O estudo com a projeção da demanda de energia elétrica para os próximos dez anos (2013-2022), realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Ministério de Minas e Energia, em dezembro de 2012, demonstra que o crescimento médio anual da demanda de eletricidade no Brasil passará dos atuais 447 mil gigawatts-hora (GWh) para 672 mil GWh até 2022, com uma variação média de 4,1% ao ano. Esse cálculo inclui tanto a energia consumida em domicílios, quanto em grandes polos industriais.
A geração nuclear responde por apenas 2,7% da matriz brasileira, segundo a Resenha Energética Brasileira de 2011, divulgada pelo MME. Mas, embora apresente baixa competitividade, essa energia é apontada por especialistas como uma grande aposta para os próximos anos, ideia fortalecida num momento em que os reservatórios estão em crise. “Se quisermos obter os mesmos números da China, precisamos investir no setor como um todo e no segmento nuclear em especial”, afirma o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva. A retomada do programa nuclear brasileiro com a conclusão das obras de Angra 3, prevista para o final de 2016, consolida essa estratégia.
Segundo Pinheiro, chegou o momento de o Brasil definir uma contribuição térmica para a base energética e as mais baratas são a nuclear ou o carvão. “A matriz nuclear tem uma geração contínua e oferece um bom prognóstico.”
Em 2012, Angra 1 e Angra 2 geraram juntas 16 milhões de MWh, o equivalente a um terço do consumo do Estado do Rio de Janeiro. Além de Angra 3, a expansão da capacidade nucleoelétrica prevista no Plano Nacional de Energia PNE-2030 inclui a construção de mais quatro reatores, dois no Nordeste e dois no Sudeste. Com isso, o parque nuclear passaria a produzir cerca de 7.300 MWh até 2030 e teria capacidade para operar por mais de 50 anos.
O investimento total de Angra 3 está orçado em R$ 13 bilhões, sendo 70% dos gastos efetuados no Brasil, com R$ 6 bilhões financiados pelo BNDES e o restante pela Caixa Econômica Federal.
Segundo Aquilino Senra, presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), com o aumento do número de reatores, a tendência é tornar a tarifa mais competitiva, com a redução de seu custo. A energia de Angra 3 custará cerca de R$ 150 o MWh, enquanto a de hidrelétricas custa em média R$ 70 o MWh. “A nuclear é compatível com a térmica e o gás natural”, afirma Senra. Ele reconhece que há um alto custo na instalação dos reatores, mas defende que a manutenção do parque não custa caro.
“Um dos problemas é o longo tempo na conclusão das obras, o que repercute na tarifa.” Enquanto no Brasil uma usina leva em média 10 anos para ficar pronta, na China este trabalho não é superior a cinco anos. “Há 26 novas usinas chinesas em construção com as mais modernas tecnologias de segurança. Essa agilidade possibilita um rápido retorno do investimento.”
Para Senra, a necessidade do uso da energia nuclear é irreversível. “A preocupação com os efeitos do aquecimento global é um dilema de escala mundial e precisa ser amenizado”, disse. Segundo o presidente da INB, as fontes renováveis de energia, como eólica e biomassa, têm importância, mas são apenas complementares. Com os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste no nível mais baixo dos últimos dez anos, com apenas 29,8% do total, Senra acredita que a geração nucleoelétrica será a única capaz de substituir a hidrelétrica, uma vez que o Brasil tem reservas de urânio e expertise para enriquecê-lo.
O físico nuclear José Hornos, do Instituto de Física de São Carlos/USP, afirma que não temos mais liberdade de escolha diante da crise nos reservatórios e da baixa competitividade dos biocombustíveis. “É preciso sair do obscurantismo, superar o estigma nuclear como origem de contaminações e bombas atômicas”, disse.
O debate sobre a energia nuclear se acirrou depois de 2011, quando um grande terremoto, seguido de um tsunami, atingiu o Japão e danificou o sistema de resfriamento na usina nuclear Daiichi Fukushima, resultando em um grave acidente. A tragédia matou mais de 20 mil pessoas. Porém, houve vazamento de material radioativo, o que levou à evacuação de cerca de 160 mil pessoas da região. Em reação, a maioria dos países nucleares anunciaram revisões de segurança nos reatores, mas apenas a Alemanha e a Itália decidiram eliminar gradualmente a energia nuclear ou abandonar seus programas.
No Brasil, R$ 300 milhões foram empregados em mecanismos extra de segurança no parque de Angra e os governos de Pernambuco e Bahia, antes empolgados, ficaram reticentes à instalação dos novos reatores. O físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, chama a atenção para o fato de que, após Fukushima, o Japão desativou 50 de seus 54 reatores. “Se um país com poucas alternativas energéticas e bastante comprometido com a energia atômica sem fins militares faz isso, por que o Brasil escolhe o oposto?”
Para o físico da USP, o Brasil possui diversas outras fontes limpas na matriz, como a energia eólica e a biomassa. “Estas são as bases que deveriam receber investimentos para se tornar competitivas”, afirma. Goldemberg prevê que nas próximas décadas a nucleoeletricidade será descartada. “Estudos da Internacional Energy Agency (IEA) demonstram que reatores que vem atingindo seu potencial máximo não têm sido renovados. A agência afirma que em 40 anos a energia nuclear como escopo de matriz energética perderá seu objetivo. Concordo plenamente.”
Segundo Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Clima & Energia do Greenpeace Brasil, a soma das energias solar, eólica e biomassa pode reduzir o uso da térmica e substituir a nuclear no país com mais segurança e menor impacto ambiental. Dados da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica) mostram que as 440 usinas brasileiras produzem 1.350 MW a partir do resíduo da cana, o suficiente para poupar 5% dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste. “Até 2020, a bioeletricidade tem potencial para fornecer 28 mil MW para a rede elétrica, o equivalente a duas usinas de Itaipu”, afirmou Baitelo.
O coordenador reconhece que o risco de acidentes nucleares é pequeno, mas faz um alerta para a questão dos resíduos radioativos. “Construímos reatores que operam por 50 anos e teremos resquícios que precisarão ser gerenciados por pelo menos mil anos”, disse. Para Baitelo, ao optar pela energia nuclear deixamos uma imensa conta pendente para as próximas gerações, que é administrar os resíduos. “Ainda não há uma solução definitiva para isso.”