O inesperado surgimento e a rápida disseminação do Coronavírus, agora chamado COVID-19, despertam apreensão e alarme em todo o mundo. O risco de pandemia bem ilustra a natureza dos problemas complexos da atualidade, que podem emergir sem avisos a partir de inter-relações entre elementos biológicos, físicos, sociais, culturais, políticos e tecnológicos. As mudanças climáticas globais, que produzem intensificação de estresses térmicos, hídricos, econômicos e sociais, ao redor do globo, são outro exemplo no crescente rol de crises que precisam ser mais bem compreendidas e tratadas. Tarefa nada trivial, pois envolvem sistemas complexos de natureza integrada e interconectada, que não respeitam hierarquias, limites ou fronteiras.
A nossa dificuldade de lidar com tais situações não decorre de desconhecimento do que são sistemas complexos, já que falamos deles o tempo todo. Livros, noticiários e o mundo virtual estão repletos de menções a “sistema político”, “sistema econômico”, “sistema financeiro”, “sistema de saúde”, “sistema educacional”, “sistema social”, etc. Ainda assim, quase sempre ignoramos que estamos o tempo todo expostos a sistemas complexos marcados por não linearidades e assimetrias, em que eventos considerados pequenos ou insignificantes podem produzir enormes efeitos. Como na crise financeira de 2008, que de um momento para o outro arrasou a economia mundial e exigiu esforço gigantesco para recolocar o mundo na normalidade.
As ameaças globais representadas pelo novo Coronavírus, pelas mudanças climáticas, pelas guerras comerciais e pelo enfraquecimento do multilateralismo demostram que problemas complexos cada vez mais comuns no mundo globalizado desafiam análises e soluções simples e míopes ou, pior, se estabelecem e ganham força a partir da passividade e da inação. Como é o caso da tolerância ao consumo sem limites, gerador de resíduos e rejeitos em volumes e complexidade crescentes, com elevação dos níveis de poluição e desgaste das reservas de recursos essenciais — solo, água e biodiversidade — a patamares extremamente perigosos. É, portanto, claro que precisaremos sofisticar processos e instituições na busca de entender tais problemas, modelar suas possíveis consequências, formular e efetivar políticas baseadas na antecipação e no ganho de resiliência.
É por isso que a ciência de sistemas precisa ser priorizada e fortalecida, para ganharmos capacidade de promover mais colaboração intersetorial e multidisciplinar, quebrando os “silos” científicos e institucionais no processo de formular políticas e responder a crises. A análise aplicada de sistemas é uma potente área da ciência que tem se dedicado ao desenvolvimento e aplicação de métodos e modelos matemáticos avançados para tratamento de riscos e desafios de importância global e universal. Como aqueles representados por nexos – temas vinculados por múltiplas e complexas relações, do tipo “ecossistemas-água-alimento-energia” para tratar as sensíveis relações entre segurança ambiental, hídrica, alimentar e energética, ou “alimento-nutrição-saúde”, para superação da grave desconexão entre os sistemas alimentares, de bem-estar e saúde.
A boa notícia é que o reconhecimento da natureza interconectada dos sistemas humano e natural fez surgir, nas últimas décadas, ótimas instituições dedicadas à ciência de sistemas e modelagem avançada, como o Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas – IIASA, na Áustria, o Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático – PIK, na Alemanha e o Instituto Santa Fé, no Novo México, EUA, todos dedicados a estudos de sistemas dinâmicos complexos. Essas e outras instituições, no Brasil e ao redor do mundo, têm se esforçado em formar competências e desenvolver modelos e metodologias que ampliem compreensão do comportamento não linear de sistemas complexos, fortalecendo o desenho de políticas e as práticas de gestão de crises.
Mas, além de ciência aprimorada, será também necessário investir na formulação de narrativas, em comunicação e incentivos para que os sistemas educacionais e a mídia se dediquem mais a disseminar o pensamento sistêmico e seus benefícios. Só com mais esforço em educação e informação será possível ultrapassar as fronteiras do pensamento desatualizado, unidimensional e concentrado apenas em responder a desafios pontuais e de curto prazo. E os governos também precisam incorporar arquitetura mais sistêmica, se tornando mais abertos e preparados a construir alianças entre ministérios, secretarias e agências – e desses com o setor produtivo, organizações não-governamentais e a sociedade civil.
Em síntese, é prudente que nos preparemos para um futuro com riscos e desafios de complexidade, escala, interconectividade e ritmo de mudança sem precedentes na história humana – capazes de impactar os sistemas econômicos, sociais e naturais, bem como as relações entre eles. Nesse contexto, intervenções que funcionavam bem podem deixar de funcionar ou até produzir efeitos imprevistos e não intencionais. Por isso é preciso investir mais na ciência de sistemas complexos e no aprimoramento de políticas, estruturas e processos para operarmos de forma cooperativa, multilateral e sistêmica. O mais provável é que nenhum país, organização ou empresa poderá superar os riscos e desafios à frente operando por conta própria e sem conhecimento sofisticado.