O ritmo dos embarques de soja nos portos brasileiros, bastante acelerado nos primeiros meses de 2014, começa a dar sinais de arrefecimento. A programação para o carregamento da oleaginosa (line up) indicava ontem um volume total de 6,09 milhões de toneladas, 56% menos que no mesmo período do ano passado (13,88 milhões), conforme dados da SA Commodities Consultoria e da Unimar Agenciamentos. Mas essa desaceleração está longe de significar um problema para produtores e tradings que atuam no país, que sofreram menos com problemas logísticos nos primeiros meses do ano e souberam aproveitar a forte demanda.
No primeiro quadrimestre, as exportações de soja em grão do Brasil somaram 17,3 milhões de toneladas e renderam US$ 8,686 bilhões, conforme dados da Abiove, associação que reúne indústrias de óleos vegetais que atuam no país. Em volume, o crescimento em relação a igual intervalo de 2013 foi de 48%, enquanto a receita subiu 39,5%. O preço médio da tonelada exportada confirmou as expectativas e diminuiu 17,1% nessa comparação, para US$ 502.
Depois desse expressivo incremento, portanto, era mesmo de se esperar alguma acomodação, até porque os embarques normalmente começam a perder força em meados do ano, na medida em que a colheita dos primeiros meses vai ficando para trás e a concorrência com exportadores do Hemisfério Norte – os EUA entre eles -, que começam a escoar sua produção no início do segundo semestre, fica mais acirrada.
E a aceleração das exportações, facilitada pela queda dos embarques de milho no período – não houve, como no ano passado, “concorrência” entre os grãos nos portos -, também ajudou a evitar os tradicionais gargalos de armazenagem que marcam algumas regiões do país, especialmente no Centro-Oeste. No porto de Santos (SP), o tempo médio de espera para embarcar a soja nos navios recuou de 24 dias, no início de 2013, para 18 dias neste ano, de acordo com Nicolle Alves de Castro, analista da SA Commodities.
“O clima favorável e o agendamento para a chegada de caminhões em Santos e também em Paranaguá [PR] ajudaram a melhorar o fluxo”, diz Nicolle. Como não têm cobertura, os terminais ficam à mercê das chuvas, mas a escassez de precipitações no início do ano colaborou para que os carregamento de navios não fossem interrompidos.
O número de embarcações aguardando para atracação também está menor, segundo a SA Commodities. Há um ano, havia 33 navios em Santos e 72 em Paranaguá; na manhã de ontem, eram sete e 29, respectivamente. A consultoria calcula que 110 navios estão programados para chegar aos portos brasileiros para carregar soja, ante 245 há um ano.
O freio na escalada de compras de soja pela China, cujo apetite puxou as fortes vendas brasileiras no primeiro quadrimestre, agora também se reflete no line up reduzido nos portos brasileiros. Há pouco mais de um mês, os chineses passaram a promover cancelamentos e triangulações de cargas devido à incapacidade de receber toda a soja que contrataram. Para Francisco Peres, da Labhoro Corretora de Mercadorias, somente agora o Brasil está sentindo o esfriamento no ritmo de compra do parceiro asiático. “É como dar um ‘cavalinho de pau’ em um transatlântico, os efeitos demoram a aparecer”, afirma.
Não há dados oficiais, mas o mercado especula que, desde o fim de março, a China tenha cancelado pelo menos 500 mil toneladas de soja do Brasil, e que teria reencaminhado um volume adicional de 1 milhão de toneladas para os EUA. Na quarta-feira, o Shandong Sunrise Group, maior comprador de soja da China, informou que decidiu não promover calotes para “proteger o relacionamento com fornecedores”, de acordo com a agência Reuters. “Mas o fato é que grupos menores não estão nem aí, não quiseram ‘engolir’ o prejuízo e deram calote”, afirma Pedro Dejneka, presidente da PHDerivativos Consultoria, em Chicago.
Os chineses também já estão com as atenções divididas entre o fim da colheita de soja na América do Sul e o avanço do plantio da safra 2014/15 nos EUA. A expectativa é que os americanos tenham uma produção recorde da commodity, de 98,9 milhões de toneladas, nas contas do Departamento de Agricultura do país (USDA) – o que deve animar os chineses a buscar barganhas por lá.
De todo modo, Amaryllis Romano, economista da Tendências Consultoria, não vê sinais de queda expressiva na demanda pela oleaginosa brasileira. “O Brasil deve exportar 48 milhões de toneladas este ano, sendo 68% a 70% [32,6 milhões a 33,6 milhões] para a China”. A estimativa da Abiove é menor (43 milhões), mas ainda um pouco acima das 42,8 milhões de toneladas de 2013, quando 76% da soja brasileira (32,9 milhões de toneladas) foi destinada ao país asiático. Ou seja, se as projeções se confirmarem, ainda há pelo menos 25 milhões de toneladas do grão a serem encaminhadas pelo Brasil ao exterior até dezembro próximo.