Um incidente local virou assunto mundial em poucos dias e colocou em cheque, para muitos consumidores, a credibilidade da moderna indústria de alimentação. Não foi aqui no Brasil, foi na Inglaterra, mas mostra o poder incendiário da combinação de mídia e segurança alimentar.
Foi um desastre de imagem, construído em cinco atos…
· Um supermercado de subúrbio, em Londres, desperta suspeita sobre hambúrgueres que estava vendendo.
· Testes com o produto revelam traços de DNA de cavalo.
· O episódio vai, então, parar nas manchetes e circuitos da internet pelo mundo, ganhando conotações de “escândalo” alimentar.
· Na onda do “escândalo”, novas avaliações foram feitas com outros alimentos e até lasanha com carne de cavalo foi encontrada.
· No rastreamento da lasanha, descobriu-se que entre a compra feita por mercados londrinos e a chegada da mercadoria houve uma operação que envolveu sete empresas em seis países, em um bem acabado exemplo de globalização e segmentação das cadeias produtivas.
Este último aspecto, aliás, pode ter deixado a autoridade sanitária europeia em alerta, pois embora a marca produtora tenha admitido que a lasanha era de cavalo, ficou claro que, em cadeias produtivas fragmentadas, é muito mais complexo mapear irregularidades e responsabilidades.
Pouco depois o caso cedeu lugar a outras manchetes, como é natural em nossa era de mídia. Mas um residual do episódio pode ter permanecido no inconsciente das pessoas, moldando suas percepções e crenças, no futuro.
Um fato como esse, aliás, encontra hoje um ambiente sociocultural extremamente favorável à sua dramatização e difusão, pois as pessoas estão cada vez mais propensas a pressionar a indústria sobre a origem e segurança dos alimentos.
É o que os norte-americanos chamam de “food movement” e tem a ver com novas tecnologias e sensores para análise dos produtos, redes sociais, aumento da informação e educação das pessoas. Não é à toa que um gigante como o McDonalds coloca no ar uma campanha de TV convidando o consumidor a entrar no site da empresa e conhecer de onde vem a batata, a alface e a carne que utilizam.
Na aldeia global, as pessoas não mais escolhem alimentos só por sabor, qualidade aparente e preço. Hoje as escolhas também são feitas por valores atrelados à ecologia, origem, sanidade, perfil nutricional e ética das marcas.
Na sociedade de consumo atual, o agronegócio tem que zelar pela responsabilidade de suas cadeias, prevenir e dialogar com a sociedade em tempo integral, pois os impactos negativos, quando acontecem, podem se tornar globais.
Sem contar o saldo de uma certa crise de confiança, inconsciente ou meio cismada, que pode subtrair valor percebido dos produtos em todas as escalas – de mercados nacionais ao grande comércio internacional.
Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing.