Desde 2002 desenvolvendo tecnologias para conversão de biomassa e outros resíduos, a Bioware, empresa sediada em Campinas, se prepara para ganhar novos mercados.
A tecnologia desenvolvida pela Bioware possibilita, por exemplo, que as companhias abasteçam seus fornos com combustíveis renováveis a partir da pirólise – processo de degradação térmica na ausência de oxigênio – de matérias-primas como o eucalipto ou lixo urbano. “Mas é preciso convencê-las, principalmente, que a troca resultará em ganhos econômicos comprovados”, explica Juan Perez, sócio da empresa.
Inicialmente, a Bioware vendia serviços de pesquisa voltados ao desenvolvimento de novos produtos a partir da pirólise rápida da biomassa ou de soluções para demandas específicas, como a pirólise de plásticos e de lixo. Posteriormente, passou a fabricar unidades-piloto e equipamentos para avaliação de processos térmicos e sistemas de termoconversão em escala laboratorial para universidades, institutos e empresas. Na terceira fase, o modelo de negócio foi direcionado para o atendimento ao consumidor final dos produtos das tecnologias Bioware. Para tanto, é necessário investimento para a realização de testes industriais, com o objetivo de mostrar e comprovar os resultados técnicos, econômicos e ambientais.
“O uso da tecnologia da Bioware ao longo do tempo permite uma redução de custos da ordem de 20%, em comparação com os gastos com combustíveis fósseis”, garante Perez.
A tecnologia desenvolvida pela Bioware pode atender também a empresas coletoras de lixo no gerenciamento de seus resíduos dentro do conceito de logística reversa. Os resíduos podem ser tratados termicamente para esterilização e posterior transformação em combustíveis e insumos.
Além do resíduo sólido em si e da própria biomassa, as máquinas da Bioware também podem ser alimentadas por vários tipos de plástico ou farinha de osso – um adubo orgânico – como matéria-prima para o processo químico.
As tecnologias podem ser divididas, basicamente, em três grupos, considerando o tipo principal de produto que entregam. A Biomassa Padronizada Líquida (BPL) atende o mercado consumidor de óleo BPF – óleo combustível derivado de petróleo, de baixo ponto de fluidez – ou BPF 1ª – diesel e gás natural – em aplicações em fornos industriais. Outro produto é o Carvão de Alta Performance (CAP), utilizado no mercado de siderurgia. O terceiro produto, o Ácido Orgânico Biodegradável (BOA), é uma opção para as indústrias que produzem inseticidas, repelentes e herbicidas em substituição ao glifosato.
Cada resíduo produz um grupo de novos compostos com aplicações variadas. “A Bioware é especialista na criação de novas cadeias produtivas para os produtos de transformação com potencial valor de mercado”, sublinha Perez.
Alternativas renováveis
Atualmente, o objetivo do grupo, segundo Perez, é crescer em escala para ajudar os clientes a incorporar alternativas renováveis em suas rotinas, principalmente em setores da economia que utilizam combustíveis e insumos químicos em suas plantas, caso da siderurgia.
Desde a sua criação, há 18 anos, a empresa conta com o apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. No primeiro projeto, aprovado em 2002, a Bioware desenvolveu tecnologia para a obtenção de bio-óleo – um combustível renovável para geração de energia, em substituição ao diesel e ao óleo combustível – por meio de pirólise rápida de resíduos agrícolas para produção de combustível e materiais como asfalto, impermeabilizantes e fibra de carbono.
No segundo projeto PIPE, aprovado em 2004, a empresa criou um sistema de produção de briquetes (blocos) torrificados e, no terceiro projeto, aprovado em 2009, a tecnologia foi aperfeiçoada para utilização de biomassa.
Em 2019, a empresa foi incorporada pela Biogeoenergy e passou a integrar o Grupo Geoterra, gestor do Aliança Fundo de Investimentos e Participações Multiestratégica, que possui um dos maiores parques industriais para a produção de bens de capital do país, localizado em Araraquara, São Paulo.
A Bioware também conta com o apoio do PIPE-FAPESP para um projeto de pesquisa cujo objetivo é testar a viabilidade técnica da transformação de plásticos por meio de pirólise e a padronização dos combustíveis.
Potencial de mercado
Segundo Perez, além do custo, existem outros itens importantes para as grandes empresas, clientes potenciais da Bioware. “A padronização da qualidade dos combustíveis, a garantia de fornecimento em grande escala e a própria adequação aos atuais sistemas de baixo custo são algumas das exigências desse mercado, quando as empresas optam pelo uso de combustíveis e insumos renováveis”, afirma o pesquisador.
Em um dos projetos PIPE mais recentes, aprovado em 2018, a Bioware desenvolveu uma unidade-piloto de pirólise de resíduos de eucalipto para a produção de bio-óleo combustível e de outros subprodutos para uso como combustíveis e insumos em geral na cadeia de produção da Nexa Resource, empresa global de mineração e metalurgia de metais não ferrosos, resultado da fusão da brasileira Votorantim Metais e a peruana Milpo.
“Estamos falando de um mercado de combustíveis fósseis de termelétricas e caldeiras no Brasil de R$ 100 bilhões anuais”, diz Perez. Nas contas do pesquisador, o mercado nacional para combustíveis e insumos químicos mais verdes comporta 12.850 unidades de pirólise, englobando os setores de energia elétrica e de siderurgia, além de empresas que utilizam caldeiras em geral.
O padrão das plantas desenvolvidas pela empresa inclui reatores com uma capacidade de conversão entre 2.000 e 4.000 quilogramas por hora (kg/h) de biomassa ou resíduo, além de um sistema de separação fracionada dos vapores da pirólise. Como produtos primários, a unidade entrega 20% de ácidos orgânicos, 35% de bio-óleo combustível, 20% de gases de pirólise e 15% de carvão em pó.