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Entrevista

Nilo de Sá: O novo interlocutor da ABCS

Em entrevista, Nilo de Sá, novo diretor-executivo da ABCS, fala, entre outros assuntos, sobre as prioridades da entidade nos próximos anos e analisa os desafios que a suinocultura moderna.

Nilo de Sá: O novo interlocutor da ABCS

À frente de um projeto ousado e com um planejamento estratégico bem definido, a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) tem hoje como principal desafio multiplicar as ações que desenvolve no País. A opinião é de Nilo Chaves de Sá, novo diretor-executivo da entidade. Segundo ele, é preciso intensificar e capilarizar as ações do Projeto Nacional de Desenvolvimento da Suinocultura (PNDS), um esforço que, em sua opinião, é vital para que a suinocultura brasileira alcance sua tão almejada sustentabilidade econômica. “O PNDS é um projeto amplo, multidisciplinar, realizado em todas as etapas da produção. Trata-se de um trabalho abrangente, com foco muito bem definido, mas é preciso multiplicá-lo. O Brasil é um país de dimensões continentais, necessitamos intensificar as nossas ações se quisermos seguir avançando”, afirma.

Egresso da agroindústria, por onde trabalhou por mais de dez anos, Nilo de Sá assume a diretoria-executiva da ABCS com a incumbência de viabilizar novos avanços aos projetos da entidade. Tarefa nada fácil, mas que é encarada com serenidade pelo executivo. “A ABCS é uma associação estruturada, amplamente reconhecida, com um plano estratégico definido e que desenvolve um trabalho muito bem feito há anos. Estou pegando um avião que já está em velocidade de cruzeiro. O que preciso é ajudar esse avião a subir ainda mais”, diz.

De seu escritório em Brasília (DF), por telefone, Nilo de Sá gentilmente concedeu esta entrevista à Suinocultura Industrial.

Em mais de uma hora de conversa, o executivo falou sobre diferentes assuntos. Entre eles, as prioridades da ABCS para os próximos anos, as estratégias para aumentar o consumo de carne suína no País, as sucessivas crises enfrentadas pelo setor, os desafios que a suinocultura moderna vem impondo aos suinocultores, a luta pela inclusão da carne suína na PGPM, o avanço da PED e a necessidade de criação de um Fundo de Marketing. A íntegra da entrevista você confere a seguir.

Suinocultura Industrial – Sua contratação inicia um novo ciclo na ABCS. Como o senhor encara esta sua nova responsabilidade profissional?

Nilo de Sá –Com bastante entusiasmo e confiança. Antes de aceitar o convite, eu trabalhava na BRF, uma grande empresa, onde era responsável pela suinocultura de uma regional com 70 mil matrizes. O convite da ABCS me abriu a oportunidade de trabalhar para 1,7 milhão de matrizes, um salto exponencial, estimulante e desafiador. Trabalhar de maneira institucional para a suinocultura brasileira também me atrai muito. Se antes eu representava uma única marca, agora tenho a possibilidade de trabalhar por toda a cadeia produtiva. E se a cadeia produtiva ganha, ganham todos; sejam eles produtores, fornecedores de insumos ou frigoríficos. Assumir a diretoria-executiva da ABCS é uma oportunidade ímpar que me foi concedida. Assim que recebi o convite aceitei sem pestanejar.

SI – O sr. é médico veterinário, especializado em reprodução animal e egresso da indústria. De que forma sua experiência no campo vai ajudá-lo a desempenhar sua nova função?

NS -Minha experiência pregressa me deu uma formação técnica muito boa. Os dez anos que estive na BRF me permitiram desenvolver uma visão prática do campo. Vivi intensamente o dia-a-dia da suinocultura, em termos de produção, de aumento de produtividade, de eficiência, de controle sanitário etc. Foram desafios grandes, que me deram uma formação técnica muito sólida. Também tive experiência na gestão de pessoas e negócios. Eu era responsável por um grupo de veterinários e tinha que gerir a minha área como se fosse uma empresa independente, o que inclui a realização de controle orçamentário, análise da viabilidade de investimentos, entre outras coisas. No tempo que trabalhei na BRF também realizei um trabalho muito forte com as associações de [produtores] integrados. Rio Verde talvez tenha duas das associações de produtores mais organizadas e fortes do Brasil. Nesse período estive muito próximo deles e mantive um relacionamento bastante saudável com as associações.

SI – E de que forma essa sua experiência na área produtiva vai ajudá-lo em seu trabalho na ABCS?

NS –Acredito que toda essa experiência acumulada na área de gestão, relacionamento e negociação. A ABCS, embora seja uma associação, deve ser gerida como uma empresa. É óbvio que o objetivo da ABCS não é ter lucro – e é claro que nesse sentido é um pouco diferente da gestão tradicional – mas a entidade precisa ter uma saúde financeira estável. A ABCS precisa pagar suas contas e desenvolver suas atividades com os recursos que dispõe. Para isso é preciso uma boa gestão. Minha experiência no relacionamento com diferentes interlocutores também vai me ajudar nesta minha nova função. Na ABCS sempre vou estar em negociação com diferentes órgãos, sejam eles federais ou estaduais, com associações e representantes de diferentes elos da cadeia suinícola e do agronegócio. Nesse ponto o importante é sempre buscar estabelecer relações “ganha-ganha”, trabalhar pela sustentabilidade da cadeia. Os acordos têm que ser bons para todos. Para isso é preciso manter o diálogo aberto. Falar, ouvir, procurar entender o outro lado. É preciso que esteja claro que se um lado for muito beneficiado, o outro, em médio e longo prazos, pode quebrar. Essa vai ser uma parte muito importante de meu trabalho.

SI – Em sua opinião, quais serão seus principais desafios à frente da diretoria-executiva da ABCS?

NS –A ABCS é uma associação muito bem estruturada, amplamente reconhecida, com visibilidade e, o mais importante, com um plano estratégico muito bem definido. A ABCS já desenvolve um trabalho muito bem feito há anos. Estou pegando um avião que já está em velocidade de cruzeiro, o que preciso é ajudar este avião subir ainda mais alto.

SI – Mas quais serão suas prioridades?

NS –A ABCS trabalha em diferentes áreas, em diferentes setores. No campo político, por exemplo, precisamos lutar pela inclusão da carne suína na PGPM. Precisamos também concluir a lei da integração, que está no Senado e na Câmara [dos Deputados] e vem sendo tratada com diferentes associações. Estamos participando ativamente desse debate. Obviamente, uma de nossas grandes bandeiras é continuar alavancando o consumo de carne suína no Brasil. Entendemos ser este o ponto-chave para a sustentabilidade econômica de nossa cadeia. Não podemos depender tanto de nossas exportações, sobretudo porque o Brasil tem hoje uma carta de importadores relativamente pequena. Precisamos desenvolver o mercado interno para nossos produtos. Esse é o caminho de nossa sustentabilidade econômica.

SI – O sr. tocou em pontos importantes, o que me leva à próxima pergunta. A suinocultura vem se tornando uma atividade complexa. O dinamismo do setor, a volatilidade do mercado de grãos, as exigências ambientais, de segurança alimentar e bem-estar animal, o acirramento da competitividade entre as empresas são alguns dos fatores que vêm impondo transformações à atividade. Como o senhor avalia este momento da suinocultura?

NS -As pressões sobre o setor aumentaram muito nos últimos 15 anos. Não só em todas essas áreas que você citou, como também no campo da mão-de-obra, que hoje está escassa e cara no Brasil. A lição que se pode tirar disso é que não há mais espaço para amadorismo no nosso negócio. O suinocultor precisa ser profissional e atender todas as exigências relacionadas à produção, não só dentro como fora da granja, se quiser continuar no mercado. Não há escolha, temos que atender. São pressões que, mais dia menos dia, vão influenciar o modo como se produz o suíno, tanto lá fora quanto aqui. E essas cobranças tendem a aumentar. Temos, portanto, que buscar soluções economicamente viáveis para atendê-las. O Brasil vem respondendo bem a todas essas exigências, mas não podemos relaxar, temos que continuar avançando.

SI – Qual o papel da ABCS nesse sentido?

