O desmatamento continua sendo o principal tema que afeta o equilíbrio entre desenvolvimento agropecuário e conservação ambiental, mexendo com os humores de todo mundo: agricultores, ambientalistas, agroindústrias, varejistas, governos e consumidores.
Na visão do agronegócio, o argumento básico é que a produção agropecuária utiliza apenas 28% da área total do País e o mundo não pode prescindir do Brasil para se alimentar e vestir. Dois pontos reforçam esse argumento. O primeiro é que o Brasil teve os maiores ganhos de produtividade total da agricultura do planeta: 3,6% ao ano nas duas últimas décadas. O segundo é que, por causa desse desempenho, o desmatamento na Amazônia caiu mais de 80% nos últimos dez anos: de 2,5 milhões para 457 mil hectares/ano, o menor nível desde que o levantamento foi criado. A alta produtividade, as rígidas leis ambientais e uma governança mais eficiente na fronteira agrícola permitiriam a expansão controlada da produção agrícola brasileira, muito mais eficiente, por exemplo, do que na África e no Sudeste Asiático, hoje.
Na visão dos ambientalistas, o argumento é que o Brasil já desmatou demais no passado recente (o maior nível do planeta) e não seriam necessários novos desmatamentos, que causariam importantes perdas de vegetação e biodiversidade, além de pesadas emissões de CO2. Eles argumentam que existem ao menos 20 milhões de hectares (Mha) de pastagens degradadas aptas a ser convertidas em agricultura, o que tornaria desnecessário qualquer desmatamento adicional.
O desmatamento é permitido pela legislação brasileira e muitos produtores contam com ele para garantir a rentabilidade de suas propriedades, principalmente nas fronteiras agrícolas. Mas será que ele é, de fato, necessário? A resposta não é simples. Estimativas da Plataforma Agro mostram que até 2022 a pressão de crescimento da agricultura será da ordem de 15 Mha adicionais aos atuais 68 Mha cultivados, o que deverá ocorrer principalmente em áreas de pastagens. Ora, nos últimos dez anos a produtividade da pecuária de corte passou de 43 kg para 58 kg de carcaça por ha, liberando 7 Mha para atividades agrícolas, de um total de 177 Mha de pastagens. Se nos próximos dez anos a produtividade passar para 80 kg de carcaça/ha, um número bastante plausível, serão liberados outros 14 Mha. Portanto, claramente há espaço para intensificação das pastagens, principalmente se houver a adoção maciça das chamadas técnicas de integração lavoura-pecuária.
Acontece, porém, que o processo de ocupação do território nacional foi marcado por mudanças constantes nas regras do jogo e falta de planejamento. Cidades cresceram em áreas onde jamais se deveria construir. A agricultura avançou sobre áreas sem qualquer aptidão agrícola, tanto em termos de solos como de declividade. Basta rodar pelo interior e observar a imensa quantidade de pastos degradados que dominam morros inacessíveis para o cultivo, cheios de cupinzeiros.
Por outro lado, nos Estados mais pobres do País, como Maranhão e Piauí, ainda há grande quantidade chapadões planos e férteis, cobertos por cerrados, onde a única saída efetiva de desenvolvimento regional reside no agro moderno. Moralmente não podemos condenar esses Estados a continuar com o IDH da Namíbia (0,68), quando têm tudo para se tornar um novo Paraná (IDH de 0,82).
Assim, simplesmente “congelar” o uso da terra seria condenar regiões de desenvolvimento tardio a jamais se desenvolverem na área em que têm maior aptidão. Essa política também não trará nenhuma solução para os milhões de hectares de áreas ocupadas sem aptidão agrícola. Portanto, é simplista e equivocada a ideia de que basta intensificar as atuais áreas de pastos degradados para resolver os desafios de produção do Brasil. A realidade é muito mais complexa: boa parte dessas áreas não tem aptidão agrícola alguma e nunca deveria ter sido desmatada, ao mesmo tempo que vastas áreas de solos férteis e planos se encontram sob vegetação de cerrado em regiões muito pobres.
Nasce dessa constatação a interessante ideia de “reordenamento estratégico” do território nacional, buscando obter um balanço de “desmatamento líquido zero”, ou seja, zerar a diferença entre o desmatamento de novas áreas com aptidão agrícola e o reflorestamento de áreas já ocupadas sem aptidão agrícola. Essa proposta exige uma rara e inédita visão estratégica de longo prazo de nossos governantes. Claro que os mais puristas dirão, corretamente, que um hectare de área reflorestada vale menos, em termos ecológicos, que um hectare de vegetação nativa. Porém essa solução subótima é muito melhor do que nada fazer, além de marcar o início tardio de um processo de planejamento territorial, depois de 500 anos de desenvolvimento caótico.
Para tanto acredito que seria possível reestruturar vários programas hoje existentes, dentre eles: 1) o controle e a eliminação do desmatamento ilegal; 2) a reestruturação do Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono) – a fim de incentivar maciçamente a recuperação ou o reflorestamento de áreas degradadas – e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima; 3) a reorientação do Fundo Amazônia e a efetiva implementação de fundos como o Programa de Investimentos em Florestas (PIF); e 4) a aprovação de leis avançadas sobre pagamento por serviços ambientais e de projetos de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+), que não excluam a conservação florestal nas fazendas. Recursos internacionais vultosos poderiam ser atraídos nesse contexto.
Da mesma forma que o mapa agropecuário será redesenhado pela nova logística que vem aí, um esforço inédito de zoneamento e planejamento territorial poderia dinamizar a implementação dos projetos agropecuários que o mundo espera do Brasil, otimizando o uso da terra e dos recursos naturais e melhorando a relação entre produção agropecuária e conservação ambiental.
(*) Marcos Sawaya Jank é Sócio-Diretor da Plataforma Agro e foi presidente da UNICA (www.plataformaagro.com.br).