A bioeletricidade da cana detém hoje 7% da capacidade instalada na matriz elétrica brasileira, sendo a terceira fonte de geração mais importante da nossa matriz elétrica, atrás somente da fonte hídrica e do gás natural. Em termos de energia, em 2013, estima-se que a bioeletricidade da cana tenha sido responsável por uma oferta à rede de 15 milhões de MWh, representando um crescimento de 25% em relação ao ano anterior.
Essa oferta à rede em 2013 representou poupar 7% da água nos reservatórios do submercado elétrico Sudeste/Centro-oeste, justamente porque essa geração ocorre na época critica do setor elétrico (período seco). Ano passado, especificamente em agosto, o montante de bioeletricidade (incluindo cavaco de madeira, biogás, mas do qual bagaço de cana é o principal) exportada para o Sistema Interligado Nacional (SIN) bateu recorde histórico, atingindo 2,3 milhões de MWh naquele mês. Esse índice representou 10% da carga do submercado elétrico Sudeste/Centro-Oeste, principal submercado do país, que responde por mais de 60% do consumo brasileiro.
Segundo informações do Operador Nacional do Sistema, em 2013 os picos de entrega de bioeletricidade à rede aconteceram exatamente nos meses com piores condições de Energia Natural Afluente – ENA aos reservatórios (agosto e setembro), contribuindo de forma significativa para a garantia de suprimento de energia elétrica no país.
Mas pode-se ir além. Até 2022, o potencial técnico de bioeletricidade da cana, com o aproveitamento do bagaço, palha e pontas, é estimado pela Empresa de Pesquisa Energética em algo como 22 GW médios, quase cinco vezes a garantia física da usina Belo Monte.
O maior aproveitamento desse potencial da bioeletricidade da cana passa pela construção de diretrizes que estimulem o investimento de longo prazo nessa energia renovável e estratégica para o país.
Alterações institucionais podem criar um ambiente favorável aos investimentos, sendo este um dos objetivos principais dos agentes públicos. Nesta linha, no ano passado, ocorreu a criação de um produto térmico nos leilões A-5, quando a bioeletricidade concorreu diretamente com gás natural e carvão mineral, mas separadamente das eólicas. Não é a situação ideal de um leilão específico, mas já representou um pequeno avanço. Isto e a melhora relativa no preço-teto, em relação a 2012, contribuíram para que a bioeletricidade voltasse a comercializar energia nos certames. Foram 11 projetos comercializados nos leilões A-5 de 2013 contra zero projeto em 2012! Precisa-se avançar e assegurar que mesmo os tímidos resultados dos leilões A-5 de 2013 não tenham sido espasmódicos para a bioeletricidade, sem a devida continuidade de uma política setorial de longo prazo.
Das quase 400 usinas sucroenergéticas no país, algo como 170 usinas exportam bioeletricidade para a rede elétrica atualmente. Temos, portanto, mais de 200 usinas sucroenergéticas que produzem vapor e eletricidade apenas para o consumo próprio. Já é muito, mas é possível transformar essas mais de 200 usinas em termelétricas produtoras de energia elétrica renovável excedente para a rede elétrica. Para isto há necessidade de uma política setorial de longo prazo capaz de promover a eficiência energética nessas usinas, trocando caldeiras, reduzindo o consumo de vapor, gerando mais energia com o mesmo bagaço da cana. O potencial que existe no retrofit (reforma das mais de 200 usinas existentes para gerar excedentes à rede) ainda está longe de ser estimulado: enfrenta barreira de preço nos leilões regulados.
Além disso, com o fim das queimadas nos canaviais, tem surgido um novo combustível – a palha. A recuperação de parte desta palha, deixando no campo quantidades ainda suficientes para obtenção dos benefícios agronômicos, apresenta a oportunidade ímpar de se agregar um novo combustível para geração de bioeletricidade, além do bagaço. Esse novo combustível – palha – apresenta um poder calorífico quase duas vezes superior ao do bagaço, porém seu recolhimento, limpeza e preparo acarretam também custos operacionais e necessidade de investimentos significativos.
É essencial ter uma política setorial de longo prazo para a bioeletricidade, sobretudo, para permitir a venda dessa energia nos leilões promovidos pelo governo federal, ainda nossa principal porta de entrada no setor elétrico brasileiro. Estamos indo para dez anos do modelo institucional do setor elétrico, sendo necessário continuar refinando-o e conseguir, em algum momento, definir um preço adequado para cada fonte, incorporando suas externalidades positivas e negativas. Caso se incorpore os benefícios de cada fonte ao sistema, a bioeletricidade da cana será mais valorizada, pois se trata de uma energia renovável, que evita emissões de co2, altamente complementar à fonte hídrica, produzida ao lado dos grandes centros consumidores, mitigando perdas e custos em transmissão.
Em síntese, para o setor sucroenergético continuar sendo um exemplo internacional de sustentabilidade energética, aumentando ainda mais sua contribuição, precisa-se de uma política setorial de longo prazo para a bioeletricidade, capaz de estimular a reforma das usinas existentes e um maior aproveitamento da palha para a geração de energia. Governo e agentes privados reconhecem a necessidade da construção de sinais econômicos adequados para permitir a expansão do etanol na matriz energética. Nesta linha, uma política dedicada à bioeletricidade é um desses sinais principais. A bioeletricidade não é problema, mas sim parte importante também da solução para a competitividade do etanol na matriz energética brasileira.
Zilmar José de Souza é gerente de Bioeletricidade da União da Indústria da Cana-de-Açúcar; Jornal Energia, 28/2/14