NS –O papel da ABCS é atuar como uma importante fonte de informação e qualificação dos produtores. Buscamos, seja através de seminários e workshops ou mesmo dentro dos trabalhos do PNDS, preparar os suinocultores para essa nova realidade. Já fizemos, por exemplo, inúmeros trabalhos de qualificação em granjas, sobretudo no Nordeste, região onde os produtores são mais carentes desse tipo de informação. A ABCS faz também a interlocução dos produtores com os órgãos federais, com os ministérios, sempre buscando a informação mais correta e transparente possível.

SI – O sr. falou em mão-de-obra, sobre a relação contratual entre agroindústrias e produtores e sobre a necessidade de continuar estimulando o consumo no mercado doméstico. Em sua opinião, quais são hoje os principais desafios da suinocultura brasileira?

NS –O primeiro está no aspecto sanitário. Temos que trabalhar pela manutenção do status sanitário de nossa suinocultura. E hoje podemos falar especificamente de duas doenças: a PED e a PRRS. Precisamos lutar com todas as nossas forças para manter o País livre dessas duas enfermidades, já que este é um de nossos grandes diferenciais. O segundo grande desafio é aumentar o consumo interno de carne suína. Cada brasileiro consome hoje 15 kg de carne suína por ano. É uma marca baixíssima. Se pegarmos a média dos países europeus – que é de 40-50 kg – vemos o quanto podemos avançar por aqui. Temos que trabalhar ainda para atender às pressões ambientais, de bem-estar animal e de segurança alimentar e também para combater a escassez e baixa qualificação de nossa mão-de-obra. Outros dois grandes desafios são a inclusão da carne suína na PGPM e o fortalecimento político da cadeia suinícola. Precisamos garantir uma maior representatividade política para nossa cadeia. Isso é fundamental.

SI – Gostaria de voltar o foco da entrevista para algumas questões estruturais do setor. Crises não são novidade para a suinocultura. Nem tampouco privilégio da atividade. Porém, de dez anos para cá, as crises continuam cíclicas, mas o espaço entre elas diminuiu, ao mesmo tempo em que seus efeitos parecem ter ficado mais severos. Como o sr. analisa esse movimento?

NS –Alguns pontos podem explicar esse movimento. O primeiro deles é a globalização da economia mundial, que nos últimos 20 anos teve um impacto direto em todos os países e em todas as cadeias produtivas. Tudo está muito interligado nos dias de hoje. Em 2012, por exemplo, uma forte seca nos Estados Unidos prejudicou a safra de lá e elevou o preço do farelo de soja no mercado internacional. No Brasil o preço desse insumo dobrou de preço num curto espaço de tempo. Isso mostra a volatilidade do mercado de grãos. O comércio entre os países também se intensificou nos últimos 20 anos e a existência de barreiras tarifárias, sejam elas técnicas ou não, muitas vezes prejudica o andamento do setor. Hoje, qualquer alteração no cenário político-econômico internacional interfere no nosso mercado. Em minha leitura, portanto, esse espaço mais curto entre os ciclos de crise está muito relacionado com isso. A globalização tornou o mundo muito interligado. Hoje, tudo o que acontece fora do Brasil tem um efeito direto no nosso mercado.

SI – Seriam basicamente os efeitos da globalização…

NS –Não apenas eles. Outro acontecimento que pode ter influência nesse movimento é a concentração de matrizes. Se formos analisar, nos últimos anos, com as crises, os produtores de pequeno porte foram deixando a atividade. E essas matrizes foram absorvidas, em sua maioria, por grandes produtores. Grandes produtores, em tese, estão mais organizados e, por extensão, mais preparados para enfrentar crises. Mas não são todos. E no caso de grandes e médios produtores que não conseguem suportar a crise, o estrago é enorme. Isso acontece e também tem influência nesse movimento.

SI – Como o sr. disse, a ocorrência de sucessivas crises tem tirado muitos produtores do mercado. O alojamento de matrizes vem diminuindo no mercado spot e tem crescido nas integrações e cooperativas. Esse movimento de concentração no setor suinícola é preocupante?

NS -Acredito que não. É um ajuste natural da cadeia. As crises, de certa forma, acabam tirando do mercado os produtores menos preparados e de menor porte. Por outro lado, essa pressão profissionaliza o setor, pois só sobrevivem os produtores mais preparados, profissionais, eficientes. Em um momento não favorável da suinocultura a tendência é que aconteçam duas coisas. Ou os produtores se agrupam e formam uma cooperativa ou migram para a o sistema de integração. Constituir uma cooperativa é uma boa maneira de reduzir custos, otimizar “n” fatores de produção e ganhar força nas negociações. Já ao migrar para a integração, o produtor terá boa parte de seus custos de produção absorvidos pela agroindústria. Entendo esse movimento como natural.

