A morte de Richard Slayman, de 62 anos, dois meses após receber um transplante de rim de porco, levantou dúvidas sobre a durabilidade dos xenotransplantes. Ele havia recebido um rim humano em 2018, mas o órgão falhou no ano passado, necessitando de diálise.
Os xenotransplantes, transplantes entre espécies diferentes, são estudados globalmente. Slayman foi a primeira pessoa viva a receber um xenotransplante de rim. Mayane Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP, afirma que o fato de Slayman ter sobrevivido por dois meses é um avanço significativo.
Comparando com o primeiro transplante de coração humano, onde o paciente Louis Washkansky morreu 18 dias após a cirurgia, Zatz destaca os progressos nos xenotransplantes. A família de Slayman agradeceu a equipe médica por prolongar sua vida. Zatz explica que a FDA só permite xenotransplantes em pacientes gravemente debilitados, como era o caso de Slayman.
Ernesto Goulart, professor da USP e colega de Zatz, explica que os animais utilizados nos xenotransplantes são clonados com técnicas semelhantes às usadas na ovelha Dolly. O DNA de células adultas é editado para minimizar a rejeição e transferido para óvulos sem núcleo, implantados em fêmeas que atuam como “barrigas de aluguel”. A clonagem de suínos é complexa e burocraticamente mais desafiadora que a de bovinos.
Por que Porcos?
Zatz e Goulart destacam que os porcos são preferidos para xenotransplantes devido à gestação rápida e à produção de vários filhotes. Experimentos com primatas falharam devido à falta de conhecimento imunológico e à complexidade ética e logística.
Goulart menciona que, embora a xenotransplantação não esteja comercialmente disponível, a técnica evoluiu com o avanço tecnológico. A USP inaugurou a primeira “pig facility” do Brasil, uma fazenda estéril para criar porcos geneticamente modificados. A Unidade, parte do projeto Xeno BR, foi idealizada pelo professor Silvano Raia.
Alta Demanda por Transplantes
Zatz aponta a alta demanda por transplantes, intensificada pelo envelhecimento populacional, como motivo para avançar nos xenotransplantes. Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 65 mil pessoas aguardam transplantes no Brasil, 39 mil delas por um rim. Dayani Galato, da Universidade de Brasília, destaca a necessidade de órgãos devido ao aumento de doenças crônicas.
Galato apoia os avanços na xenotransplantação, mas ressalta a necessidade de mais pesquisas para evitar rejeições e o uso contínuo de imunossupressores, que podem causar outras doenças.
Outros Casos
David Bennett, primeiro paciente a receber um coração de porco, morreu de insuficiência cardíaca dois meses após o procedimento. Lawrence Faucette, segundo paciente a receber um coração de porco geneticamente modificado, sobreviveu seis semanas após a cirurgia.
Goulart conclui que, embora o xenotransplante seja um sonho antigo da medicina, os avanços tecnológicos atuais permitem progresso significativo nas pesquisas e experimentos.