A China praticamente esgotou suas reservas de carne suína congelada, segundo novas estimativas, o que coloca em evidência a escassez de oferta no maior mercado mundial de proteínas depois de dois anos da chegada da peste suína africana ao país.
O nível das reservas é segredo de Estado na China, que lidera produção, consumo e importações mundiais de carne suína. Mas a consultoria londrina Enodo Economics estima que o volume tenha diminuído cerca de 452 mil toneladas entre setembro de 2019 e agosto deste ano.
De acordo com Diana Choyleva, economista-chefe da Enodo Economics, o país tem atualmente menos de 100 mil toneladas de carne suína em estoque,. “Nesse ritmo, em dois a três meses eles vão ficar sem”, acrescentou ela.
Os números corroboram os comentários do representante agrícola americano em Pequim em recente relatório sobre o segmento no país, que destacou que “as reservas de carne suína parecem ter sido consumidas em sua maior parte no terceiro trimestre de 2020”.
O país registrou seu primeiro caso de peste suína africana em 2018. Desde então, perdeu mais de 100 milhões de porcos, o que elevou os preços internos a novos patamares históricos. O governo chinês reagiu vendendo carne congelada de suas reservas no mercado doméstico para tentar conter os preços.
Apesar de terem recuado um pouco recentemente, o preço à vista no atacado ainda está em torno a 47,61 yuans (US$ 7) por quilo, o dobro de antes da peste africana.
Para os consumidores, os preços em agosto estavam 50% mais altos do que no mesmo mês de 2019, segundo dados oficiais.
As reservas de carne suína são usadas mais para estabilizar os preços do que para substituir a falta de oferta. Seu declínio significa que a capacidade de Pequim para “intervir diretamente no mercado suíno ficará mais limitada na segunda metade de 2020 e no início de 2021”, alertou o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
A escassez obrigou a China a importar volumes recorde de carne suína este ano dos principais produtores mundiais, incluindo EUA e Brasil, apesar do compromisso do presidente da China, Xi Jinping de aumentar a autossuficiência alimentar chinesa. As importações de carne suína chegaram a 430 mil toneladas em julho, mais que o dobro do que um ano antes.
“A demanda da China está em patamares recorde neste ano”, disse Justin Sherrard, estrategista global da área de proteína animal no Rabobank. “É quem manda no comércio global de carnes”. O país é maior consumidor mundial de carnes. Nos últimos cinco anos, a demanda média anual da China por carne suína girou em torno a 50 milhões de toneladas, conforme dados do USDA.
O analista Darin Friedrichs, da StoneX, em Xangai, considera provável que o aumento das importações tenha “impacto muito maior” nos preços da carne suína do que a redução das reservas. Pequim vendeu o que tinha nas reservas mais para “mostrar que está fazendo algo”, acrescentou.
Com a alta de preços decorrente da retração da oferta, um grande número de produtores chineses voltou a criar porcos, apesar das notícias de que continuam surgindo surtos do vírus – que é mortal para os porcos, mas inofensivo para as pessoas.
Os preços do leitão também subiram, assim como as importações de grãos para a produção de ração, já que os criadores vêm expandindo seus rebanhos. O quadro levou a uma onda de alta nos mercados mundiais grãos, e os contratos futuros da soja voltaram a superar a marca de US$ 10 por bushel na bolsa de Chicago, maior patamar em dois anos.
Para a China, depender mais das importações é politicamente delicado. Quando retomou as importações de carnes canadenses no fim de 2019, após um hiato de quatro meses, um dirigente do Ministério das Relações Exteriores frisou que não era um sinal de “descongelamento” nas relações.
Na semana passada, a China proibiu as importações de carne suína da Alemanha, onde foram descobertos recentemente casos de peste suína africana, para “proteger a criação de gado e evitar a disseminação da doença”.