A possibilidade de divisão do acordo União Europeia-Mercosul em 2023, para a parte comercial poder entrar provisoriamente em vigor, prospera em discussões na Europa, impulsionada pela estratégia de reduzir a dependência em relação à Rússia e China.
Em vez de submeter o acordo ao demorado processo de ratificação de dezenas de parlamentos nacionais e regionais, a Comissão Europeia poderá fazer o “splitting” de diferentes partes – comercial, cooperação e questões políticas e de segurança -, e buscar implementar logo os compromissos de liberalização comercial entre os dois blocos. Mas a oposição será forte a essa opção considerada pragmática. Sem mencionar o novo contexto geopolítico de guerra na Ucrânia, 209 organizações da sociedade civil da Europa e América Latina apelaram na semana passada aos governos e autoridades na UE para se opor a “pressões” da Comissão Europeia para dividir o acordo, que rotulam de “uma tomada de poder antidemocrática”.
Para as ONGs, essa divisão visa unicamente contornar a oposição atual dos parlamentos da Áustria, Holanda e de algumas regiões, como na Bélgica, ao acordo com o Mercosul por causa de preocupações com o desmatamento da Amazônia. Em reação às ONGs, a porta-voz de comércio da UE, Miriam Ferrer, disse ao Valor: “Conforme os Tratados da UE, a política comercial da UE é de competência exclusiva da UE, ou seja, um acordo comercial não precisa ser ratificado pelos parlamentos nacionais. As instituições da UE fazem leis sobre questões comerciais e negociam e concluem acordos comerciais internacionais. A Comissão Europeia negocia com base em um mandato do Conselho da UE e propõe o resultado das negociações ao Conselho e ao Parlamento Europeu para adoção e conclusão. Esse processo garante o envolvimento dos Estados membros através do Conselho e do Parlamento Europeu como órgão democraticamente eleito pelos cidadãos da UE”.
Ela acrescentou: “Ao longo do processo de negociação de um acordo comercial, a Comissão Europeia realiza reuniões regulares com a sociedade civil e publica os textos propostos dos acordos, relatórios sobre cada rodada de negociação, avaliações de impacto e outros documentos. A Comissão também trabalha de perto com o comitê de política comercial do Conselho e mantém o Parlamento Europeu plenamente informado”.
Ou seja, a mensagem é de que todo mundo tem sido ouvido, e que a hora é de decidir implementar um tratado que ajudará empresas europeias a se recuperarem de múltiplas crises provocadas pela pandemia de covid, guerra na Ucrânia, além da crescente concorrência da China.
Segundo fonte da Comissão Europeia, a decisão sobre a base jurídica para eventual divisão do acordo será tomada após avaliação legal que leve em conta o conteúdo do tratado – o que deveria incluir ainda compromisso adicional do Mercosul na área ambiental.
Em todo o caso, a Alemanha, principal motor da Europa, demonstra ter pressa por diversificação, e que isso passa pela implementação mais rápida dos acordos comerciais. “É uma ideia bastante complicada que a UE tem competência para fazer acordos de livre comércio e depois todos os parlamentos nacionais e às vezes parlamentos regionais têm que concordar que um acordo venha a existir”, observou o chanceler Olaf Scholz num discurso para a industria alemã.
“Precisamos repensar sobre como a UE pode fazer seus acordos de livre comércio sem realmente depender muito do que todos os 27 Estados membros dizem sobre isso”. Na sexta-feira, em reuniões separadas em Bruxelas, os ministros de Comércio e de Relações exteriores dos 27 Estados membros abordaram acordos em fase de negociação entre UE e vários países, incluindo Chile, México e Mercosul. A conclusão oficial foi de que as conversas “vão continuar nos próximos meses”.
Para a secretária de Comércio da Espanha, Xiana Méndez, o momento é de dar “um impulso definitivo” tanto aos acordos da União Europeia com Chile e México, mas também com o Mercosul, para ajudar na diversificação e melhor funcionamento de cadeias de abastecimento que a Europa necessita. Sua expectativa é de que ocorram avanços até o começo do ano que vem, para que um impulso para entrada em vigor do acordo com o Mercosul possa ocorrer na presidência rotativa da Espanha na UE no segundo semestre.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, lembrou a seus colegas em Bruxelas que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, em passagem por Lisboa, “sublinhou o seu grande empenho em finalmente chegarmos a um acordo entre a União Europeia e o Mercosul e que isso representa para nós um estímulo muito importante para que a União Europeia volte à mesa das negociações muito rapidamente com aquilo que falta”.
O governo de Emmanuel Macron, na França, sinaliza que a eleição de Lula abre novas perspectivas, mas que a posição francesa não tem a ver com quem está à frente do governo e sim com o conteúdo do acordo – ou seja, será essencial o documento adicional que a UE quer negociar com o Mercosul sobre compromissos de luta contra a mudança climática e desmatamento e pela proteção da biodiversidade. O embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ibáñez, em debate num webinar do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), observou que o documento adicional na verdade “é para colocar numa linguagem mais clara” os instrumentos na área ambiental.
Enquanto Lula já falou em necessidade de “melhora dos termos do acordo Mercosul-EU”, o embaixador europeu disse que a União Europeia está pronta a tratar de “detalhes” que precisarem ser mudados, mas sem reabrir a negociação concluída em 28 de julho de 2019.
A União Europeia sobretudo tem pressa.
“O próximo ano, 2023, para nós será realmente decisivo, se não pudermos fazer isso [aprovação do acordo], outros virão, outros o farão”, disse o embaixador da UE.