Gata em Telhado de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof), escrita pelo dramaturgo norte-americano Tenessee Williams (1911-1983), se passa no Sul dos Estados Unidos, onde faz calor intenso no verão. Embora às vezes me passa pela cabeça a idéia de ir estudar artes para poder fazer uma crítica inteligente da obra (no cinema Elizabeth Taylor e Paul Newman estrearam no filme de 1958), este não é o objetivo deste artigo. Mas aproveito o título da peça para lembrar que em climas quentes, como é o do Brasil, o ganho solar do telhado é dominante em qualquer tipo de edificação e, assim como não é fácil para a gata caminhar sobre um telhado de zinco quente, também precisamos prestar atenção ao ganho de calor de telhados quentes em galpões de frangos de corte.
No mês passado escrevi que o ganho solar de telhados em galpões de frango pode ser maior que o calor gerado pelos frangos (cerca[1] de 4 W por kg). Hoje colocarei em foco estratégias geralmente utilizadas para evitar que este ganho solar entre nos galpões e cause estresse térmico nos frangos que tem dois efeitos negativos[2]:
- 1. Diminui o peso final do frango na hora do abate, e
- 2. Aumenta o fator de conversão alimentar.
Balanço Energético do Telhado
O balanço energético no telhado é o início para julgar o benefício de cada estratégia. A Figura 1 mostra todas as trocas de calor envolvidas no telhado. Uma parcela da radiação solar é absorvida e o restante é refletido para o firmamento. A radiação absorvida no espectro solar pelo telhado pode ser:
- Emitida no infravermelho para o céu,
- Transferida para o vento exterior por convecção ou
- Transmitida para o galpão através da telha e do isolamento térmico (quando este se encontra presente[3]), onde irradia as aves por infravermelho ou é dissipada por convecção para o ar interior.
Figura 1. Diagrama esquemático das trocas de calor envolvidas no telhado de um galpão de frangos de corte.
Eu sou um cientista em transferência de calor, tendo passado muitos anos estudando o assunto, de forma que, de uma maneira perversa e estranha, toda esta discussão dos detalhes de transferência de calor por convecção, radiação e condução, com a qual sempre me identifico, faz de mim um chato em ocasiões sociais. Os leitores desta publicação têm outras prioridades (como produzir frangos de corte) e perguntam: o que isto importa para mim? O fundamental para o produtor é minimizar o calor que entra no galpão através do telhado por radiação e convecção (e, em menor grau, através das paredes) e em certas ocasiões, o calor que sai do galpão. O calor que entra no galpão contribui para o estresse térmico das aves e precisa ser removido e o único possível mecanismo de dissipação deste calor é convecção para o ar externo.
Para analizar as estratégias que podem ser usadas para minimizar esta energia[4], escrevo de forma simplificada o balanço energético ilustrado na Figura 1. A equação que descreve o balanço energético (energia se conserva[5]) para o telhado é:
Como fazer para reduzir o calor que entra no galpão? A equação simplificada esclarece tudo de forma simples:
- 1. Aumentar a convecção para o ar externo
- 2. Reduzir a radiação solar absorvida pela superfície externa do telhado
- 3. Aumentar a radiação para o céu
- 4. Reduzir a condução através da telha e do isolamento
Vamos investigar cada uma das quatro estratégias acima, que foram ordenadas arbitrariamente[6].
Aumento da Convecção para o Ar Externo
As perdas de calor por convecção podem ser aumentadas das seguintes formas:
- Diminuir a temperatura do ar externo – não se controla[7].
- Aumentar a velocidade (e, em menor grau, a direção do vento) – não se controla[8].
- Alterar a geometria do telhado, incluindo a sua rugosidade – o efeito é secundário e muito pequeno. Não compensa.
Conclui-se que não há opções razoáveis para aumentar as perdas de calor do telhado por convecção.
Redução da Radiação Solar Absorvida pelas Telhas
A absorção solar pelo telhado pode ser reduzida:
- 1. Com sombreamento – A plantação de árvores é uma estratégia inteligente para sombrear o telhado. Podemos também considerar um telhado duplo, com um canal de ventilação entre as duas superfícies[9].
- 2. Com telhados frios – A redução da absortividade solar pode ser feita modificando a cor do telhado. Um grande esforço na área de edificações residenciais e comerciais se estabeleceu com a utilização de “telhados frios” (cool roofs). Telhados frios têm uma baixa absortividade solar. Superfícies com cores claras, principalmente a branca, reduz de forma significativa a absorção da radiação no espectro solar[10].
As duas estratégias poderiam estar presentes em todos os galpões em regiões quentes no mundo.
