Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em Pirassununga, pesquisa comprova que o funcionamento dos genes envolvidos com a gestação de fêmeas suínas é influenciado por fatores ambientais como quadros inflamatórios provocados por infecções e deficiências no sistema de alojamento. Ao analisar os pesquisadores apontam que os mecanismos genéticos que regulam o corpo lúteo, podem ser a causa de muitos dos problemas reprodutivos, como mortes no nascimento ou má formação dos filhotes. O estudo indica também que a melhoria das condições ambientais em que se dá a gestação reflete na resposta reprodutiva.
De acordo com o pesquisador Arthur Nery da Silva, que realizou o trabalho, os resultados do estudo têm implicações relevantes para o bem-estar animal, manejo, saúde e tomada de decisões em granjas de suínos. “Nossos dados são importantes, especialmente neste momento em que a suinocultura intensiva brasileira está abandonando o uso de celas de gestação para adotar o sistema de baias coletivas, que oferece melhores condições de bem-estar animal”, diz ele ao Jornal da USP. “Nós estamos demonstrando que, mesmo que a transição do sistema de celas para baias coletivas seja custosa e ofereça desafios em um primeiro momento, as vantagens são mensuráveis.”
O corpo lúteo é uma glândula transitória localizada no ovário. “A longevidade do corpo lúteo é dependente da gravidez ou não da fêmea”, diz Silva. “Ou seja, se a fêmea for inseminada ou coberta por um macho suíno, e houver um número de embriões suficientes para que ocorra a sinalização da gestação, o corpo lúteo permanecerá ativo no ovário, desempenhando importantes e vitais funções para a implantação e garantia da gestação.”
A principal função do corpo lúteo é produzir e secretar progesterona. “Este hormônio desempenha um papel essencial no endométrio, a camada interna do tecido uterino. A progesterona ajuda a engrossar e tornar esponjoso o tecido uterino interno, o que permite a implantação dos embriões”, relata o pesquisador. “Além disso, o corpo lúteo também desempenha uma função importantíssima na regulação de hormônios reprodutivos produzidos no cérebro, o que também é imprescindível para uma gestação de sucesso.”
“É consenso entre pesquisadores da área da reprodução que o desempenho inadequado do corpo lúteo é uma das principais causas de subfertilidade e perdas embrionárias em espécies de animais domésticos e humanos”, relata Silva. “Nosso objetivo foi compreender se fatores externos, como uma reação inflamatória sistêmica ou o sistema de alojamento das fêmeas, seriam capazes de influenciar a expressão de genes relacionados à produção de progesterona, angiogênese, que é a formação de novos vasos sanguíneos, inflamação e apoptose, a morte programada das células que formam o tecido luteal, e resposta ao estresse no corpo lúteo de fêmeas suínas.”
“Apesar dos nossos dados referentes ao sistema de alojamento ainda precisarem de mais estudos para serem totalmente elucidados, nós podemos corroborar a ideia de que, quanto melhores forem as condições ambientais ofertadas para os animais, melhores serão as respostas reprodutivas obtidas”, aponta Silva. “Além disso, a caracterização dos mecanismos moleculares elucida que, talvez, muitos dos problemas reprodutivos observados por suinocultores sejam causados por quadros inflamatórios sistêmicos ou pelas condições em que os animais estão sendo alojados.”
Desafio inflamatório
No trabalho, a técnica de reação de cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) foi usada para estudar genes com funções biológicas relacionadas à síntese de progesterona (STAR, CYP11A, HSD3B1, LHCGR e PGR), angiogênese (VEGF, FLT1 e KDR), regulação da inflamação e morte celular (IL1B, TNF e IFNG) e resposta ao estresse (HSD11B2, NR3C1 e NR3C2) no corpo lúteo. “A escolha do método e dos genes eleitos para serem avaliados é justificável porque nós somos capazes de verificar, no nível molecular, se aspectos fisiológicos e do desenvolvimento do corpo lúteo podem estar sendo influenciados por estímulos ambientais”, observa o pesquisador. Entre esses estímulos, estão o tipo de alojamento (no estudo, foram comparados animais que ficaram em celas de gestação, baias coletivas e criadas ao ar livre) e os desafios inflamatórios sistêmicos, ou seja, infecções a que as fêmeas suínas podem estar sujeitas durante o período de gestação.