SI – Mas esse movimento não pode culminar no fim da produção independente?

NS- Não, o mercado spot nunca vai acabar. Sempre vai haver espaço para o produtor independente. Sempre vai haver suinocultores independentes preparados, organizados, que têm condições de suportar períodos difíceis. A própria agroindústria trabalha pela manutenção do mercado spot. É estratégico para ela. Num momento de crise, em vez de a agroindústria reduzir sua produção ela simplesmente para de comprar. Não acredito que o mercado spotvá desaparecer. Esse deslocamento é uma questão natural do mercado. O que temos é o seguinte: as pressões sobre a produção de suínos é cada vez maior. Não há mais espaço para amadores. Infelizmente ou felizmente apenas os mais preparados, os mais profissionais, vão permanecer no mercado.

SI – Voltando à inclusão da carne suína na PGPM. Essa é uma luta histórica do setor e tem sido uma das bandeiras da ABCS. O senhor acha essa inclusão realmente possível?

NS –Sim, essa é uma aspiração justa da cadeia produtiva de suínos e a ABCS vem trabalhado forte para que isso aconteça. A inclusão da carne suína na PGPM é, inclusive, um compromisso do atual ministro da Agricultura [Neri Geller] para com nosso setor. Ele garantiu seu empenho para que isso aconteça. O que ocorreu é que houve alguns equívocos de interpretação por parte do Ministério da Fazenda durante os trâmites para a inclusão da carne suína na PGPM. E esses equívocos acabaram gerando entraves para sua aprovação. A ABCS vem trabalhando junto ao Ministério da Agricultura e da Fazenda para que esses obstáculos sejam superados o mais rápido possível. Essa é uma luta histórica dos suinocultores e vamos continuar trabalhando até que a inclusão seja aprovada.

SI – A ABCS vem trabalhando forte para aumentar o consumo per capita de carne suína no mercado interno. Quais são hoje os principais entraves para o avanço do consumo da carne suína no País?

NS- Tudo isso já foi avaliado e mensurado pela própria ABCS. O que acontece é que esbarramos no preconceito. O maior problema para o consumo da carne suína no Brasil ainda é o preconceito. Falta informação correta, de qualidade, sobre a carne suína, sobretudo em algumas regiões do País. Podemos usar o exemplo do Nordeste. A ABCS tem estudos que apontam que nessa região ainda há muito preconceito, muita desinformação, em relação à carne suína. Muitos ainda continuam com a percepção de que a carne suína é gordurosa, que é vetor de transmissão de doenças. Então, basicamente, o nosso problema é o preconceito.

SI – E o que é possível fazer para dirimir esses preconceitos?

NS- Preconceito se combate com informação. E é isso que a ABCS vem fazendo; fornecendo informação clara, confiável, aos consumidores. Na verdade, estamos explicando ao consumidor o que é a carne suína de hoje. Esse é um dos pilares do PNDS. Temos, nesse sentido, um grande trabalho com o Grupo Pão de Açúcar, que é a Semana Nacional da Carne Suína. Essa campanha conta com o suporte do Sebrae e vem apresentando resultados magníficos. O próprio Nordeste é um exemplo disso. Em 2012, quando realizamos a Semana

Nordestina da Carne Suína, uma loja do Grupo Pão de Açúcar registrou um aumento de mais de 150% em suas vendas. Já no ano passado, na maior ação de marketing da história do setor, a Semana Nacional da Carne Suína assinalou um incremento médio da ordem de 77% no consumo de carne suína nas lojas do Pão de Açúcar. E o importante é que todo esse trabalho é alicerçado na informação. Precisamos continuar trabalhando para levar informações de qualidade para o consumidor. A carne suína é um produto de extrema qualidade.

SI – O consumo de carne suína no Brasil está muito centrado nos itens industrializados em detrimento da carne in natura. É possível equilibrar esse consumo?