Não há grandes empecilhos com o plantio de árvores nas laterais de galpões, principalmente na parede norte nas regiões mais ao sul do Brasil. A Figura 2 mostra um galpão de frangos de corte em uma granja próxima a Maringá[11]. Repare que os galpões dos dois lados da fotografia têm árvores plantadas ao longo de seus comprimentos.
Figura 2. Exemplo de sombreamento de um galpão industrial.
Telhados refletivos são comuns em várias partes do mundo onde há grande irradiação solar. A Figura 3 mostra uma casa próxima a Fortaleza que tem telhas brancas. A temperatura externa de um telhado negro num dia quente e de sol passa de 80°C enquanto um telhado branco fica cerca de 25°C mais frio[12].
Figura 3. Casa com telhado branco em Fortaleza.
Mas telhados brancos têm o problema de não apresentar persistência na refletividade: com o passar do tempo, há depósitos de poeira que escurecem a superfície do telhado, aumentando a sua absortividade solar. Enquanto a refletividade de um novo telhado branco pode ser de 70% ou mais, com 3 anos de uso este valor se reduz a 55%. Tais telhados precisam ser lavados e, muitas vezes, repintados para continuar a manter a refletividade solar alta.
Aumento da Irradiação Infravermelha para o Céu
Materiais não-metálicos possuem uma grande emissividade, de forma que naturalmente irradiam bastante no espectro infravermelho. Por exemplo, uma superfície de fibrocimento tem uma emissividade no infravermelho de 80%. Por outro lado, outro material usado em telhados de galpões de frango de corte é o Aluzinc que tem uma emissividade muito menor em todo o espectro enquanto novo. Embora telhados metálicos (não-pintados) apresentem menor emissividade térmica, no caso de galpões, a menor emissividade de telhados de metal (exposto) não causa um prejuízo significativo no aumento de temperatura do telhado.
Redução da Condução através das Telhas
Finalmente, há interesse em reduzir a condução de calor através das telhas para dentro do galpão.
No Brasil muitos erroneamente acreditam que o forro de lona é uma estratégia para fazer tal isolamento. O forro tem como principal função a diminuição da área da seção de escoamento de ar, limitando-se assim o número de exaustores e mantendo uma velocidade de ar durante ventilação do galpão. Embora a existência do forro reduza o fluxo de calor radiante que entra no galpão, sua presença cria um bolsão de ar quente que tem uma temperatura superior a 60°C num dia de sol quente. Como o forro tem uma resistência à condução irrisória[13], a entrada de calor no galpão continua sendo elevada.
Alguns me perguntam se um forro de alumínio refletivo não seria uma boa alternativa. Alumínio é um material de baixa emissividade em todo o espectro e, por causa disto, funciona como uma barreira radiante interessante. O emprego do alumínio como forro reduz a radiação infravermelha que é emitida pelo forro sobre os frangos, diminuindo-se assim a sua carga térmica. Testes em galpões de frangos nos Estados Unidos mostraram que estes materiais são muito menos eficazes do que isolamentos térmicos tradicionais[14] (fibrosos ou espumas). Além de pouco eficientes no dia da instalação, galpões de frangos de corte não se mantêm limpos e há acúmulo de poeira sobre o alumínio, fazendo que ele perca completamente o seu desempenho. Melhor do que a ausência de qualquer forma de isolamento, o uso de isolamento fibroso ou de espuma é mais eficaz.
Nos Estados Unidos, onde todos os galpões de produção atuais são isolados, é mais comum encontramos isolamento fibroso sobre o forro. A Figura 4 mostra um galpão isolado com fibra de vidro[15] sobre o forro. O uso de isolamento térmico fibroso não acontece no Brasil porque a lavagem de todas as superfícies do galpão com jatos de água é tradicional, abaixo e acima da lona. Tal lavagem inviabiliza o uso de isolamentos fibrosos como fibra de vidro e celulose.
Figura 4. Isolamento de fibra de vidro sobre o forro de um galpão de frangos de corte no Alabama, USA (Cortesia de Jesse Campbell, Auburn University).
Alternativamente, pode-se isolar o efeito de calor vindo do telhado aplicando-se isolamento térmico rígido diretamente abaixo das telhas. Por exemplo, a Figura 5 mostra o uso de isolamento XPS[16] abaixo das telhas em um galpão de frangos de corte.
Figura 5. Isolamento de poliestireno extrudado (XPS) diretamente abaixo do telhado em Maringá.
