A intervenção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no setor frigorífico formou um oligopólio no país que exige vigilância redobrada no que se refere à concorrência, avalia o professor John Wilkinson, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Apesar disso, o acadêmico defende a concentração e diz que a criação das chamadas “campeãs nacionais” trouxe benefícios à cadeia produtiva, transformando empresas em multinacionais e garantindo a qualidade da carne brasileira.
“Aos trancos e barrancos, o Brasil conseguiu manter atores em liderança, o que não é trivial. Um país sem grandes empresas não tem muito o que apitar no mundo”, afirma, em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.
Wilkinson é autor de um estudo sobre os investimentos feitos pelo BNDES na JBS, que se tornou na última década a maior companhia de carnes do mundo
Em sua análise, publicada pelo BNDES este ano, Wilkinson teve acesso direto a Wesley Batista e Joesley Batista, presidentes da JBS e do Conselho de Administração da companhia, respectivamente, além de ter entrevistado representantes do BNDESPar, braço de participações do banco.
Perguntado sobre o que justifica a instituição da política de criação das campeãs nacionais do BNDES no setor frigorífico, Wilkinson disse que “primeiramente, o que destacamos é que o BNDES atuava dentro de uma política definida pelo governo federal. Não agia por iniciativa própria, mas foi explicitamente colocado como um órgão central na promoção de estratégias de desenvolvimento”.
Ele explica que em carnes o Brasil tinha o potencial de ser um competidor e líder internacional e lembra qual era a situação da carne bovina nos anos 1990.
“Era um setor em que metade da produção era informal, com animais abatidos sem controle. Ao mesmo tempo, surgiu uma conjuntura internacional muito favorável para a carne brasileira, com casos da doença da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina) nos Estados Unidos e no Canadá, além da estiagem na Austrália, que são grandes fornecedores. Nisso surgiram empresas líderes que rapidamente entraram na exportação, como JBS, Marfrig e Minerva. Mesmo antes do apoio, elas já despontavam no mercado. Essas empresas aprenderam cedo que para vender ao mercado internacional é preciso assegurar esse abastecimento face a imprevistos que ocorrem na pecuária, a exemplo dos sanitários. Entre 2005 e 2007, todas elas abriram o capital e o BNDES, vendo esse movimento, decidiu investir.”
Sobre a queixa de pecuaristas à concentração de mercado nas mãos da JBS após os investimentos do BNDES, ele diz que “a crítica maior é de que se está chegando a uma forte oligopolização no nível da compra de bois para o abate. As aquisições passaram pelo Cade várias vezes, só que o Cade usa um critério que é a participação de mercado em âmbito nacional, que deve ser inferior a 20%”.
Segundo Wilkinson, isso é algo que o meio acadêmico contesta fortemente, “porque o raio de atuação de um frigorífico não é superior a 300 quilômetros, então se deve avaliar a situação regional”.
E regionalmente, ele diz, há estudos que indicam que a JBS é responsável pelo abate de 46% dos animais de Mato Grosso do Sul, talvez até mais. “De fato há uma concentração que faz com que as opções (de empresas para os produtores) sejam duas ou três no máximo.”
Questionado se nesse sentido a intervenção do BNDES não foi prejudicial à competição, o professor admite que “há uma oligopolização, mas este é o perfil da economia mundial. Temos oligopólios na celulose, no açúcar, o mundo se organiza em torno deles. Não dá para imaginar que vamos voltar a mercados com a competitividade clássica”.
Além disso, ele lembra, “é mais fácil controlar e regular um oligopólio”. Segundo Wilkinson, a análise do Cade, em torno da evolução dos preços (da arroba e da carne) e da lucratividade operacional, mostra que a influência econômica (das grandes empresas) é baixa.
“Os fatores que mais influenciam o preço são os relacionados ao longo ciclo pecuários. Em contrapartida, há uma melhoria na qualidade da carne, aumento da produtividade na pecuária, acordos para preservação do meio ambiente e redução do desmatamento. O oligopólio permite um controle disso. A JBS tem um sistema de rastreamento de fornecedores que é muito eficiente, restringindo produtores que estejam em problemas com o Ministério do Trabalho e Emprego (MT), dentre outros fatores.”
O professor reconhece que o sistema é pontual e é preciso aperfeiçoar. “Para todo animal negociado, independente da idade, há uma guia de trânsito disponível ao setor público e que poderia ser integrada ao sistema. Se a sociedade civil realmente quer avançar e monitorar isso, é preciso viabilizar o uso das guias. Nesse sentido, oligopólios estão mais vulneráveis à sociedade, pois é mais fácil de negociar e de mostrar o que há de ruim.”
Wilkinson não acredita que uma eventual crise sanitária na produção da JBS poderia afetar a oferta de carne bovina no Brasil. “Não acho que funcione assim. Os frigoríficos são autônomos em termos de expansão. Você pode fechar um frigorífico da JBS em um lugar, mas a produção continuará em outro. O problema é a regulação, pois o Brasil tem um sistema muito frágil. A Europa está há 15 anos tentando negociar um sistema de rastreamento no setor de carne e o Brasil fez pouca coisa.”
Perguntado se a consolidação não demanda maior atenção à questão da concorrência, o professor disse que hoje temos oligopólios e uma faixa de frigoríficos que atende mercados locais e de nicho, porque as grandes empresas não darão conta de tudo. Nisso, as exigências de regulação aumentam.
“O Cade precisa olhar para isso e rever seus critérios. Mas também não podemos acreditar numa virtuosidade natural do setor público. Há sempre uma situação tensa entre público, privado e sociedade civil. Aposto mais em fóruns que incorporam o conjunto dos atores do mercado e pressionam por mudanças”. Mas, para Wilkinson, a situação da pecuária hoje é incomparavelmente melhor. “Aos trancos e barrancos, o Brasil conseguiu manter atores em liderança, o que não é trivial. Um país sem grandes empresas não tem muito o que apitar no mundo.”