O tema mais importante dos próximos anos — de agora até 2050 — na indústria do aço no Brasil, e mundial, será a descarbonização. Ou seja, o corte das emissões de dióxido de carbono (CO2). É o que prevê Sérgio Leite de Andrade, ex-presidente-executivo da Usiminas e desde maio presidente do conselho de administração da empresa.
A avaliação do executivo foi corroborada por outros presidentes executivos de siderúrgicas do país durante debate ocorrido em São Paulo na semana passada sobre o futuro do setor.
A siderurgia é, mundialmente, o setor industrial com maior índice de emissão de CO2 na atmosfera, representando entre 7% e 9%, percentual admitido pela World Steel Association.
A seguir vêm outras indústrias pesadas: cimento, química, de plásticos, papel e alumínio. Esse grupo, o G-6 industrial, é responsável por dois terços das emissões globais da indústria, conforme entidades internacionais.
A siderurgia é um mastodonte que produz quase 2 bilhões de toneladas de aço bruto por ano gerados em altos-fornos e fornos elétricos à base de sucata. Movimenta mais de US$ 2,5 trilhões em vendas, segundo a WSA.
A grande fonte de geração de gás do efeito estufa está nas usinas de aço integradas. Elas operam com altos-fornos e têm o carvão metalúrgico como insumo essencial para se obter o derretimento do minério de ferro e transformá-lo em aço. Globalmente, a produção por essa rota tecnológica responde por 71% do volume total fabricado.
A rota com conversão de sucata ferrosa, a mais de 1000 °C em fornos elétricos, cuja emissão de CO2 é muitas vezes inferior à dos tradicionais altos-fornos, representa 29% do aço.
Essa rota cresce lentamente, pois depende muito da geração industrial de sucata e da obsolescência de produtos. Há ainda limitações de qualidade para algumas aplicações mais nobres, que requerem o aço oriundo diretamente do minério. Fabricação de automóveis, por exemplo.
No Brasil, a rota integrada respondeu em 2021 por 75,5% do volume de aço bruto, que somou 36,1 milhões de toneladas, conforme dados do Instituto Aço Brasil. A produção via fornos elétricos a arco, os EAF (com gusa e sucata) e forno com injeção de oxigênio (EOF) ficou com 24,5%.
Isso significa que há um grande desafio local para inverter a curva, dentro das metas traçadas de cortes na emissão de CO2 para 2030, bem como para o chamado carbono neutro, até 2050.
O ponto crucial são as usinas que utilizam carvão metalúrgico. E todos os grandes grupos no país têm produção, maior ou menor, por essa rota — ArcelorMittal (em Serra-ES), Gerdau (Ouro Branco-MG), CSN (Volta Redonda-RJ), Usiminas (Ipatinga-MG), Ternium (Rio de Janeiro-RJ) e Cia. Siderúrgica do Pecém, no Ceará.
As que utilizam sucata ferrosa, ou integrada com carvão vegetal como redutor nos altos-fornos, apresentam geração de dióxido de carbono bem inferior.
Em ambos os processos as empresas vêm investindo em energias renováveis (eólica, solar), recuperação de gases dos processos produtivos para gerar energia própria. O gás natural seria também uma grande alternativa não estivesse tão caro no país — US$ 28 por MBTU (milhão de BTU).
Custos com novas tecnologias vão encarecer o aço
“A descarbonização vai requerer investimentos pesados da parte das siderúrgicas e, por isso, vai precisar de financiamentos incentivados”, afirmou Leite, da Usiminas. O chairman da empresa informou que a siderúrgica e uma de suas controladoras, a Ternium, estão trabalhando nesse tema, buscando tecnologias.
Em 2016, afirmou, a Usiminas paralisou as unidades primárias de produção (alto-forno, sinterização, coqueria) em Cubatão-SP, a antiga Cosipa. O plano da empresa é voltar a produzir aço no site novamente, onde, desde então, somente lamina material (placas) comprado de terceiros.
