Por Anderson Oliveira
Os mil quilômetros de extensão do Ferrogrão, uma ferrovia interligando Sinop, município do norte do Mato Grosso, com o Porto de Miritituba, no Pará, pode ser a solução para um dos principais gargalos do transporte brasileiro. A maior região produtora de milho e soja do País enfrenta um entrave para o escoamento de sua produção para os mercados externo e interno. Em geral, os insumos são transportados por caminhões em um percurso total de aproximadamente 2.400 km, percorrendo quase metade do caminho em estradas com más condições até encontrar o Complexo Intermodal de Rondonópolis (CIR), também no Mato Grosso. Dali, finalmente, a carga segue por ferrovias até o Porto de Santos, onde se soma a quase toda a produção das regiões Sudeste e Sul do Brasil. “Hoje, o país joga toda a carga para um único sistema, os portos de Santos e de Paranaguá. Quando abrirmos a alternativa no Norte [com a construção do Ferrogrão], vamos desafogar o Sul, que está saturado e não atende todo o mercado. Por isso, o frete é tão caro”, conta Roberto Meira, diretor da Estação da Luz Participações (EDLP), empresa responsável pelo projeto do Ferrogrão, em uma parceria com a tradings Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.
As discussões sobre a implementação de um projeto que foi idealizado ainda nos anos 1930, segundo Meira, voltam à tona no momento em que o Brasil vive o impasse com o tabelamento do frete, adotado por meio de medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer, em atendimento ao pleito dos caminhoneiros na greve de maio deste ano. A iniciativa aumentou os custos para a produção e o escoamento nos mais diferentes setores do agronegócio brasileiro. “A tabela do frete impactou em todo o processo, desde o transporte de fertilizantes para as plantações de soja e milho e o escoamento destes insumos para os mercados”, destaca o engenheiro agrônomo Thome Luiz Freire Guth, da gerência de Produtos Agropecuários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os produtores de proteína animal, especialmente de aves e suínos, por sua vez, pagam mais caro pelo milho e a soja e ainda precisam decidir se incluem o custo mais elevado do frete no preço de suas mercadorias ou perdem rentabilidade, ele acrescenta.
No ano em que o Brasil colhe sua segunda maior safra de grãos da história, a criação da tabela do frete com preços mínimos surge como mais um entrave para o escoamento da produção. De acordo com Guth, os produtores que precisam tomar grandes distâncias por meio do transporte rodoviário devem ter um custo maior sem embutir esse aumento de custo no produto. Os grandes tradings, no entanto, ditam a dinâmica do mercado e conseguem retrair as vendas neste momento de incerteza. “Com isso, o mercado fica emperrado e o produtor perde dinheiro e se vê num cenário incerto em que não sabe se vale a pena ou não investir na produção, no aumento da área plantada, por exemplo, que seria uma grande oportunidade”, avalia ainda, ressaltando que o País poderia ampliar mais sua produção de soja e milho para atender “muito bem” os mercados interno e externo.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calculou os impactos do tabelamento do frete sobre o transporte de milho e soja no país. Em ambos os casos, o frete de um caminhão carregado era de R$ 11.020 antes da tabela com preço mínimo. O custo representava 47,9% sobre o valor do produto exportado (milho: R$ 605 por tonelada; ou R$ 22.990 o caminhão carregado com 38 toneladas). Após a obrigatoriedade da tabela com preço mínimo de frete, o custou passou a ser de R$ 16.626,90, ou seja, 72,3% do valor do produto transportado. O levantamento leva em conta o transporte já com frete retorno contratado (quando na volta o caminhão realiza outro transporte). Sem isso, o custo com o transporte superaria o valor do produto exportado, aponta a CNA.