O tecido utilizado para análise de RT-PCR foram fragmentos de corpos lúteos. “Os corpos lúteos são glândulas transitórias do ovário que aparecem logo após a ovulação e desaparecem após 12 a 15 dias, caso a fêmea suína não esteja gestando”, explica Silva. “Para induzir sintomas inflamatórios agudos em 18 leitoas do nosso experimento foi usado o lipopolissacarídeo (LPS), molécula conhecida por levar à quebra do equilíbrio imunológico e prejudicar o bem-estar das fêmeas suínas. Além disso, o LPS também simula um dos maiores desafios médicos para as fêmeas, que é a infecção do trato urinário por bactérias.”
Célula do corpo lúteo presente no ovário de fêmeas suínas durante a gestação, com indicação dos genes relacionados a síntese de progesterona, angiogênese, regulação da inflamação e morte celular, além da resposta ao estresse – Imagem: Reprodução/Cedida pelo pesquisador
Por meio das análises em laboratório do material genético coletado dos animais, a pesquisa descobriu que os genes VEGF e FTL1, envolvidos com a formação de novos vasos sanguíneos no corpo lúteo, estavam significativamente menos expressos no grupo que sofreu o desafio inflamatório sistêmico. “Além disso, surpreendentemente, nós observamos que o grupo que experimentou o desafio inflamatório sistêmico, apresentou aumento na expressão do gene HSD3B1, que faz parte da cascata para síntese do hormônio progesterona”, afirma Silva. “Nossa hipótese é que o aumento, na verdade, é um mecanismo compensatório, pois não há uma quantidade razoável de vasos sanguíneos para transportar para fora do tecido do corpo lúteo os hormônios produzidos.”
Em relação ao sistema de alojamento das fêmeas, o trabalho aponta que o gene LHCGR foi positivamente regulado entre os animais alojados no sistema de celas, em comparação com animais nos sistemas de baias coletivas ou ao ar livre. “Além disso, nós observamos que os animais alojados no sistema ao ar livre e em baias coletivas apresentaram diferenças significativas na expressão do gene STAR, mas não entre os animais alojados em celas de gestação”, acrescenta o pesquisador.
O estudo demonstra que tanto o desafio inflamatório sistêmico como o sistema de alojamento são fatores ambientais capazes de influenciar a expressão gênica no corpo lúteo de fêmeas suínas. “Apesar dos nossos dados referentes ao sistema de alojamento ainda precisarem de mais estudos para serem totalmente elucidados, nós podemos corroborar a ideia de que quanto melhor forem as condições ambientais ofertadas para os animais, melhores serão as respostas reprodutivas obtidas”, aponta Silva. “Além disso, a caracterização dos mecanismos moleculares elucida que, talvez, muitos dos problemas reprodutivos observados por suinocultores sejam causados por quadros inflamatórios sistêmicos ou pelas condições em que os animais estão sendo alojados.”
O projeto foi conduzido pelo estudante de mestrado Arthur Nery da Silva, com a orientação do professor Adroaldo José Zanella, ambos do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ. A equipe multidisciplinar envolveu os pesquisadores Luana Alves, Germana Vizzotto Osowski, Leandro Sabei, Priscila Assis Ferraz, Guilherme Pugliesi, da FMVZ; Ricardo Zanella, da Universidade de Passo Fundo (UPF), e Mariana Groke Marques, da Embrapa Suínos e Aves. Silva recebeu bolsa do Programa de Excelência Acadêmica (Proex/Capes), vinculada ao programa em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses da FMVZ. O estudo foi financiado pelo projeto A contribuição do macho para o desenvolvimento de fenótipos robustos e o papel mitigador do bem-estar das fêmeas suínas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) , coordenado pelo professor Zanella.
Texto: Júlio Bernardes / Arte: Rebeca Fonseca