As cidades Latino-americanas encontram-se numa encruzilhada devido às mudanças climáticas. A região como um todo enfrenta desafios significativos decorrentes de temperaturas mais quentes – mais de U$100 bilhões em danos anuais, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)1. Ao mesmo tempo, as cidades da América Latina crescem rapidamente – tanto em tamanho quanto em importância econômica. Atualmente na América Latina, 79% das pessoas vivem em cidades – número que deverá subir a 86% por volta de 2050 2. De acordo com o Banco Mundial, estas cidades contribuem com U$ 5.655 trilhões com o PIB, cerca de 13% do total global 3. Como resultado, são essenciais para qualquer discussão sobre mudanças climáticas na América Latina.
Na edição CDP Cities 2019 (Plataforma Unifica de Reporte CDP & ICLEI), participaram 304 cidades que representam aproximadamente 160 milhões de habitantes, o que corresponde a 25% da população da América Latina4. Sendo considerada uma das regiões mais vulneráveis aos eventos extremos, as cidades participantes identificaram mais de 1300 perigos. Dentre os mais de 35 tipos de perigos, as que mais afetam a América Latina, é a seca (11%), seguido de tempestade (10%), aumento da temperatura (8%) e enchentes (7%). Em resposta aos crescentes riscos das mudanças climáticas, as cidades estão agindo para se tornar mais resilientes: relataram mais de 970 medidas para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas.
As cidades entendem que a mudança do clima traz riscos, mas também pode trazer oportunidades. Elas identificam mais de 500 oportunidades, sendo resíduos a área com maior porcentagem (13%), seguido de maior atenção à área ambiental (12%), energia (9%) e transporte com (7%). A cidade de Tonalá, no México, ressalta que o aumento das empresas de reciclagem favoreceu a economia local criando mais empregos e aumentando o poder aquisitivo das pessoas. Para reduzir as emissões no setor de transporte, Palmira, na Colômbia, reportou que terá uma frota de 50 veículos movidos a gás natural, mobilizando 9.000 passageiros diariamente, que ao final da implementação do projeto terá uma operação de 30.000 passageiros, garantindo 100% da prestação de serviços urbanos. O Município de Loja, no Equador, reportou a instalação de uma nova indústria para gerar energia limpa, o parque eólico Villonaco, que tem capacidade de gerar 6,9612 Wh por ano e uma redução nas emissões de aproximadamente 45.000 Ton CO2 por ano, que equivale as emissões de mais de 9700 automóveis circulando na cidade durante um ano5.
Os eventos extremos além de impactar os moradores das cidades, também podem impactar os negócios. Além disso, a maior parte das emissões em uma cidade normalmente vem de fontes as quais a prefeitura não exerce um controle direto. Como exemplo no transporte privado, prédios comerciais e residenciais (CDP Cities, 2016) 6. Nesse sentido, segundo os dados de 2019 do CDP, a Secretaria do Meio Ambiente de Quito, no Equador, trabalha com o setor privado com o plano de compensação da pegada de carbono, a fim de solicitar investimentos em projetos sustentáveis que contribuam para a redução da pegada de carbono da cidade. Por meio dessa iniciativa, o setor privado assume o compromisso de medir e reduzir sua emissão de carbono em suas operações.
A colaboração também pode conduzir à novos negócios, ao aumento de receitas, à operações mais abrangentes e, no futuro, à cidades de baixo-carbono. Segundo dados do CDP de 2019, 39% das cidades reportam que estão trabalhando em mais de 190 projetos de colaboração com o setor privado. Mais de 32% desses projetos estão na área de resíduos. A a Prefeitura Municipal de Fortaleza (CE) com parceria da empresa concessionária de resíduos, oferece ao cidadão, créditos no Bilhete Único (transporte público) em troca de recicláveis. No setor de água (12%), Campinas (SP) reportou uma parceria com a empresa municipal de água e saneamento a fim de melhorar a eficiência no sistema de abastecimento de água, reduzindo as emissões e contribuindo para que a cidade se torne mais resiliente a escassez hídrica.
Na área de transporte, o Itaú-Unibanco, instituição financeira que implantou o sistema de compartilhamento de bicicletas em seis capitais brasileiras como Recife e Porto Alegre e em Santiago, no Chile, contabiliza815 estações e 8.300 bicicletas. Segundo os dados da empresa ao CDP em 2015, o sistema em 2014 contava com mais de 500 mil usuários registrados e ao todo já foram realizados mais de 3,5 milhões de aluguéis nesse período. Os resultados alcançados, no que se refere a toneladas de CO2 e evitadas, foram estimados em 2,8 mil toneladas, o que equivale a 1,2 milhões de litros de gasolina. A Prefeitura de Recife, segundo relato ao CDP em 2016, pretende ampliar a estrutura de ciclovias para 178 km até 2020, com estimativa de reduzir mais de 30 mil toneladas de CO2/ano.
Para aumentar e manter as áreas verdes, Hermosillo, no México, possui um programa “Transforma un Bulevar”, onde 122 empresas locais patrocinam o plantio de árvores, além de apoiar na limpeza da cidade. Ao proteger as áreas verdes, pode-se garantir a proteção das reservas de água, garantindo com isso o abastecimento de água para a população e para as empresas. Em Lima, no Peru, uma empresa do setor de alimentos localizada na região metropolitana, tem um acordo com o município para a reutilização de águas residuais tratadas, a empresa doa essa água residual tratada ao município para a irrigação das áreas verdes públicas.
Os municípios latino-americanos deverão suportar grande parte do impacto do aquecimento global, de modo que as decisões tomadas hoje em áreas estratégicas, como energia e infraestrutura, vão definir seu curso de desenvolvimento no futuro. Líderes do setor público e privado de todo o mundo estão encontrando formas inovadoras de superar os riscos percebidos pelos investidores e levantar capital para seus projetos de energia e tecnologias mais limpas. E também no ambiente das cidades que se encontram as condições ideais para a articulação de diferentes atores em busca de soluções para os desafios apresentados pelas mudanças climáticas os quais invariavelmente implicarão necessidade de transformação dos modos de produção e consumo, incluindo o uso eficiente de recursos naturais, das políticas públicas e dos modelos de negócio no futuro.
Para atender a essas necessidades, é importante ter mais estudos sobre modelos de gestão de parcerias entre setor público e privado e como catalisar o investimento em projetos no âmbito das cidades com objetivo de mitigação e adaptação as mudanças climáticas. Um dos objetivos do CDP América Latina é trazer os governos locais e o setor privado para trabalharem em estreita colaboração rumo a uma economia de baixo carbono. Nós continuaremos a incentivar as cidades da América Latina e suas empresas a reportarem a cada ano seus avanços através do sistema unificado de Reporte CDP & ICLEI.
Referências
1. “Latin America and the Caribbean face massive economic damages from global warming, report warns”. IBD, 2012 http://www.iadb.org/en/news/ webstories/2012-06-05/latin- america-and-the-caribbean- global-warming,10011.html
2.“World Urbanization Prospects” United Nation 2014. http://esa.un.org/unpd/wup/ Highlights/WUP2014-Highlights. pdf
3.Latin American & Caribbean (developing only)” the World Bank 2014. http://data.worldbank.org/ region/LAC
4.População da America Latina Atual https://exame.abril.com.br/ mundo/cepal-preve-que- populacao-da-america-latina-e- do-caribe-crescera-25-ate- 2061/
5.Calculador de emissões EPA https://www.epa.gov/ energy/greenhouse-gas- equivalencies-calculator
6.CDP, 2016. It takes a city. The case for collaborative climate action. 2016. Disponível aqui,