A alta do dólar ajudou a conter a pressão externa sobre os preços das commodities agrícolas nas últimas semanas. O movimento significa um alívio para os produtores brasileiros, sobretudo os de milho, café e açúcar, em forte baixa nas bolsas internacionais. Em contrapartida, limita o espaço para a esperado recuo da inflação dos alimentos no país após a escalada de 2012.
Desde o fim de abril, a moeda americana subiu 7,4% em relação ao real. Já o índice de commodities Dow Jones-UBS AG (que monitora os preços em dólar de soja e derivados, milho, trigo, açúcar, café, cacau e algodão nos mercados de Chicago e Nova York) recuou 0,5% no período. A diferença refletiu-se nos preços domésticos dessas matérias-primas.
Desde 30 de abril, a soja negociada na bolsa de Chicago subiu pouco menos de 2,6% em dólar, o que significa uma guinada de 10,4% em real. O indicador Cepea/Esalq, que monitora o preço da soja entregue no Porto de Paranaguá (e, portanto, reflete outras influências), subiu 5,5% em dólar e 14,5% em real.
A cotação do açúcar, que na semana passada testou o menor nível em quase três anos na bolsa de Nova York, recuou 6,24% em dólar no período. Apesar disso, a conversão assegurou uma valorização de 5,46% para as usinas brasileiras. O câmbio também mais do que compensou a queda de 5,9% no preço do trigo em Chicago – em real, o cereal subiu 1,2% no período.
A desvalorização do câmbio não foi, porém, suficiente para anular as quedas do milho e do café, mas minimizou consideravelmente os efeitos sobre a receita dos produtores.
Os contratos de milho negociados em Chicago – que balizam os contratos de exportação – cederam 10,9% em dólar e 4,2% em real. Os contratos de café arábica da bolsa de Nova York – que, assim como o açúcar, operam nos níveis mais baixos desde 2010 – recuaram 8,8% em dólar e apenas 1,2% em real.
Ao longo dos últimos seis anos, o câmbio atuou quase sempre de maneira a, pelo menos, minimizar a inflação das commodities no mercado internacional. De acordo com levantamento do Valor Data, entre 2007 e 2011, a correlação entre o real e o preço das commodities agrícolas (medido pelo índice Dow Jones-UBS AG) foi, na média, positiva em 78% (ver gráficos acima). Ou seja, para cada 1% de variação do preço em dólar das commodities, o real variou 0,78% no mesmo sentido, anulando boa parte dos efeitos (altistas ou baixistas) gerados pela oscilação em moeda estrangeira.
De modo geral, há dois canais por meio dos quais câmbio brasileiro e as commodities internacionais se influenciam. A valorização do dólar em relação ao real implica um estímulo às exportações do Brasil, o que leva o preço internacional a cair para reequilibrar a relação entre oferta e demanda. Isso acontece principalmente em mercados como os de café e açúcar, amplamente dominados pelo produto brasileiro.
Além disso, uma escalada em dólar de produtos como a soja e o milho significa um aumento da receita das exportações brasileiras, o que naturalmente contribui para a valorização do real.
Esse “hedge” limitou o impacto inflacionário das commodities internacionais durante praticamente toda a escalada entre 2006 e 2008. Após o estouro da crise financeira americana, o câmbio recuperou-se mais rapidamente que os produtos primários e produziu um efeito deflacionário que se estendeu de 2009 até meados de 2010, quando a correlação voltou a crescer.
Esse padrão de comportamento é alterado radicalmente a partir de meados de 2012, quando o preço em dólar das commodities agrícolas dispara por causa da seca nos Estados Unidos e o Brasil adota uma mudança em sua política cambial. Com o câmbio desvalorizado e praticamente fixo, a moeda passou a jogar contra. Desse modo, toda a valorização dos grãos na bolsa de Chicago foi repassada para os preços domésticos – o que impulsionou a inflação dos alimentos no país.
O processo inflacionário perdeu força no último trimestre de 2012 e começou a ser revertido neste ano. O câmbio praticamente estável entre janeiro e abril favoreceu o repasse da queda dos preços internacionais para o mercado doméstico – o outro lado da moeda. Contudo, o processo foi interrompido a partir de maio, quando as especulações sobre o fim dos estímulos monetários nos Estados Unidos e o aumento das desconfianças em relação à economia brasileira impulsionaram o dólar.
Com o real voltando a oscilar com mais liberdade em relação ao dólar – uma promessa recente do ministro da Fazenda, Guido Mantega – a tendência é que a correlação entre a moeda brasileira e os preços das commodities volte a ficar positiva, afirma Vinícius Ito, analista da corretora Jefferies Bache, em Nova York.
“Contudo, nos mercados de grãos, especialmente no de soja, o efeito do câmbio sobre os preços tem sido consideravelmente menor do que no passado”, pondera o analista. Segundo ele, o aperto nos estoques de grãos dos Estados Unidos – que praticamente saíram do mercado exportador nas últimas semanas- impediu que o real exercesse algum efeito sobre os preços desses produtos por meio da competição com o Brasil e deu aos exportadores brasileiros maior poder de barganha.
“A tendência é que o câmbio passe a exercer uma influência mais forte no segundo semestre, quando os Estados Unidos colherem a sua safra e os fundamentos se normalizarem”, afirma. Os Estados Unidos podem registrar a maior safra de sua história a partir de setembro, o que abre caminho para uma pressão mais forte sobre os preços internacionais da soja e do milho.