A questão, declarou o executivo, é em que rota tecnológica se dará essa volta: à base de sucata, com forno elétrico, ou de redução direta do minério (com gás natural ou hidrogênio verde), ou outras tecnologias. Isso está em estudos iniciais, tanto de expansão como de busca do carbono neutro.
Gustavo Werneck, CEO do grupo Gerdau, ressaltou que a descarbonização vai ter um custo extra de US$ 40 por tonelada em 30 anos [referindo-se ao aço longo]. Segundo ele, isso vai trazer um custo anual de R$ 7 bilhões para atingir o carbono neutro [meta definida para o ano de 2050]. “Os balanços das empresas não terão condições de pagar essa conta”, afirmou o executivo.
Tecnologias disruptivas para cortar a emissão do CO2 na produção exigem altos investimentos da parte das empresas, que estão numa corrida de busca de tecnologia de ponta. Certamente, vão repassar grande parte dos custos, via preços, aos consumidores de produtos siderúrgicos.
A Gerdau, destacou o executivo, em fevereiro deste ano redefiniu sua meta de redução de emissões de dióxido de carbono nas usinas brasileiras, e do exterior. O objetivo é alcançar 0,83 tonelada de CO2 por tonelada de aço fabricada até 2031, ante 0,90 tonelada no ano passado. Com isso, sua pegada de carbono ficará abaixo da metade da média global, de 1,89 toneladas de CO2.
Mais de 70% do volume de aço que fabrica é feito com sucata ferrosa. O grupo tem também usinas integradas (Brasil e Peru). A empresa diz ainda ser a “maior produtora de carvão vegetal para produção de aço no mundo”, com 250 mil hectares de florestas plantadas em Minas Gerais que abastecem altos-fornos a carvão vegetal no Estado.
Werneck observa que a indústria do aço brasileira responde por 4% do total emitido pelo país — 5,2 bilhões de toneladas de CO2. “O Brasil representa 10% das 50 bilhões de toneladas geradas no mundo e o setor participa com 0,15% dessa pizza global”.
Corrida mundial para limpar a siderurgia do CO2
Jefferson De Paula, presidente da ArcelorMittal Brasil — maior produtora de aço no país — e CEO de Aços Longos e Mineração na América Latina, disse que o grupo tem 35 centros de pesquisa trabalhando sobre o tema, com 1300 engenheiros. Todos envolvidos na missão de buscar soluções em descarbonização.
“Temos uma meta de redução de 25% das emissões de CO2 até 2030”, informou o executivo. Segundo De Paula, até o final desta década a ArcelorMittal prevê investir US$ 10 bilhões.
O grupo, na Europa (Espanha, Bélgica e França) e no Canadá, já tem vários projetos de produção de aço com algumas tecnologias para descarbonização, como a que utiliza hidrogênio verde.
As operações no Brasil, principalmente as com rota integrada (usina de Tubarão, em Serra-ES), vão seguir o mesmo caminho.
Outra parte do aço que produz no país, composta pelos chamados aços longos, é obtida à base de sucata ferrosa, em fornos elétricos. Em algumas operações a empresa já utiliza carvão vegetal como redutor energético.
Reportagens do jornal inglês Financial Times mostraram, ao longo de 2021 e deste ano, que há, principalmente na Europa, uma corrida para limpar a indústria do aço, em termos de emissão de dióxido de carbono.
É na Europa que estão sendo testadas as mais avançadas tecnologias para descarbonização na siderurgia, até por força dos controles rígidos dos governos da região para atender metas climáticas do Acordo de Paris.
O Brasil tem um grande desafio à frente, com a vantagem de dispor de fontes de energias renováveis e de projetos de instalação de hidrogênio verde. A missão é substituir o carvão metalúrgico, taxado como o grande vilão das emissões do gás de efeito estufa.