No caso da soja, o aumento de custo é menor. Isso porque a oleaginosa custa R$ 1.317 a tonelada. Desse modo, levando-se em conta os mesmos valores de fretes antes e depois do tabelamento, o custo passará de 22% do valor do produto exportado para 33,2%. Nos Estados Unidos, segundo a CNA, o transporte representa 17,2% para o milho e 7,9% para a soja.
Para Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura, da CNA, que fez o levantamento, o tabelamento do frete inviabiliza tanto o milho quanto a soja. Ela aponta que, até o momento, já houve aumento de 51% no preço dos fretes praticados no país. A Agência Nacional dos Transportes Terrestes (ANTT) ainda reajustou novamente o valor do frete no começo de setembro. Tudo isso, segundo Elisangela, pode levar o produtor a avaliar se deixará de produzir. “A tabela não deveria ter sido colocada em prática”, afirma, citando que o frete mínimo traz incoerências devido a peculiaridades regionais, de estradas, etc.
O modal rodoviário é o predominante no Brasil para o escoamento das mercadorias, afirma a especialista da CNA. O Brasil tem extensão territorial muito grande, com oito mil quilômetros de costa marítima. Ainda assim, o modal rodoviário representa de 61% a 62% da matriz de transportes. Conforme Elisangela, estudos mostram que, em algumas regiões – como o Norte – com deficiência de estradas, o custo de frete pode aumentar em 38%. “Em média, o aumento seria de 27%, em função de situações ruins e péssimas das nossas rodovias. Cerca de 61,8% das rodovias brasileiras possuem algum problema”, diz. Para a analista, há muito tempo o Brasil tem deixado de investir em infraestrutura e apenas 12,5% das rodovias brasileiras são pavimentadas. A maior parte são estradas de chão, sem infraestrutura, como acostamento e sinalização. Tudo isso impacta fortemente nos custos dos fretes dos produtos brasileiros, ela complementa.
A resposta para esse problema, aponta, seria investir em outros modais como complemento às rodovias – que também deveriam ter maiores investimentos. Elisangela cita o caso das ferrovias, que somam mais de 30 mil quilômetros de trilhos. Apesar disso, o país utiliza somente um terço desse total. “Em geral, nossas ferrovias estão abandonadas por falta de investimentos e devido a isso existem trechos que já não podem mais ser recuperados”, comenta. Outro modal que requeria atenção é o hidroviário. Mesmo com 29 mil quilômetros de rios navegáveis, o Brasil não chega a utilizar sequer metade do possível. Se houvesse investimentos, seria possível expandir o uso em até 44 mil quilômetros, acrescenta a analista da CNA. Isso não significa negligenciar o modal rodoviário, comenta a analista, uma vez que este é o único capaz de interligar todos os outros e ainda fazer a entrega “porta a porta”.
A greve dos caminhoneiros que ocorreu em maio deste ano aconteceu por uma conjuntura de fatores que inclui a falta de investimentos do Brasil nos demais modais. O transporte rodoviário, por sua vez, também sofre diversos impactos, como o alto valor dos combustíveis. Além disso, esse mercado está inflacionado com o grande volume de caminhões existentes para atender a uma demanda que está retraída devido à desaceleração econômica vivida pelo país nos últimos anos. “Existem de 300 mil a 400 mil a mais circulando, isso desequilibra o mercado e os preços do frete caíram muito porque há mais caminhoneiros ofertando os serviços”, avalia.
Do celeiro ao restante do mundo
A força e o crescimento do agronegócio brasileiro tanto como produtor de grãos como de proteína animal garantem ao país a marca de celeiro do mundo. Esta é a avaliação do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, em entrevista recente à Forbes. Segundo ele, o Brasil tem hoje uma agricultura de ponta e totais condições de atender a qualquer mercado sem o risco de desabastecimento interno. Toda essa produção, entretanto, tem no transporte o maior obstáculo. Embora integrante do governo de Michel Temer, Maggi critica o tabelamento do frete, que põe em risco a produção agropecuária brasileira. “O que posso dizer é que é um assunto muito delicado e que tem atrapalhado muito o setor. Um exemplo disso tem acontecido no Mato Grosso. Os produtores estão reclamando muito sobre o atraso na entrega de fertilizantes dos portos para as lavouras, o que pode gerar queda na produtividade”, ressalta o ministro.