NS- Aqui cabe o mesmo raciocínio: nosso grande problema é o preconceito. Muita gente tem receio de consumir carne suína in natura. Teme contrair alguma doença ou acha que [a carne] é muito gordurosa. Mas essa mesma pessoa consome o presunto. E, na maioria das vezes, consome o presunto porque entende que aquele produto tem maior segurança alimentar, já que recebeu processamento térmico, foi cozido etc. Mas há situações ainda piores. O consumidor nem sabe que o presunto é derivado da carne suína, o que não é incomum. Isso chega até parecer piada, mas infelizmente não é. A pessoa não come carne suína, mas adora presunto. O fato é que, em muitos casos, as pessoas enxergam os processados como produtos com maior segurança alimentar. Entendemos que para aumentar o consumo de carne fresca é preciso quebrar o preconceito. É preciso desmistificar o consumo da carne suína. Outro ponto igualmente importante para alavancar o consumo é promover a oferta de cortes adequados à realidade dos consumidores, ou seja, em porções convenientes. Uma melhor exposição da carne suína in naturanas gôndolas dos supermercados também estimula o consumo.

SI – Nota-se hoje um grande esforço entre as grandes agroindústrias brasileiras em criar uma marca para seus produtos in natura. Está aí o exemplo da JBS Friboi, com campanhas milionárias. Como o senhor analisa esse esforço?

NS -Encaro isso com um processo natural. A ABCS não enxerga nada de negativo nesse esforço. Muito pelo contrário, trabalhamos de forma institucional, ou seja, trabalhamos pela carne suína, pela cadeia produtiva. Se conseguirmos alavancar e gerar essa demanda no mercado interno aí as marcas vão lutar para ocupar esse espaço. Isso é natural, em qualquer negócio é assim. Estamos falando de carne suína, mas poderíamos estar falando de carros, bicicleta, caneta. O que queremos é alavancar a cadeia. E aí as grandes redes vão brigar entre elas para consolidar cada vez mais a sua marca. E é óbvio que é bom para a cadeia se as agroindústrias, por iniciativa própria, também se dispuserem a fazer esse trabalho para estimular o consumo. Todos ganham. A ABCS não tem absolutamente nenhum tipo de restrição a esse trabalho. Ao contrário, queremos estimular a demanda, queremos ver a cadeia crescer.

SI – É que o marketing dessas agroindústrias, tradicionalmente, sempre esteve voltado à venda de produtos processados de carne suína. Na opinião do sr. o que vem motivando-as a investirem na criação de marcas para seus produtos frescos?

NS- Acredito que seja o aumento da competitividade entre essas empresas. As recentes fusões e aquisições que ocorreram nos últimos anos criaram empresas muito grandes e fortes. Quantas empresas nós temos no mercado hoje e quanto tínhamos há 20 anos? Isso acaba acirrando a competitividade. Empresas que antes tinham atuações regionais foram absorvidas e hoje viraram parte de empresas gigantes, com atuação mundial. E aí, obviamente, cada meio porcento de market share significa milhões, quiçá bilhões de faturamento. E aí elas têm que lutar pelo seu espaço.

SI – Essa nova postura das grandes agroindústrias, de investir na construção de uma marca para a sua carne fresca, não reforça entre os próprios produtores, a necessidade de, eles mesmos, investirem na divulgação de seu próprio produto?

NS –Sem dúvida e a ABCS já está trabalhando nesse sentido.

SI – O senhor se refere à criação de um Fundo formado pelos próprios suinocultores, a exemplo do que fazem outros países?

NS- Exatamente. Inclusive membros do Pork Checkoff [Fundo de Marketing dos suinocultores norte-americanos] estiveram no Brasil, há pouco tempo, para que pudéssemos trocar experiências. Eles ficaram surpresos ao ver o volume de ações executadas pela ABCS, mesmo sem a existência de um fundo. A experiência deles é inspiradora e nos serve de exemplo. Em maio deste ano a ABCS apresentou uma proposta [para formação de um Fundo de Marketing] a alguns frigoríficos. A reunião foi feita em São Paulo e todos os principais frigoríficos do Brasil estiveram representados. Entendemos que esse é um caminho inevitável. Mais do que isso, é condição sine qua nonpara o desenvolvimento da suinocultura brasileira. Se realmente queremos manter um nível de crescimento – e aqui vale sonhar alto – que nos permita chegar a um patamar de consumo europeu, é absolutamente vital para o setor criar e desenvolver esse Fundo.

