A imagem de um javali identificada no interior de uma caverna na ilha indonésia de Sulawesi é a arte mais antiga encontrada até agora, datada com 45.500 anos. A descoberta foi anunciada em artigo recém-publicado na revista Science, a partir de um estudo desenvolvido por um grupo de pesquisadores australianos.
Na pintura, o javali, da espécie Sus celebensis, parece observar dois outros animais brigando a certa distância; pintados em tamanho menor e incompletos pela ação do tempo. Se confirmada esta interpretação do contexto, mostraria a composição de cena narrativa e não tão somente o desenho rupestre de um suídeo.
O estudo de antropologia traz uma série de novos aspectos em relação à evolução do Homo sapiens. A ideia aceita até então era a de que a tradição de arte rupestre teria surgido na Europa durante a Era do Gelo. Mas, descobertas recentes, e principalmente esta, indicam que ela teria aparecido muito antes, em localidades da Ásia e África. Além disto, comprova a presença de humanos anatomicamente modernos na ilha de Celebes (atual Sulawesi).
Esta pintura rupestre de um javali é mais um registro histórico de uma relação existente entre suídeos e humanos – muito mais antiga do que se podia imaginar -, a qual trouxe (e ainda traz) benefícios ao processo evolutivo da humanidade. Os suídeos, por exemplo, foram a segunda espécie a ser domesticada pelo homem, tendo a frente apenas os lobos. Por muito tempo se imaginou serem ovelhas e cabras as ocupantes desta posição. Mas, estudos científicos desde os anos 1990 tem apontado algo bem diferente.
ESCAVAÇÕES NOS PRIMEIROS ASSENTAMENTOS HUMANOS
Os porcos foram essenciais para o estabelecimento dos primeiros assentamentos humanos pré-agrícolas, sendo fonte primordial de reserva alimentar para estes grupos. No início dos anos 1990, arqueólogos encontraram um grande número de ossos de suídeos durante escavações em ruínas de uma vila no sudeste da Turquia, onde alguns dos primeiros grupos humanos começaram a formar assentamentos fixos há cerca de 10 mil anos.
A descoberta causou surpresa, pois esperava-se encontrar no local sobras de trigo e cevada silvestres; e possivelmente ossos de cabras e ovelhas em estágio inicial de domesticação, pois, até então, se imaginava serem estes os primeiros animais domesticados como reserva alimentar humana. Além da quantidade enorme de partes de ossos de suídeos, os molares menores apontavam para um processo evolutivo de domesticação em andamento. Análises de radiocarbono dataram os ossos com algo entre 10 mil e 10.400 anos.
Os resultados indicaram que possivelmente o início da domesticação dos suídeos ocorreu cerca de dois mil anos antes do que se pensava; e cerca de mil anos antes das primeiras domas e pastoreio de ovelhas e cabras. Num período até muito próximo da domesticação dos lobos, mas cuja função não era a alimentar.
O sítio arqueológico de Hallan Cemi, na Turquia, embora uma pequena vila (o que não pode ser considerado um padrão para todas as localidades), apontou importantes pistas sobre o processo de transição de uma vida errante de caçador-coletor para outra mais sedentária.
Com a fixação em um local, a região para caça e coleta de nozes e outros alimentos fica mais restrita. E o suíno oferecia uma segurança alimentar muito maior do que cabras e ovelhas, pois sua capacidade de transformar energia em carne é bem superior ao destas outras espécies, além disto, podiam circular pela comunidade, sob o cuidado de todos, se alimentado dos grãos silvestres. Possivelmente, só quando se deu o início do cultivo planejado de trigo e cevada, é que os suínos foram sendo substituídos pelo pastoreio de ovelhas e cabras, pois neste caso representavam um “risco” menor de avançar sobre as lavouras em busca de alimento.
FUNDAMENTAIS À MEDICINA HUMANA
Seria possível enumerar uma série de contribuições dos suínos nas mais diversas áreas de atividades humanas. Na medicina, por exemplo, eles são um importante modelo de estudos. A similaridade anatômica de órgãos como fígado, rim e coração entre humanos e suínos possibilita o avanço em pesquisas relacionadas a transplantes. Além disto, trabalhos científicos podem viabilizar no futuro o chamado xenotransplante, com pessoas recebendo órgãos transplantados de suínos sem a rejeição do organismo. Há muitos estudos, inclusive desenvolvidos no Brasil, relacionados a isto.
Recentemente, uma equipe multidisciplinar da Escola Politécnica da USP desenvolveu um ventilador pulmonar emergencial, de baixo custo e tecnologia nacional, visando enfrentar o colapso no sistema de saúde pública causado pela pandemia do SARS-CoV-2. Inclusive, este equipamento foi enviado nos últimos dias para Manaus visando ampliar a disponibilidade de respiradores em UTI dentro do sistema de saúde manauara. Um ponto interessante é a multidisciplinariedade deste projeto, envolvendo pesquisadores de diversas faculdades da USP, além do fato de que sua eficácia foi validada por uma equipe da FMVZ-USP, tendo o suíno como modelo experimental.
Outro exemplo é o do CECSBE, do VPS FMVZ-USP, que desenvolve estudos ligados à saúde e bem-estar animal, coordenado pelo pesquisador Adroaldo Zanella, o qual tem trabalhado com uma série de pesquisas em epigenética com suínos. O foco é compreender como situações ambientais e de estresse vividas por machos ou matrizes suínas podem ser transmitidas a sua prole. A pesquisa já foi tema de matéria na revista Suinocultura Industrial.
Um ponto relevante, é o que os avanços nestes estudos epigenéticos têm demonstrado ser o suíno um modelo experimental com condições mais adequados para trabalhos científicos relacionados ao tema, mas voltado aos seres humanos. Hoje, normalmente se utilizam de roedores como modelo nestes estudos.
Os suínos são animais altamente cognitivos, empáticos e inteligentes. Como já ouvi mais de uma vez do professor Adroaldo Zanella, um dos maiores especialistas mundiais na área de bem-estar animal. “A humanidade tem uma dívida histórica muito grande com os suínos; é preciso dar a eles o devido reconhecimento sobre o seu papel no desenvolvimento da humanidade”.