As trocas de insumos por grãos em operações conhecidas como “barter”, que perderam força no país nos últimos anos, tendem a recuperar espaço na safra 2014/15, cujo plantio terá início em meados de setembro. Capitalizados após pelo menos quatro safras de boa rentabilidade (sobretudo com a soja), o que lhes permitiu usar recursos próprios na compra de sementes, fertilizantes e agroquímicos, os produtores brasileiros encaram agora um cenário de preços deprimidos e margens de lucro mais apertadas – o que reacendeu o interesse pela operação.
“Como deve sobrar menos dinheiro, é possível que o agricultor volte a procurar mais o barter”, afirma Ivan Sampaio, gerente de informação do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Nas contas da entidade, essa modalidade respondeu por 13% das vendas de defensivos agrícolas no Brasil no ciclo 2007/08, o equivalente a US$ 700 milhões. Na recém-encerrada safra 2013/14, porém, estima-se que esse percentual tenha ficado em meros 4%, ou US$ 460 milhões.
“Muitos produtores caíram fora do barter nos últimos anos, com exceção daqueles que continuaram a abrir [novas] áreas [de plantio] e usaram esse financiamento para não ficar com o caixa tão apertado no dia a dia”, diz Almir Dalpasquale, presidente da Aprosoja Brasil, que representa produtores de grãos. Parte dos agricultores também se incomodava com os pacotes de insumos oferecidos. “Às vezes, eles tinham de ‘engolir’ produtos que não queriam”.
O barter despontou na década de 1990, impulsionado pela escassez de crédito rural no Brasil. Desde então, indústrias de insumos, ao lado de revendedoras e tradings, passaram a oferecer esse tipo de financiamento. Na prática, o agricultor recebe os insumos e paga com os grãos a serem colhidos meses depois. O lastro da operação é a Cédula de Produto Rural (CPR), que os agricultores emitem como garantia de entrega.
Como as relações de troca são travadas na contratação, o barter permite que o produtor se proteja das oscilações de preço e câmbio do plantio à colheita, sem recorrer a instrumentos de hedge mais caros no mercado futuro. “Essa operação será sempre importante, mas o que acontecer em 2014/15 servirá para balizar muito do que vai acontecer daqui para frente”, diz Dalpasquale.
A consultoria FCStone já traduziu em números a piora esperada para 2014/15. A consultoria prevê que a rentabilidade média da soja em Mato Grosso ficará em 23% do valor da tonelada comercializada, a menor em cinco anos – em 2010/11, eram 36%. A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), por sua vez, crê que a atual curva de baixa nos preços dos grãos complicará a vida dos produtores de soja e milho do país nas próximas duas safras, como já informou o Valor.
Diante desse cenário, a multinacional alemã Bayer CropScience, fabricante de sementes e defensivos e uma das mais importantes operadoras de barter no país, já percebe um maior interesse por esse tipo de financiamento na nova temporada. “Os relatos da nossa rede de distribuição é que cerca de 40% das vendas têm saído por meio de trocas, nível maior que nos últimos quatro anos”, afirma Matias Correch, diretor-executivo de finanças e administração da empresa no Brasil.
São os primeiros indicativos de uma reação, que ainda não ganhou contornos mais definidos porque o produtor postergou a compra de insumos. Normalmente, diz Correch, há uma procura significativa por insumos já em março, mas para o ciclo 2014/15 o movimento só foi sentido com mais força desde junho. “A decisão do ‘mix’ de culturas está mais difícil, o que atrasou a escolha das tecnologias pelo produtor”, afirma ele.
Ao retardar o fechamento das trocas, o produtor acabou perdendo melhores oportunidades de negócio, segundo Paulo Fachin, presidente da Agrex do Brasil (antiga Ceagro), que atua na comercialização de insumos e negociação de grãos. De acordo com Fachin, muitos produtores mostraram certa resistência em fazer barter quando o preço da soja caiu a US$ 12 por bushel na bolsa de Chicago, entre maio e junho. “A cotação já está mais de um dólar abaixo, então a relação de troca está muito pior atualmente”, conta.
Há cinco anos, 60% da comercialização de insumos da Ceagro era feita via barter. Na última safra 2013/14, o percentual caiu para 30% (pouco mais de US$ 100 milhões). “Os agricultores estão mais capitalizados que no passado, têm mais patrimônio, mas não sei o quanto estão preparados para um ciclo de maiores dificuldades”, observa Fachin.
O banco holandês Rabobank não chegou a sentir uma queda da procura pelo barter, mas viu desacelerar o ritmo de crescimento do negócio. “Outros players sentiram mais do que nós, porque ainda estamos formando nossa carteira de clientes”, afirma Ana Beatriz Passos, gerente de operações estruturadas da instituição no Brasil.
O banco começou a trabalhar com barter em 2008, financiando clientes das empresas de insumos, sejam produtores ou distribuidores. Desde então, a operação vinha avançando a taxas de 30% ao ano – mas, na temporada 2013/14, essa taxa deve ter ficado em 15% a 20%.
O Rabobank não revela quanto movimenta via barter, mas permanece firme com suas apostas na modalidade, que responde hoje por 50% da carteira de crédito ao segmento de insumos do banco no país. “Nossa expectativa é voltar aos 30% de crescimento anual em 2014/15”, afirma Ana Beatriz.