SI – A ABCS já tem um modelo definido?

NS- Nossa intensão é criar um Fundo nos moldes do Pork Checkoff. Já estamos tratando dos aspectos legais de sua criação, mas operacionalmente temos pontos para serem definidos. Por exemplo, qual critério vai balizar o valor da contribuição? O valor será o mesmo independente do volume de produção? É coerente cobrar o mesmo valor de um pequeno produtor de uma cooperativa em Minas Gerais em comparação a uma empresa do porte da JBS ou BRF, por exemplo. Também estamos desenhando como será feita a gestão deste fundo, para que seja eficiente e transparente.

SI – O que a ABCS tem de concreto em relação à constituição do Fundo?

NS Não se trata de algo simples. É necessário criar um instituto, discutir modelos de governança, constituir um Conselho que auxilie nas ações do Fundo e ao mesmo tempo fiscalize os investimentos. Para isso é imprescindível a participação de toda a cadeia. Entendemos que esse é um caminho sem volta e o sucesso do Pork Checkoff nos EUA nos mostra isso. Precisamos fazer e contamos com o apoio de toda a cadeia. A criação do Fundo é fundamental para o aumento do consumo da carne suína no Brasil e, por extensão, para garantir a sustentabilidade econômica da suinocultura brasileira.

SI – Como as empresas do setor estão respondendo ao projeto?

NS – De forma bastante positiva. Nessa reunião realizada em maio, alguns frigoríficos já nos procuraram sinalizando interesse em participar. E já temos, inclusive, cooperativas retendo [recursos] desde o final do ano passado. Só que, como não temos ainda um instituto e todos os aspectos legais definidos, eles estão depositando o dinheiro numa conta bancária separada aguardando a criação do Fundo.

SI – Impossível falar com o sr. sem repercutir o avanço da PED pelo mundo. Como a ABCS vê a emergência desse vírus e que riscos ele traz à suinocultura brasileira?

NS- A PED nos preocupa muito. Qualquer país que tenha na suinocultura um setor importante está preocupado. Até por todos os estragos que essa doença causou e vem causando. A PED foi responsável pela morte de sete milhões de animais somente nos Estados Unidos. Isso representa a produção anual de aproximadamente 300 mil matrizes. É, praticamente, a produção de todo o Centro-Oeste brasileiro. O avanço da doença também nos preocupa. Já há casos da doença na Colômbia, que apesar de apresentarem baixa mortalidade, nos colocam em estado de alerta. Temos que estar muito atentos com qualquer episódio que possa causar risco à suinocultura brasileira.

SI – Como o sr. avalia o trabalho que vem sendo feito no País para evitar a entrada da doença?

NS –Está sendo feito um trabalho muito sério, um esforço conjunto. Desde a inauguração da EQC [Estação Quarentenária de Cananeia], fruto de uma parceria entre a iniciativa privada e o poder público e que contou com a participação da ABCS e Abegs [Associação Brasileira das Empresas de Genética de Suínos] até os cuidados tomados durante a Copa do Mundo tudo está funcionando bem. É importante ressaltar que cabe a todos nós do setor lutar pela manutenção do status sanitário da suinocultura brasileira, pensando nas medidas de prevenção que devem ser tomadas em cada granja. O status sanitário da suinocultura é um de nossos maiores patrimônios e sua manutenção é responsabilidade de toda a cadeia.

SI – A avaliação que a ABCS faz do trabalho do Mapa é positiva?

NS- Bastante positiva, o Mapa tem feito um trabalho sério e a ABCS confia muito no dr. Guilherme Marques [diretor do Departamento de Saúde Animal do Mapa]. Temos conversado bastante e ele tem se mostrado muito empenhado com a cadeia da suinocultura e muito solícito em atender todas as demandas que são apresentadas pela ABCS. O grande exemplo do que estou falando é a reativação da EQC. A principal fonte de infecção, de entrada de doenças, no rebanho de um país é a importação de animais. Por isso a importância de uma estação quarentenária moderna e de todo trabalho que está sendo feito por lá. Todo esse trabalho vem sendo capitaneado pelo Mapa.

