O risco de déficit de energia elétrica nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste já chega a mais de 20% neste ano. A metodologia usada pelo próprio governo para definir a operação do sistema interligado nacional aponta que esse é o risco de que falte pelo menos um megawatt de eletricidade para atender à demanda ao longo de 2014.
Caso esse desequilíbrio seja pequeno, não há nenhuma necessidade de decretar racionamento e é possível reduzir a entrega de energia aos consumidores por meio de medidas “sujas” na operação, conforme explicou ao Valor um técnico com longa experiência na área.
Em condições normais, o governo considera um risco de 5% como aceitável e desenha toda a operação levando em conta esse limite. A situação atual indica, no mínimo, que o uso das termelétricas deverá ser mais intenso do que o planejado nos próximos meses. Em janeiro do ano passado, quando os reservatórios baixaram demais e forçaram o governo a prolongar o acionamento das usinas térmicas, o risco era de 18,6% nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (que constituem um único submercado em termos operacionais) e de 18,7% na região Sul. Hoje, é de 20,2% e 20,75%, respectivamente.
Na quinta-feira da semana passada, dia em que foi atingida uma demanda recorde no sistema interligado, o pico alcançou 83.962 MW. Para déficits de mil MW ou 2 mil MW, de acordo com esse técnico, é factível adotar medidas que reduzam a tensão no sistema. Assim, consegue-se fazer uma administração “suja” da demanda, reduzindo a quantidade de energia levada aos consumidores. Os efeitos são relativamente sutis: lâmpadas podem acender com voltagem inferior, transformadores são usados no limite, a indústria eletrointensiva pode sofrer “apaguinhos” de milésimos de segundo. Evitam-se, no entanto, medidas de restrição ao consumo (racionamento) ou “apagões” de maior escala.
Há mais chances do que o desejável, no entanto, de um déficit igual ou superior a 5% da carga total de eletricidade. Com esse nível de desequilíbrio, já não se pode “administrar” a demanda e um racionamento torna-se praticamente inevitável. O risco de um déficit de tal dimensão já alcança 5,9% nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que constituem um único submercado em termos operacionais, e 5,35% no Sudeste. No Nordeste, é ínfimo.
Esses números foram calculados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a partir da aplicação do Newave, um programa de computador que define a operação mensal do sistema, usando um modelo matemático para definir a melhor política de geração (o mix entre energia hidráulica e térmica).
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, considera “prematuro” fazer “especulações” em torno de medidas para conter a demanda. Segundo ele, o sistema passa por uma “grande prova de fogo”, devido ao baixo volume de chuvas. “Em outras épocas, não se teria passado por uma situação climática tão adversa sem racionamento”, disse.
Tolmasquim lembrou que o sistema elétrico atravessou a pior seca das últimas oito décadas, em 2013, no Nordeste. Em janeiro, no Sudeste/Centro-Oeste, o volume de precipitações foi o mais baixo para o mês desde 1954. “Mesmo assim, o nível dos reservatórios está acima do ano passado, temos oferta de energia entrando, estamos segurando [o sistema]”, afirmou o executivo.
A perspectiva, no entanto, é desfavorável. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em relatório divulgado na sexta-feira, prevê que o volume de água que chegará aos reservatórios em fevereiro vai ficar em apenas 55% da média histórica no Sudeste e no Centro-Oeste. Com isso, a tendência é que o armazenamento nos reservatórios termine o mês abaixo de igual período de 2013.
O estoque de água estava em 45,5% da capacidade máxima, no Sudeste/Centro-Oeste, no fim de fevereiro do ano passado. A previsão atual do ONS é que, dessa vez, o nível esteja em 41,5%. Diante do cenário hidrológico ruim, os preços da energia no mercado de curto prazo já bateram recorde.