À medida que a colheita de setembro se aproxima, o país caminha para registrar outra safra abundante pelo 11º ano seguido. Mas a produção é excessiva, mesmo para o país mais populoso do mundo, criando um dilema para os legisladores.
Estimativas da mídia estatal afirmam que o governo está diante de 150 milhões de toneladas de grãos, incluindo os três mais importantes produtos da China: arroz, trigo e milho. É o dobro das 75 milhões de toneladas do ano passado, provocando um superabastecimento que está derrubando os preços.
“As autoridades da China sempre falam numa colheita enorme”, diz Fred Gale, economista do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA. “Soa como uma coisa boa, já que estavam preocupados em atender a demanda. Mas, agora, a China parece às voltas com excedentes de todas as suas commodities.”
A abundância de grãos está sendo enaltecida em um país que sofria com a fome e a escassez aguda de alimentos há apenas algumas décadas. Mas a China está pagando bem mais que o necessário para alimentar seus habitantes e será forçada a vender barato seu excedente num mercado global que já enfrenta excesso de oferta, o que deve derrubar os preços ainda mais.
A situação expôs os caros e ineficientes subsídios do governo, que visam manter a renda dos agricultores. Pequim está tentando proteger os habitantes da zona rural enquanto reduz a produção dessas commodities para economizar dinheiro e diminuir os excedentes.
É difícil calcular o tamanho e os custos do programa de subsídio. Dados oficiais mostram que a China compra cerca de 30% da produção de milho. Uma estimativa da mídia estatal afirma que o governo gastou US$ 36 bilhões nos últimos dois anos para comprar milho quando o preço de mercado caiu abaixo do piso.
“Os estoques são absolutamente gigantescos, totalmente além de algo justificável comercialmente”, diz Thomas Pugh, economista da Capital Economics, em Londres. “São bens perecíveis, então eles vão começar a se deteriorar.” Ele estima que a China possua cerca de 40% dos estoques mundiais de milho. O país planeja construir armazéns para mais 50 milhões de toneladas de grãos até 2015 para atender o volume excedente, segundo a mídia estatal.
Cerca de 70% do consumo de milho da China vai para a ração de rebanhos devido ao rápido crescimento do consumo de carne no país. O restante é processado em xaropes e amidos.
A questão é um problema particularmente incômodo para a China este ano porque a produção também está elevada nos EUA, o que tem derrubado os preços para os menores níveis em quase quatro anos, enquanto os preços chineses permaneceram altos devido aos subsídios. Isso incentiva os operadores chineses a comprar milho de fora do país, o que agrava ainda mais a situação dos já gigantescos estoques, diz Jikun Huang, diretor do Centro de Políticas Agrícolas da China, em Pequim.
O USDA previu este mês que a produção de milho dos EUA irá superar os 14 bilhões de bushels (356 milhões de toneladas), bem acima do recorde de 2013.
Na Bolsa de Commodities de Dalian, na China, o milho era negociado a 2.390 yuans (US$ 388) por tonelada na segunda-feira, ante o equivalente a 890 yuans na Bolsa de Chicago.
A China tentou limitar as importações americanas neste ano, alegando a presença de cepas de grãos geneticamente modificados. Mas Huang diz que os operadores estão importando outros alimentos substitutos para serem incluídos na ração, como cevada e sorgo.
E não está sendo fácil para a China se livrar desses seus estoques. Um recente leilão governamental de milho conseguiu vender apenas 20% do que foi oferecido, a um preço de 2.200 yuans por tonelada, “mais que o dobro do que as fábricas de ração americanas estão pagando pelo milho agora”, diz Gale, do USDA.
O governo já sinalizou que reconhece o problema. O premiê chinês Li Keqiang foi fotografado em visitas a depósitos de grãos recentemente.
“No passado, nós focamos na expansão da produção e na qualidade do grão […] agora nós precisamos de reformas para comprar, vender e armazenar melhor, para contribuir para a segurança nacional”, disse Li em declaração ao site do órgão estatal que administra os grãos.
O excesso de milho da China veio num momento ruim para os agricultores americanos. Os contratos futuros de milho nos EUA já caíram 15% este ano, depois de terem recuado 40% em 2013, e a falta de interesse da China em comprar o milho americano irá pressionar ainda mais os preços, diz Jason Britt, presidente da corretora Central States Commodities Inc. “[A ausência das compras da] China tem sido um fator que contribuiu para esses preços baixos”, diz. “Agora, o trabalho do mercado é recuar para um nível em que a demanda apareça.”
Em janeiro, o governo chinês anunciou que testaria um programa para acabar com os estoques de algodão e soja, commodities estrategicamente menos importantes, e criaria um sistema de preço-alvo para que os preços dessas commodities fossem definidos mais pelo mercado.
A China também está em meio a um processo para vender seus estoques de dez milhões de toneladas de algodão desde 2013, o que significa que seu apetite para importar algodão deve cair nos próximos anos. Os preços já foram afetados. Nos EUA, os contratos futuros de algodão recuaram mais de 20% neste ano.
“O governo está na direção certa, passo a passo”, diz Cherry Zhang, analista de milho da Shanghai JC Intelligence Co. “Mas depende muito de como as mudanças no algodão e soja funcionarão na prática.”