SI – Muitos especialistas defendem a suspensão temporária da importação de material genético, medida não adotada pelo Mapa. Como a ABCS vê essa questão?

NS –O trabalho que vendo sendo feito pelo Mapa torna a adoção dessa medida desnecessária. Tenho plena confiança no trabalho que vem sendo feito. É preciso entender também que a suinocultura brasileira depende da importação de material genético para continuar garantindo a evolução de seu plantel. Os programas de melhoramento genético precisam continuar, senão criamos ou aumentamos o gapentre os Núcleos Genéticos situados fora do País e os daqui. Isso torna a importação de animais imprescindível. Querendo ou não, a importação de animais para melhoramento genético é muito importante para aumentar a eficiência da suinocultura brasileira. Estamos fazendo um trabalho sério, bem feito, e que minimiza os riscos dessa operação.

SI – O sr. falou em risco. Como avalia o grau de vulnerabilidade da suinocultura brasileira em relação ao PEDv?

NS- Temos uma fronteira seca muito grande e isso configura risco. O Brasil é um país de dimensões continentais. Toda a fronteira com o Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, nos coloca em risco. É um risco importante e que deve ser considerado. Temos feito um trabalho de conscientização muito forte com os suinocultores por conta disso. É preciso reforçar os protocolos de biossegurança, evitar visitas nas granjas, checar rigorosamente os insumos que entram nas propriedades. Outro ponto de risco importante é o trânsito de caminhões. Nos EUA é feito um trabalho de lavagem e desinfecção dos caminhões que transitam pelas propriedades. E o trabalho realizado por lá é muito distante do que temos no Brasil. Nesse ponto estamos bem mais atrasados. Os caminhões são pontos de risco bastante grandes para a entrada de patógenos nas granjas. Nosso risco pode ser considerado, pelo menos, como médio.

SI – Uma última pergunta para encerrar. Quais serão as prioridades do PNDS neste e nos próximos anos?

NS- O PNDS é um projeto amplo, multidisciplinar, realizado em todas as etapas da produção suinícola. Também temos feito um trabalho muito forte no varejo. São inúmeras as ações realizadas, que vão desde a base, com intervenções nas granjas para o aumento da produtividade, passando por ações na indústria, buscando aprimorar a qualidade dos produtos, até o varejo. E aqui posso citar a realização de consultoria técnica, capacitação, treinamentos teóricos e práticos nos diferentes segmentos da cadeia, oficinas gastronômicas, palestras educativas e de saudabilidade, elaboração de materiais informativos, entre várias outras ações. Para isso, contamos com a grande parceria do Sebrae, que nos dá orientação e recursos para que possamos realizar essas ações. Temos também uma grande vitrine que é a parceria com o Grupo Pão de Açúcar em nossa campanha de sensibilização dos consumidores. Trata-se de um trabalho abrangente, com foco bem definido, mas que precisa ser expandido. O Brasil é um país de dimensões continentais e nos falta recursos, tanto humano quanto financeiro, para que consigamos avançar com esse trabalho.

SI – O que nos remete mais uma vez ao Fundo…

NS- Se quisermos avançar com esse trabalho, atender outras redes varejistas, trabalhar com varejistas regionais, precisamos viabilizar o Fundo. Só assim poderemos multiplicar esse trabalho, torná-lo ainda maior. O exemplo do Nordeste é animador. São 50 milhões de pessoas e um consumo per capita de 6 kg. Entretanto, numa única campanha que foi feita obtivemos resultados surpreendentes. Uma única loja aumentou em 150% suas vendas. O potencial existe, só precisa ser trabalhado. Costumo dizer que sonhar grande ou pequeno dá o mesmo trabalho. Então vamos sonhar alto. Vamos pensar no futuro. Vamos projetar um consumo per capita de 30-35 kg no Brasil para daqui a 20 anos e trabalhar por isso, nos organizar para alcança-lo. A constituição de um Fundo de Marketing é uma condição para fazermos esse trabalho. O PNDS é um projeto fantástico, precisamos multiplicá-lo. Precisamos sonhar grande, planejar nosso futuro, plantar hoje, trabalhar e colher os frutos amanhã. Uma árvore não cresce de um dia para o outro.

A entrevista é parte integrante da edição 259 de Suinocultura Industrial. Saiba como ter acesso a revista digital completa aqui.