A situação de caixa mais confortável que a Marfrig terá quando concluir a venda da subsidiária Moy Park para a JBS terá de ser acompanhada por uma “rápida melhora operacional” para que a companhia não tenha que se desfazer de outros ativos ou participações.
Conforme apurou o Valor, essa é a visão da BNDESPar, braço do banco estatal, que tem 19,63% das ações da empresa e acredita que essa melhora operacional dependerá da recuperação das exportações brasileiras de carne bovina no médio prazo. Procurados, Marfrig e BNDES não comentaram.
Neste momento, porém, os sinais não são alvissareiros para os frigorífico de carne bovina do Brasil – e a Marfrig, com a venda da Moy Park (que produz carne de frango) ficou mais dependente desse negócio. Clientes importantes como Rússia e Venezuela reduziram drasticamente as compras devido à queda dos preços do petróleo, enquanto a demanda de Hong Kong, maior importador em 2014, também vem patinando por causa de uma maior fiscalização da China para evitar a “triangulação” de carnes para seu mercado.
Em contrapartida, o trunfo a ser explorado são as recentes aberturas dos mercados chinês e americano para a carne bovina brasileira. No caso da China, as vendas já foram retomadas – o país vetava a carne bovina do Brasil desde dezembro de 2012 -, mas para os EUA ainda faltam alguns detalhes para que o fluxo tenha início. No Ministério da Agricultura, a expectativa inicial é que os frigoríficos estariam aptos a exportar aos EUA já em setembro.
De todo modo, o que está em jogo é quão rápido será o avanço das vendas para EUA e China, e se esses mercados compensarão as dificuldades dos países dependentes do petróleo. É nesse contexto que a BNDESPar avalia a situação da empresa.
Em recente entrevista ao Valor, o vice-presidente de planejamento estratégico e relações com investidores da Marfrig, Marcelo Di Lorenzo, afirmou que a venda da Moy Park entrou em um “círculo virtuoso”, alterou “estruturalmente” a capacidade de geração de caixa da empresa e abriu espaço para investimentos. Na ocasião, ele também defendeu que a empresa é, entre os maiores frigoríficos brasileiros, o mais bem posicionado para aproveitar as aberturas chinesa e americana. O executivo destacou as sinergias com a americana Keystone, subsidiária da Marfrig com operações nos dois países.
Do ponto de vista de dívida, a venda da Moy Park, por US$ 1,5 bilhão, reduzirá o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) de 6,6 vezes, em março, para algo entre 3,5 e 3,7 vezes no fim de 2015, quando a venda deverá ser concluída, segundo a expectativa de JBS e Marfrig. No fim do primeiro trimestre desde ano, quando sua receita líquida alcançou R$ 5,9 bilhões, a dívida líquida da companhia era de R$ 10,7 bilhões – 94% do total em outras moedas que não o real.
Para a BNDESPar, o desejo de uma rápida recuperação da Marfrig também pode estar associado à conversão de cerca de R$ 2,15 bilhão em debêntures obrigatoriamente conversíveis, programada para 1º de janeiro de 2017. Essa conversão, que tornaria o banco o principal acionista da empresa, será feita ao preço mínimo de R$ 21,50 por ação. Ontem, a ação da Marfrig fechou a R$ 5,39.
Com a conversão, a participação do fundador da Marfrig, Marcos Molina, será diluída. No domingo, Molina e o BNDES anunciaram um aditivo no acordo de acionistas que permite que a MMS (empresa de Molina e sua esposa) “desloque” até 20% da participação de quase 27% que detém na companhia e a transfira a seus sócios. Na segunda-feira, a Marfrig assegurou que não existe “qualquer operação material em estudo ou em curso para utilização de tais ações”. Na pessoa física, Marcos Molina tem participação de 2,39% na Marfrig, e sua esposa tem 1,48%.
O aditivo também excluiu a “Cláusula V” do acordo, firmado em 2010, que tratava de opção de compra e direito de preferência. Conforme a cláusula, a BNDESPar concedia à MMS opção de compra de até 25% do lote de ações e também dava à MMS direito de preferência para a aquisição de até 75% do lote. Mas o banco não pretende vender ações da Marfrig, apurou o Valor. Em ações e debêntures, a BNDESPar investiu mais de R$ 3 bilhões na empresa.