Um dos temas que tomou amplitude nos últimos anos foi sem dúvida nenhuma o efeito da resistência microbiana a agentes antimicrobianos. A resistência surge através da resistência natural em certos tipos de bactérias, mutação genética ou por uma espécie que adquire resistência de outra. Bactérias resistentes são cada vez mais difíceis de tratar, exigindo doses mais elevadas ou medicamentos alternativos, que podem ser mais caros ou mais tóxicos. As cepas resistentes a múltiplos antimicrobianos são chamadas de “Resistentes a Múltiplos Medicamentos” (AMR/ABR) , ou superbactérias.
O MAPA está liderando em conjunto com outras entidades o PAN-BR AGRO, que é o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da Agropecuária. Este plano prevê diversas frentes que em conjunto com o Ministério da Saúde visam mitigar os fatores que podem intensificar o surgimento e desenvolvimento de cepas resistentes a antimicrobianos. O uso inteligente e controlado destes agentes, potencializa a performance das atividades produtoras e pode reduzir os riscos do desenvolvimento de cepas resistentes.
O desenvolvimento de capacidade analítica e novas instrumentações permite a detecção de agentes antimicrobianos em níveis diminutos em diversos meios. Claramente a maior concentração destes agentes estará no indivíduo sob tratamento, porém muitos destes antimicrobianos são excretados sob diversos níveis de degradação ao meio ambiente, nos dejetos ou nas camas de criação de aves.
Como estes resíduos, dispostos no meio ambiente se comportam?
Praticamente todos os dejetos animais são transformados em biofertilizantes quer por processos de compostagem, biodigestão ou aplicação direta em solo. As legislações ambientais estão focadas nas cargas orgânicas e de nutrientes aplicadas por área e tipo de cultura e estes controles são monitorados pelos criadores e integradoras.
O solo (e a água em segundo momento) recebem estes resíduos e diversos mecanismos de transporte e degradação podem ocorrer. Como a estrutura molecular destes compostos é complexa, a biodegrabilidade normalmente é baixa, e associado ao fato de ser “tóxico” a um grande número de bactérias, pode influenciar na degradação de outros componentes orgânicos que seriam facilmente degradados nos dejetos orgânicos.
Na prática isso pode ser observado em instalações com biodigestores na suinocultura, que sofrem influencia negativa na produção de biogás quando os animais estão sob tratamento com antimicrobianos por algum período.
Se os compostos possuem este impacto em um biodigestor, que é um ambiente bastante controlado, que impacto terão quando aplicados ao solo, onde a complexidade de relações é muito maior?
Kumar, et aliae (2005) acharam em “Antibiotic Uptake by Plants from Soil Fertilized with Animal Manure” que três espécies plantadas (milho, cebolinha e alface) são capazes de absorver clorotetraciclina e manter em sua composição vegetal, deixando disponível por longo período mesmo após a aplicação em solo.
O mesmo pesquisador realizou extensa pesquisa no Estado americano de Minessota encontrou em dejetos de suínos concentrações de Clorotetraciclina tão altas como 7,7 mg/l e 4,0 mg/l de Tilosina. Se forem aplicados no solo, nas taxas agronômicas adequadas para nutrientes, resulta nas incríveis taxas de 390 e 200 gramas por hectare/ano destes agentes, respectivamente.
Dejetos são utilizados extensivamente na agricultura orgânica no Brasil, são considerados seguros e relativamente sustentáveis comparado com a adubação química.
A pesquisadora Sandra Regina Longhin, em sua tese de doutorado de 2008 pela UNB “Estudo da degradação dos antibióticos beta-lactâmicos amoxicilina e ampicilina e avaliação da toxicidade e biodegrabilidade de seus produtos” avaliou que estes compostos possuem uma alta resistência a biodegrabilidade, alta toxicidade ambiental e capaz de promover mutações genéticas (genotoxicidade) em cepas naturais presentes no meio ambiente. O mesmo estudo propõe técnicas avançadas para a degradação destes compostos nos resíduos, com o uso de oxidação avançada com Processo Fenton.
O Centre for Science and Environment de Nova Deli publicou em 2017 o material: “Antibiotic Resistance in Poultry Environment – Spread of Resistance from Poultry Farm to Agricultural Field” onde determina as ligações entre o mau uso de antimicrobianos e os impactos ambientais na avicultura industrial, as ligações com a saúde pública, a gestão de resíduos e boas práticas recomendadas.
Neste estudo, amostras de solo foram coletadas de áreas agricultáveis na Índia onde a cama de aviário compostada é utilizada como complemento de adubação. Nestes solos foram isoladas espécies de bactérias E. coli, K. pneumoniae e S. lentus. Todas as cepas isoladas destas amostras apresentaram resistência multi drogas, inclusive algumas delas apresentaram resistência a medicamentos considerados de última geração no tratamento de infecções em hospitais.
Não existem legislações ou limites especificados para estes compostos em nenhum regramento ambiental brasileiro, portanto é necessário o desenvolvimento de pesquisa aplicada para determinação dos limites considerados seguros, das práticas de utilização destes resíduos como biofertilizantes, olhando não somente os critérios de matéria orgânica e nutrientes, mas também de metais (também utilizados na composição de rações) e de antimicrobianos.
As técnicas utilizadas até o momento para tratamento e adequação destes resíduos (biodigestão, tratamento aeróbico ou compostagem) são completamente ineficazes na eliminação destes poluentes.
É mandatório que o MAPA, em conjunto com todos os stakeholders da cadeia produtiva tenham suporte científico e institucional, para avaliar não somente as práticas seguras de uso dos antimicrobianos na criação de animais, mas também em controlar e orientar sobre os impactos ambientais decorrentes do uso dos resíduos da produção na fabricação de compostos orgânicos ou na aplicação em solo de biofertilizantes.