, com limpeza, desinfecção, ressecamento e descanso do ambiente por pelo menos 48 horas. Apesar do oocisto ser extremamente resistente, ambientes limpos e secos reduzem sobremaneira a viabilidade dos memos. Além disso, a utilização oral de toltrazuril entre o 3º e 4º dias de vida dos leitões auxiliam na redução do problema.
Rotavirose suína
Pode ser causada por diferentes genótipos (espécies) do vírus, que não induzem imunidade cruzada. Em suínos, os genótipos (espécies) A, B, C e H têm sido descritas. Esses vírus têm o genoma constituído por 11 segmentos de RNA fita dupla, que apresentam padrão de bandeamentos eletroforético distinto entre genótipos (espécies). A doença acomete leitões lactentes ou desmamados, sendo caracterizada por diarreia pastosa à líquida, que normalmente não leva o animal a morte, mas impacta no ganho de peso. Estudos de prevalência tem demonstrado o envolvimento de Rotavirus em 10 a 15% dos casos de diarreia neonatal. O vírus infecta células epiteliais diferenciadas do ápice de vilosidades, levando à vacuolização, arredondamento, morte e desprendimento das mesmas, provocando o desnudamento epitelial dessa região e consequente achatamento, fusão e atrofia de vilosidades. O diagnóstico se baseia na observações de lesões histológicas compatíveis com a doença, associada a detecção do agente, particularmente, pela técnica de RT-PCR. As vacinas comerciais disponíveis, administradas em matrizes gestantes, protegem contra infecções homólogas pelo genótipo (espécie) tipo A. Infecções por outros genótipos (espécies) de Rotavirus são um desafio, já que não existe proteção cruzada, restando muitas vezes somente a opção de utilização de feedback com material fecal e intestinal de leitões doentes para fêmeas no final da gestação.
Clostridium perfringens tipo C
É um agente ubíquo e colonizador precoce do trato gastrointestinal de leitões neonatos. Propiciado pela inibição da tripsina presente no colostro, a toxina beta, produzida por esse microrganismo, consegue chegar ativa ao intestino delgado e causar lesões necrohemorrágicas transmurais segmentares, diarreia hemorrágica e óbito em leitões não imunizados. Vacinas comerciais toxoides, aplicadas em matrizes gestante, induzem proteção sólida contra a doença, sendo a principal forma de controle dessa doença. C. perfringens tipo A são comensais do trato intestinal de leitões, mas existem cepas patogênica responsáveis por diarreia leves em leitões lactentes, que normalmente somente impactam o ganho de peso. A patofisiologia do quadro diarreico induzido por esse agente não é bem conhecida, bem como é difícil a identificação e diagnóstico definitivo de quadro causadas por esse agente, devido a inexistência de marcadores de patogenicidade de cepas virulentas.
Enterococcus sp
Frequentemente E. hirae, E. villorum e E. durans, têm sido descritos esporadicamente associados a quadros de diarreia neonatal em granjas de suínos. Lesões macroscópicas não são evidentes, mas há desidratação leve induzida pela diarreia. Histologicamente, é possível observar miríade de colônias bacterianas cocoides aderidas à superfície de células epiteliais do intestino delgado, induzindo morte e descamação dessas células do ápice de vilosidades, resultando em erosões e atrofia das mesmas, com consequente má absorção. O diagnóstico é realizado através da visualização de lesões histológicas e isolamento do agente. Avaliações de sensibilidade antimicrobiana têm demonstrado susceptibilidade antimicrobiana à amoxicilina, ampicilina, doxiciclina, eritromicina e florfenicol.
O controle e prevenção de diarreia neonatal devem ser holísticas, considerando principalmente limpeza, desinfecção e descanso das instalações entre lotes de matrizes na maternidade, vacinação de fêmeas gestantes com as cepas circulantes na granja, colostragem adequada de leitões nas primeiras 24 horas de vida e ambiência.
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Roberto M.C. Guedes possui mestrado em Medicina Veterinária / Patologia Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em Veterinary PathoBiology / Track of Infectious Diseases – University of Minnesota. Pós-doutorado no laboratório de enteropatia proliferativa na University of Minnesota. Professor visitante na Danish Technical University, em Copenhagen. Atualmente é professor titular da UFMG.