Quem percorre os quase 120 quilômetros de chão batido da rodovia Transcerrados (PI-397), que corta a Serra do Quilombo, no Piauí, depara-se com um cenário em transformação. Longas extensões de pequenas árvores de galhos retorcidos e arbustos postos no chão anunciam o avanço das lavouras de soja e milho sobre a chapada.
O Piauí integra aquela que é conhecida como a “última fronteira agrícola” do país – a porção de Cerrado que engloba ainda o sul do Maranhão, a parte leste do Tocantins e o oeste da Bahia e que ficou conhecida pelo acrônimo “Mapitoba”.
Nos últimos 10 anos, a área plantada com soja nessa região cresceu em mais de 1,7 milhão de hectares, para quase 3 milhões – pouco mais de 10% da área dedicada ao grão em todo o país na última safra. No período, a área ocupada com lavouras mais do que dobrou no Maranhão, triplicou no Tocantins e praticamente quintuplicou no Piauí. Mais de dois terços desse crescimento aconteceu a partir do ciclo 2005/06 – não à toa, quando os preços internacionais da commodity iniciaram sua escalada.
O que mais chama atenção em relação ao avanço da produção em uma das regiões mais pobres do país é o perfil desse crescimento. Trata-se de um fenômeno impulsionado pela chegada de grandes empresas de capital aberto, controladas por fundos estrangeiros ou por empresários nacionais ligados a outros ramos da economia. E que exploram um modelo de produção que combina altíssima escala, gestão profissional e acesso aos mercados de capitais.
Algumas dessas empresas surgiram apenas na segunda metade da última década, no ápice da febre global de investimentos em recursos naturais. São os casos da Agrifirma – fundada em fevereiro de 2008 com o apoio dos financistas britânicos Lord Rothschild e Jim Slater e que controla quase 70 mil hectares de terra agricultável na Bahia – e da Agrinvest do Brasil – criada em 2007 com o suporte financeiro do fundo americano Ridgefield Capital e que tem mais de 90 mil hectares de terras próprias ou arrendadas entre Piauí e Maranhão.
De acordo com levantamento do Valor, dez companhias com esse perfil já controlam (por meio de aquisições e arrendamentos) uma área agricultável superior a 1 milhão de hectares no “Mapitoba”. Entre elas estão SLC Agrícola, Vanguarda Agro e Brasilagro, que negociam ações na BM&FBovespa, além de Insolo (empresa controlada pela família Ioschpe), Agrinvest, Ceagro (holding controlada pelo grupo argentino Los Grobo), Tiba Agro, Agrifirma e XinguAgri (subsidiária da trading Multigrain).
Vindos do Sul do país, os primeiros produtores de soja chegaram ao “Mapitoba” ainda nos anos 1980, mas poucos sobreviveram à infraestrutura precária e às intempéries climáticas. Nos anos 1990, a cooperativa paranaense Batavo liderou o assentamento de dezenas de filhos de cooperados em 50 mil hectares na região de Balsas, no Maranhão, mas o projeto fracassou. Hoje, a região é ocupada basicamente por companhias como SLC, Agrinvest, Weisul e Ceagro. “As condições aqui são inviáveis para pequenos e médios produtores. Para sobreviver nessa região, é preciso ter escala e capital”, afirma André Debastiani, sócio da Agroconsult.
Os grandes grupos são atraídos ao Mapito pelo baixo preço da terra em relação às regiões produtoras já consolidadas – uma oportunidade para desenvolver áreas novas para o cultivo ou simplesmente especular com o valor dessas propriedades – e pela posição geográfica privilegiada em relação aos portos.
Segundo Emiliano Mellis, diretor de operações da Tiba Agro, ainda é possível adquirir, por um valor equivalente a 100 sacas de soja por hectare, áreas no Piauí e no Maranhão que, em Mato Grosso, não sairiam por menos de 250 sacas. Em 2007, diz, era possível comprar um hectare de soja no Piauí por 50 sacas. “Este é o preço de uma região de fronteira, onde faltam infraestrutura, mão de obra qualificada e prestadores de serviço”, pondera.
Controlada pela gestora de investimentos Vision Brazil Investments (fundada por dois ex-executivos do Bank of America e com aporte de US$ 300 milhões de cotistas americanos e europeus), a Tiba Agro tem cerca de 210 mil hectares no “Mapitoba”. A maior parte desse imenso recurso ainda não é utilizada. A Tiba planeja cultivar cerca de 16 mil hectares com soja no Piauí neste ano – o objetivo é alcançar até 2018 a marca de 40 mil hectares plantados no Estado, além de outros 60 mil no Maranhão e na Bahia.
Uma das maiores produtoras de grãos e algodão do país, a SLC tem quase 250 mil hectares entre fazendas próprias e arrendadas no Piauí, Maranhão e Bahia – das quais 150 mil cultivados. A região responde por pouco mais da metade da área plantada pelo grupo em todo o país. Segundo o diretor-presidente da SLC, Aurélio Pavinato, a região atrai não só pelo baixo preço da terra, mas pela diversificação em relação ao clima e à logística.
Pavinato explica que as condições meteorológicas são mais instáveis no “Mapitoba” do que em Mato Grosso, o que provoca maiores oscilações de produtividade – a região foi duramente castigada pela estiagem neste ano. Por outro lado, o menor volume de chuvas durante o período de colheita tende a favorecer a qualidade da produção – sobretudo no caso do algodão, cultura que responde por metade do faturamento do grupo. “Essa distribuição nos dá um melhor equilíbrio de risco entre quantidade e qualidade”.
O executivo afirma ainda que, apesar do estado precário das rodovias que cortam a região (percorrer a estrada da Batavo, que liga o antigo projeto da cooperativa paranaense a Campos Lindos, no Tocantins, é uma experiência digna de um rali), os custos com frete para o escoamento da safra do Mapitoba foram, em média, 30% inferiores aos de Mato Grosso nos últimos anos.
De modo geral, os produtores de grãos do cerrado nordestino estão quase mil quilômetros mais próximos dos portos – de Itaqui (MA) e Aratu (BA) – do que os de Mato Grosso, a quase 2 mil km do porto de Santos (SP). A perspectiva é que a logística dê um salto nos próximos anos. Obras como a ferrovia Transnordestina, ligando o município de Elizeu Martins (PI) ao Porto de Suape (PE), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), ligando Barreiras (BA) a Ilhéus (BA) e a construção de um novo terminal de grãos no porto de Itaqui (MA) aumentem de maneira significativa a capacidade de escoamento da produção na região.
Mellis destaca ainda o espaço para futuros ganhos de produtividade em uma região para a qual faltam variedades adaptadas e pesquisa sobre as melhores técnicas de manejo. “A curva tecnológica ainda não atingiu seu ápice. Não há na região uma unidade da Embrapa ou institutos de pesquisa como a Fundação MT, em Mato Grosso, e mesmo assim os resultados já são muito bons”.