A economia brasileira passa, há um ano, por um processo de transição, motivado por um ajuste inevitável ao novo cenário internacional. No cenário anterior, que vigorou do início da primeira década do século até o ano passado, quando os Estados Unidos decidiram começar a reduzir os estímulos monetários, o excesso de liquidez e o baixo custo de capital estimularam o consumo do governo e das famílias, criando um descompasso entre oferta e demanda na economia, pressionando a inflação e as contas externas.
Agora, o que se espera é um ambiente menos favorável do ponto de vista do financiamento internacional. Os capitais continuarão a fluir, mas de forma seletiva e a um custo mais elevado. A mudança obriga o país a repensar seu modelo de crescimento, que, a partir de agora, deve contemplar a diminuição do ritmo de consumo das famílias e do governo, o aumento dos investimentos e das exportações e a queda da inflação.
Este é o quadro, segundo apurou o Valor, com que trabalha o governo Dilma Rousseff para os próximos meses e anos. Trata-se de um reconhecimento tácito de que o modelo de crescimento, baseado na forte expansão do consumo por meio do endividamento, se esgotou. “O modelo de muito dinheiro e dinheiro barato, que estimulou o consumo, acabou”, afirma uma fonte graduada do governo.
A comprovação de que o modelo anterior baseava-se no consumo está nas contas nacionais, apuradas pelo IBGE. A parcela do consumo do governo (considerada toda a administração pública e não apenas o governo federal) no Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 21,3% em 12 meses, segundo a curva de demanda agregada da economia calculada pelo Banco Central (BC). No ano fechado de 2013, segundo o IBGE, o consumo do governo chegou a 22% do PIB, um recorde histórico.
Incentivado pela política de aumentos reais do salário mínimo, dos programas de transferência de renda e pelo crédito, cuja participação no PIB saltou de 24% para mais de 50% do PIB em dez anos, o consumo das famílias também atingiu níveis recordes. No ano passado, respondeu por 62,5% do PIB – em 2008, estava em 58,9% do PIB (ver quadro).
Tudo isso provocou o aumento da absorção doméstica, como mostra a evolução das contas externas. Em 2004, o país obteve superávit de 1,8% do PIB em transações correntes. Nos anos seguintes, à medida que o consumo foi aumentando, o saldo encolheu e depois entrou em território negativo, fechando 2013 com déficit de 3,6% do PIB. “A renda da população vinha crescendo a uma média de 10% ao ano, enquanto a dívida avançava 30%. Isso era insustentável. A partir de agora, a tendência é que o crédito cresça mais próximo da taxa de crescimento da renda disponível”, diz uma fonte. “Esse ritmo de endividamento não cabe mais no orçamento das famílias. E o que vale para as famílias, vale para o governo.”
Neste momento, o governo vê o início da reversão do modelo. Na prática, o primeiro sinal de mudança surgiu no começo do ano passado, quando o Banco Central constatou, poucos meses depois de levar à taxa básica de juros (Selic) à mínima histórica (7,25% ao ano, com juro real abaixo de 2%), que seria obrigado a iniciar um novo aperto monetário porque a inflação não estava dando trégua.
Antes disso, alguns preços da economia já refletiam a transição para uma nova realidade econômica. A taxa de câmbio, por exemplo, depreciou fortemente nos últimos anos. Em 2012, o câmbio médio depreciou 16,7% em relação ao de 2011, e o de 2013, 10,4% quando comparado ao de 2012. Já se identificou também uma moderação na absorção doméstica, que estaria se aproximando mais do ritmo de crescimento da oferta. “Isso abre mais espaço para as exportações nesse processo de ajustamento da economia”, observa uma fonte.
No período de consumo acelerado, a taxa de investimento, calculada com base na Formação Bruta de Capital Fixo, indicador que reflete os gastos com máquinas, equipamentos e construção civil, expandiu-se no início do ciclo, mas, a partir de 2011, perdeu fôlego e recuou. No novo modelo, a redução do ritmo de consumo das famílias e do governo e o aumento da absorção externa (exportações), em tese, favorecerão o aumento dos investimentos.
Do lado da oferta, o que se viu nos anos recentes foi uma expansão acelerada do setor de serviços e a estagnação da indústria. No mesmo período, a competitiva agricultura brasileira continuou crescendo. “Nos próximos anos, a tendência é termos a indústria com ambiente mais favorável e também o agronegócio, setores que comercializam com o mundo”, diz um técnico, para quem, a recuperação das economias desenvolvidas, lideradas pelos EUA, pavimentarão esse caminho. “O setor de serviços continua a crescer, mas não tanto quanto nos últimos anos.”
Integrantes da área econômica do governo não alimentam ilusões quanto às taxas de crescimento do PIB neste e nos próximos anos. Em 2014, o país deve expandir-se a uma velocidade em linha com a do ano passado (2,3%), fechando o quarto ano consecutivo de baixo crescimento. A expectativa, na verdade, é otimista quando comparada à mediana das opiniões captadas pelo Boletim Focus do BC, de 1,68%. A perspectiva para 2015 também não é animadora. “2015 não terá um PIB muito diferente do de 2014”, reconhece fonte graduada do governo.
A esperança é que, após a transição do modelo, o Brasil cresça de forma mais equilibrada, produzindo um crescimento, nas palavras de um economista oficial, de “maior qualidade”, resultado de uma equação que combinaria mais setor privado e menos governo, mais absorção externa e menos doméstica, mais agricultura e indústria e menos serviços.
O governo acredita que, concluída a transição, o país voltará a crescer de forma mais rápida. Nos últimos três anos, a expansão média anual caiu para 2%, menos da metade do período entre 2004 e 2010. “Está se consolidando a visão de que a economia brasileira só consegue crescer entre 1,5% e 2%. Nem no período da hiperinflação cresceu tão pouco. Acho pouco provável”, assinala um técnico. “Depois de melhorarmos a qualidade do crescimento, teremos mais crescimento”, aposta.
A mudança na economia será mais rápida e bem-sucedida, reconhece um importante ator da equipe econômica, se alguns desafios de curto prazo foram superados. O principal deles é a confiança dos empresários na política econômica, abalada por uma série de decisões nos últimos três anos não surtiram o efeito esperado: em vez de aceleração, houve desaceleração do PIB.
Agora é como se o governo estivesse correndo contra o tempo para consertar estragos. Estariam nesse contexto a política do BC para controlar a inflação e a promessa de entrega de superávirt primário de 1,9% do PIB. O problema é que isso está sendo feito em pleno ano eleitoral, quando o espaço de manobra diminui sensivelmente, e em meio a uma crise na área de energia. Nesse ambiente, falta confiança para o setor produtivo investir mais e, assim, mudar a equação do crescimento.