Em 2050, segundo diversas previsões, o nosso planeta terá uma população um pouco superior a nove bilhões de pessoas. O desafio de todos nós, no decorrer das próximas décadas, é garantir os meios para a produção de alimentos e energia em quantidade e qualidade suficientes para atender à demanda oriunda de uma população com dois bilhões de pessoas a mais do que hoje. Demanda esta que já sofre, e continuará sofrendo, mudanças mais na sua natureza do que no seu volume, o que resulta em aumento significativo de input de água e solo, para citar somente dois dos recursos mais utilizados. Esses meios precisam ser sustentáveis, tanto do ponto de vista econômico, como do social e do ambiental.
Cabe, neste contexto, destacar o papel da bioenergia, conceito mais abrangente que a agroenergia no que diz respeito a matérias-primas, por incluir também resíduos orgânicos urbanos como o lodo de esgoto. A energia oriunda de produtos e resíduos agrícolas e florestais é normalmente dividida em dois principais grupos: a bioeletricidade e os biocombustíveis, sendo que estes últimos podem ser subdivididos em sólidos, líquidos e gasosos. No Brasil, os biocombustíveis mais populares são o etanol e o biodiesel – o primeiro oriundo quase exclusivamente da cana-de-açúcar, e o segundo produzido principalmente do óleo de soja (aproximadamente 80%).
O Brasil se destaca, em nível mundial, por ter uma matriz energética muito limpa, com uma razão próxima a 1:1 entre fontes renováveis e não renováveis. A participação da bioenergia neste segundo grupo é exemplar. No entanto, uma análise mais profunda mostra que o nosso País está longe de utilizar em plenitude o potencial de produção e que tem todos os ingredientes necessários (área, água, biodiversidade, etc.) para manter-se como grande gerador de energia a partir de produtos e resíduos agrícolas, agroindustriais e florestais nas próximas décadas. Isto é verdade também para a produção de alimentos.
O que precisa ser feito para que o Brasil se mantenha como protagonista mundial quanto à produção de alimentos e bioenergia? A resposta para esta pergunta começa necessariamente pela continuidade das diversas ações que permitiram alcançar os ganhos de produtividade observados no decorrer das últimas quatro décadas. Ainda temos espaço para elevar a produtividade e é fundamental continuar investindo neste caminho. Porém, é certo que só aumento de produtividade não será suficiente. Precisamos também ampliar a área plantada, transferindo para o processo produtivo de alimentos e bioenergia parte da área de pastagens utilizada pela pecuária extensiva no Brasil. Isto de forma alguma prejudicaria a nossa produção de carne e leite, uma vez que já temos tecnologia para manter em espaços menores o mesmo rebanho que temos hoje e até mesmo ampliá-lo.
Uma parte importante da resposta tem a ver com a redução das perdas observadas no cultivo, na colheita e na distribuição dos produtos agrícolas. Perdemos parte considerável da nossa produção agrícola no caminho entre o agricultor e o consumidor. Em algumas cadeias produtivas, a perda chega a um terço de tudo que é produzido. Entre os principais vilões estão problemas fitossanitários de pré- e de pós-colheita, estoque e manuseio inapropriados, além de ampla dependência do transporte rodoviário em uma malha longe da ideal (em quantidade e qualidade).
Reduzir o desperdício é outra parte da resposta que merece grande atenção. Há dois tipos de desperdício. Um deles pode ser atribuído à compra e uso sem planejamento por parte do consumidor (famílias, restaurantes, etc.); o outro decorre da falta de iniciativas dos municípios para agregar valor ao resíduo vegetal que geram, e que, na maioria das vezes, acaba nos lixões. A redução do desperdício passa com certeza por um processo gradual de educar a população por meio de políticas públicas contínuas e de amplo alcance. Já a parte que cabe aos municípios, com ou sem apoio estadual ou federal, depende basicamente de conhecimento e de visão de futuro por parte dos governantes. Tecnologias existem para dar a cada cidade uma solução especifica, conectada com as necessidades decorrentes da quantidade e da qualidade do resíduo existente em cada região.
Mas isso não é tudo. Além de ampliar a área plantada, aumentar a produtividade, reduzir as perdas e o desperdício, é preciso oferecer alternativas para aproveitamento pleno dos resíduos agrícolas e agroindustriais, como também daqueles oriundos da produção e uso das espécies florestais. Este aproveitamento pleno precisa ser promovido dentro do contexto de biorrefinaria, no qual se busca reduzir ao máximo os resíduos, agregando valor mediante a transformação dos mesmos em bioenergia, biofertilizantes, rações animais, biomateriais (bioplásticos, etc.) e químicos.
As cadeias de produção e uso da cana-de-açúcar e da soja já trabalham no Brasil dentro da lógica de biorrefinaria. Da cana se produz o açúcar, o etanol anidro, o etanol hidratado e a bioeletricidade, entre vários outros produtos. Da soja, se obtém o farelo para alimentação animal – e consequentemente proteína –, óleo para a indústria alimentícia e para biodiesel, além do grão (quase metade da soja produzida no Brasil é exportada na forma de grão). Porém, ainda existe amplo espaço para inserção de novos produtos, com maior valor agregado. É importante também que, mais e mais, outras cadeias no nosso País recebam políticas de desenvolvimento que promovam a sua organização dentro desta lógica de biorrefinaria.
É fundamental ainda que seja dado suporte financeiro para que as instituições brasileiras de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), entre elas a Embrapa, possam gerar os conhecimentos e as tecnologias necessárias para este setor. Além dos componentes da resposta acima descritos, a PD&I pode também contribuir para gerar conhecimento e tecnologias que promovam o aproveitamento de dejetos humanos para a produção de energia e minerais. Esta, por exemplo, é uma faceta ainda pouco explorada para a produção de energia no Brasil, mas que necessitará de maior atenção no futuro.
Em 2013, a Embrapa comemora 40 anos de existência, tendo trabalhado desde a sua criação no tema agroenergia. No decorrer das três primeiras décadas, a Empresa concentrou seus esforços na geração de conhecimento e tecnologias para produção de biomassa. Na última década, deu um passo a mais nas suas ações de PD&I nesta área, com a criação da Embrapa Agroenergia (que em 24/05 completa sete anos de criação) com ações focadas no processamento e uso sustentável desta biomassa para a produção de biocombustíveis, rações, fertilizantes, biomateriais, químicos e bioeletricidade.
A Embrapa teve e continuará tendo um papel fundamental para ajudar o Brasil a ser protagonista na produção de alimentos e bioenergia no mundo. Esse papel começa nas ações de PD&I relacionadas com a ampla prospecção, caracterização e utilização da biodiversidade brasileira, na qual podem ser encontradas respostas para vencer alguns dos gargalos que limitam o setor. Inclui também a viabilização técnica – e de escala de produção – da diversificação das fontes de alimentos e bioenergia, do aumento da produtividade e da redução dos custos de produção – com destaque para a diminuição da dependência de fertilizantes oriundos de fontes não renováveis. Soma-se a isto a necessidade de recuperação e reinserção dos solos degradados no setor produtivo, de agregação de valor aos resíduos e de redução das perdas e dos desperdícios. A participação do setor produtivo, ao lado da Embrapa, identificando e priorizando os problemas a serem solucionados pela pesquisa, é imperativa para que o conhecimento e as tecnologias geradas sejam eficazes na solução dos gargalos, e que sejam utilizadas, o mais prontamente possível, em favor da sociedade brasileira.
Manoel Teixeira Souza Jr.
Chefe-Geral
Embrapa Agroenergia