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Agricultura, fome e desperdício de alimentos - por Ricardo Ernesto Rose

A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior preocupação da humanidade.

Agricultura, fome e desperdício de alimentos - por Ricardo Ernesto Rose

A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior preocupação da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico, ainda desconhecendo a prática da agricultura, dependiam da coleta e, principalmente, da caça. Durante mais de 100 mil anos o homem moderno, o Homo Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e antílopes pelas estepes africanas e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies da Eurásia. Aproximadamente há oito mil anos, no final do último período glacial, a caça começa a minguar. Com o aumento da temperatura, o clima começou a mudar e com isso flora e fauna também passam por mudanças adaptativas. Os animais, que por milhares de anos eram abundantes e proporcionavam grandes quantidades de proteína, decresceram em numero, deslocaram-se para outras latitudes mais frias ou se tornaram extintos. 
Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se estendia da África à Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os antepassados dos povos indígenas já haviam chegado através de uma ponte de gelo cobrindo o estreito de Bering – iniciaram a primeira grande revolução da humanidade: a prática da agricultura. Observando o crescimento de plantas perto dos acampamentos, resultado da queda ocasional de sementes, os homens devem ter percebido que este processo poderia ser repetido em escala mais ampla, gerando volumes maiores de sementes. Nos vales pantanosos à época dos rios Tigre e Eufrates, na região onde atualmente se situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a agricultura passou a ser praticada pela primeira vez em larga escala a partir de 5.000 A.C. Cerca de milênio e meio depois, a atividade agrícola já havia se espalhado para outras regiões; como o vale do rio Nilo, no Egito; o vale do rio Amarelo, na China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia.
A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a história, sempre ocupando novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão das populações humanas. Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que se abriram na Europa, depois que gradualmente os povos celtas, germanos e eslavos foram cristianizados e incorporados ao império romano e depois ao carolíngio. Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram imensas extensões territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico, além de uma grande variedade de novas plantas comestíveis, como a batata, o milho, tomate, abacaxi, abacate, amendoim, baunilha, mandioca, feijão, cacau, pimentas, entre outras.
Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no entanto, sempre acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito Lívio nos informa sobre uma grande fome que teria assolado a República romana em 441 A.C. Pouco antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um período de grande carestia no então império Romano, provocada pelo saque da cidade, pelo rei visigodo Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência de uma estrutura político-administrativa estável, fez com que grande parte da Europa fosse afetada por períodos de carestia. A situação se tornou tão confusa, que em certas regiões da Europa, durante o século VIII, até ocorreram casos de canibalismo. As ocorrências de grandes carestias sucedem-se durante a Idade Média, em grande numero de países.
No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa o que se passou a chamar de “A Grande Fome”. Devido ao excesso de chuvas e frio em diversas regiões, perderam-se colheitas em extensas áreas, o que acabou provocando uma grande fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas morreram por falta de comida e em consequência de problemas sociais ligados à carestia, como o aumento de crimes, doenças e de assassinatos. Foi somente a partir de 1322 que a Europa conseguiu, aos poucos, se recuperar do terrível caos social que havia se instalado.

Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a partir das Grandes Navegações – muitos autores falam em uma globalização do consumo de certas plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda continuava a comer mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht Dürer (1471-1528), pintou em 1498 o famoso quadro “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, representando os maiores terrores da sociedade européia à época: a peste, a guerra, a fome e a morte.
Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e da utilização de fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade do século XIX nos Estados Unidos, que já despontavam como grande potência agrícola – que as colheitas se tornaram mais garantidas. Mesmo assim, a fome ainda era uma ameaça real para a maior parte da população mundial, provocando grandes fluxos migratórios, principalmente da Europa para as Américas. Uma lista detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo desde a Antiguidade até os dias atuais encontra-se em: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines.
Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para cientistas, políticos e empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O aparente problema da progressão aritmética no aumento da produção de alimentos, frente à progressão geométrica no crescimento populacional, ocupava grande parte das discussões acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média anual de crescimento da população mundial naquele período (2,1%), previa-se a explosão de uma bomba populacional. Mantido a taxa de crescimento, a população se multiplicaria oito vezes no espaço de um século, 64 vezes em dois séculos, 512 vezes em três séculos, 4.096 vezes em quatro séculos e 32.768 vezes no espaço de cinco séculos. Isto significava que a população mundial de três bilhões de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões de habitantes no ano de 2460; um número assustador. Muitos cientistas diziam que as previsões feitas pelo economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-1834) em seu “Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus efeitos passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona” poderiam se concretizar em um futuro próximo. A humanidade cresceria tanto em número, que não haveria mais alimento para todos. Esta foi, inclusive, a principal preocupação das primeiras reuniões do Clube de Roma, em 1968.
Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial começou a cair ao longo dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos dias atuais. Mas, não foi esse o principal motivo pelo qual as preocupações do Clube de Roma mudaram o foco do crescimento populacional para o crescimento da poluição. O que provocou uma verdadeira mudança na segurança alimentar mundial foi a introdução da assim chamada “Revolução Verde” na agricultura. A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug e prevê a mecanização da atividade agrícola, do plantio à colheita, associada ao uso de sementes geneticamente modificadas e insumos industriais (adubos e defensivos químicos). A disseminação destas tecnologias em todo o mundo a partir da década de 1970, fez com que as colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo menos aquele causado por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos últimos trinta anos. Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de recursos financeiros ou por especulação; mas esta não tem causas naturais.
Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos para grande parte da humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o desperdício de alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dão conta que no mundo são desperdiçados 1,3 bilhões de toneladas de comida ao ano. Um estudo preparado pela entidade, intitulado Global food; waste not; want not (Alimentos globais; não desperdice; não sinta falta), mostra que grande parte dos alimentos em todo o planeta é perdida, principalmente, por condições inadequadas de colheita, transporte e armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para os alimentos (maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos de validade rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo reportagem do site da BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são sequer colhidos, por não corresponderem aos padrões de aparência que agradam aos consumidores. Outro aspecto apresentado pelo relatório da FAO é que depois de comprados aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. O descarte de tão grande volume de alimentos representa uma perda de aproximadamente 550 bilhões de metros cúbicos de água, usados para produzir estas frutas e vegetais. Adicionalmente, segundo os cientistas, é preciso computar o volume de gases de efeito estufa (CO² e outros) emitidos para a produção e o transporte destes produtos, bem como o volume de metano (CH4) emitido quando de sua decomposição, sem terem sido consumidos.
Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as perdas e o desperdício de alimentos. A idéia, que surgiu durante a Rio+20, está sendo divulgada através de um site (www.thinkeatsave.org) no qual constam informações, relatórios, dados, dicas, eventos e iniciativas, sobre como economizar alimentos e evitar o desperdício. A idéia já estava em circulação há algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação para que fosse reduzido o desperdício de alimentos, que naquele ano chegou a 89 milhões de toneladas (equivalente a 179 Kg/ano/pessoa), com uma previsão de aumento para 126 milhões de toneladas até 2020.
O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é um dos maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a instituição, 35% de toda a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em torno de 27 milhões de toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu, publicados em 2003, informavam que 64% do que se plantava no País era perdido ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenagem; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; e 20% no processo de preparação dos alimentos e na alimentação.
A questão da produção de alimentos é parecida com a da produção de eletricidade. Se ao invés de continuamente aumentar a produção fossem introduzidas medidas de eficiência, o consumo – tanto dos alimentos quanto dos KWhs – seriam otimizados. Reduzindo o desperdício e gerindo o processo de produção, distribuição e consumo de uma maneira mais racional, não haveria necessidade de se fazer tantos investimentos no aumento da produção – seja de alimentos ou de energia. O melhor aproveitamento dos recursos diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e de geração de eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao meio ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os recursos são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.

Ricardo Ernesto Rose: Jornalista, graduado e pós-graduando em filosofia. Pós-graduado em gestão ambiental e sociologia. Atua nos setores de energia em meio ambiente desde 1992, na área de marketing de tecnologias. Diretor de meio ambiente da Câmara Brasil-Alemanha, é editor do blog “Da natureza e da cultura” (www.danaturezaedacultura.blogspot.com).