Segundo ele, o Estado planta soja do começo de setembro até meados de outubro. “Em novembro, se o produtor ainda está plantando, terá um prejuízo muito grande porque, segundo pesquisas já comprovadas, a cada dia de atraso do plantio significa um saco a menos na colheita”, afirma. Maggi aponta que as janelas que o produtor tem para plantar são muito pequenas e “os prejuízos podem ser enormes”.
O investimento em ferrovia para escoamento da produção do Mato Grosso é uma das iniciativas do governo, considera o ministro. De acordo com ele, o governo federal está optando por empregar os recursos oriundos de concessões nos lugares onde houver o melhor retorno. “Um exemplo disso, foi o que pega a renovação do contrato de Carajás para fazer uma ferrovia entrando em Mato Grosso chegando no noroeste do Mato Grosso. Por que isso? Porque já temos as ligações para cima norte e sul e transporta muito pouca carga porque a ferrovia não chegou dentro da roça, não chegou onde está a produção”, comenta. Maggi acredita que, com 380 ou 400 quilômetros de novos trilhos, no máximo, leva a possibilidade de ter entre 10 milhões e 15 milhões de toneladas de grãos subindo para o Norte, indo para os portos de Itaqui ou outro.
A iniciativa privada toma as rédeas
O Ferrogrão é uma das alternativas para resolver as dificuldades que os produtores do Mato Grosso têm para escoar milho e soja tanto para os demais Estados brasileiros quanto para o exterior. A iniciativa aguarda leilão pelo governo federal, que deveria ocorrer neste ano, mas será adiado para 2019. Para a analista da CNA, Elisangela Pereira Lopes, a demora é um dos principais problemas da infraestrutura brasileira. Um dos exemplos é a reforma da BR-364, com a implementação de três faixas para melhoria do fluxo de veículos. A rodovia liga o Mato Grosso com Porto Velho, em Rondônia, e está no cronograma de concessões do governo.
A pavimentação da BR-163 também está com 10 anos de atraso, ela acrescenta. As mudanças de governo, segundo Elisangela, são outro obstáculo. Isso porque os governantes não veem essas questões como de Estado e acaba havendo descontinuidades nos projetos. Além disso, há grande insegurança jurídica que acaba por retrair os investimentos da iniciativa privada. Segundo ela, as empresas têm o interesse de investir, pois sabem que se trata de algo viável e com tendência de crescimento.
No caso do Ferrogrão, o grupo de tradings formado por Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus participaram dos estudos para a efetivação do projeto que resolveria os problemas das fazendas do Mato Grosso. Para Roberto Meira, da EDLP, depois de pronta a nova rota geraria uma economia de R$ 2 bilhões ao ano no custo do frete. Ele calcula uma queda de R$ 40 por tonelada de grão transportada. Esse valor, ressalta Meira, ainda foi feito antes da entrada em vigor do tabelamento do frete. “Hoje, esse custo seria ainda maior e compensaria ainda mais o Ferrogrão”, avalia.
O governo federal sozinho não é capaz de resolver as questões da infraestrutura no transportes, acredita o empresário, devido ao grande número de desafios de um país continental como o Brasil. “O setor privado precisa se organizar e tomar as rédeas dos projetos e o Ferrogrão pode ser o exemplo disso”, diz.
Contornar os problemas com a infraestrutura é o que falta, complementa Elisangela Lopes. “Somos muito eficientes da porteira para dentro, mas sempre deficientes da porteira para fora.” A união entre o governo federal e a iniciativa privada talvez seja a solução para garantir ao Brasil, enfim, a posição de celeiro do mundo.