Com o isolamento no plano do telhado, é possível fazer a vedação do galpão no plano do telhado, sendo possível remover a lona do projeto. Com isto, porém, há um aumento da área da seção transversal do galpão e o uso da ventilação com túnel exigiria um maior número de exaustores para manter a mesma velocidade do ar durante a ventilação. No galpão da Figura 5, isto foi resolvido com o uso de defletores que reduzem a área de escoamento. Mas, sobre ventilação, escrevo no futuro.
Conclusões
Ao lado do calor gerado pelos frangos, o ganho de calor solar no telhado é o maior que deve ser considerado. Há diversas estratégias importantes usadas em todo o mundo para diminuir a entrada de calor nos galpões pelo telhado. Neste artigo discuti os fatores que participam do balanço de energia no telhado e identifiquei os parâmetros que podem ser modificados para reduzir o ganho de calor através do telhado de galpões[17]. Eu recomendaria usar telhados refletivos sombreados por árvores com aplicação de isolamento térmico entre as telhas e o interior do galpão (diretamente abaixo das telhas ou no forro).
Marcus V. A. Bianchi, Ph.D., P.E., Owens Corning
Dr. Marcus V. A. Bianchi é Líder de Ciências da Construção (Building Science) na Owens Corning, um dos maiores fabricantes de materiais de construção no mundo, incluindo isolantes de fibras de vidro para paredes, tubos, dutos de ar, e outras aplicações, isolantes de poliestireno extrudado, telhas asfálticas e outros materias. Neste cargo, Bianchi é responsável pelo desenvolvimento de soluções sustentáveis em ciências da construção para tornar edificações mais confortáveis, duráveis, seguras, saudáveis e energeticamente eficientes.
Antes de trabalhar para a Owens Corning, Bianchi foi engenheiro senior do National Renewable Energy Laboratory (Golden, CO), onde ele trabalhou para o Departamento de Energia dos Estados Unidos em pesquisas relacionadas à remodelagem de edifícios residenciais para a diminuição do consumo de energia. Ele ainda trabalhou em ciências da construção na Johns Manville e eficiência energética de ar condicionado em edificações comerciais. Bianchi foi professor de engenharia mecânica da Colorado School of Mines, Colorado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Purdue University, Indiana.
Ele é formado em engenharia mecânica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), possui mestrado em engenharia mecânica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em engenharia mecânica na área de transferência de calor de Purdue University. Ele é engenheiro profissional do estado do Colorado.
[1] Este número depende do nível de atividade do frango; menos atividade, menor o número.
[2] Dr. Jody Purswell (USDA), juntamente com colaboradores, fez medições dos efeitos térmicos no ganho de peso e na conversão alimentar para frangos de 63 dias. Veja http://lib.dr.iastate.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1158&context=abe_eng_conf.
[3] Raramente nos galpões existentes no Brasil e sempre em quase todo o resto do mundo.
[4] Transferência de calor é uma forma de fluxo de energia.
[5] Primeira Lei da Termodinâmica
[6] O árbitro sou eu e escrevi assim para que o artigo se apresente melhor.
[7] A temperatura do ar externo é ditada pelo clima. Não é possível colocar o galpão dentro de outra edificação climatizada.
[8] A velocidade do vento é ditada pelo clima. Já pensou instalar um grande ventilador soprando sobre o galpão?
[9] Bill Miller (Oak Ridge National Laboratory) publicou estudos interessantes a respeito. Veja http://www.ornl.gov/sci/roofs+walls/staff/papers/19.pdf.
[10] As cidades brancas do sul da Espanha constituem um bom exemplo.
[11] A foto, tirada há poucos dias, conta ainda com o dono da granja, Valmor Ceratto. Ele escreve com frequência para Avicultura Industrial e é sempre paciente para explicar para este engenheiro conceitos sobre criação de frangos de corte.
[12] Veja artigo da NASA sobre um estudo feito em New York: http://www.nasa.gov/topics/earth/features/ny-roofs.html.
[13] Para constatar isto, basta observar a formação de condensação no forro em dias frios. Aliás, o emprego de isolamento térmico resolve também este problema.
[14] Veja o excelente artigo de Jim Donald (Auburn University) em http://www.aces.edu/poultryventilation/documents/InsulationPVP.pdf. Aliás, o artigo pode ser lido por todo o resto que é exibido sobre o uso de isolamento térmico em galpões de frangos.
[15] Celulose em flocos também é usada, mas vem sendo substituída porque os flocos migram para as laterais do forro com o tempo, abrindo o centro do forro para a entrada de calor.
[16] Telhas sanduíche de EPS também são usadas.
[17] As conclusões deste artigo não se limitam ao tratamento de galpões. Edificações comerciais e casas também se beneficiariam destas estratégias no clima quente do Brasil.