Muitos políticos adoram anunciar grandes obras sem saber se um dia poderão entregá-las. Poucos têm a sorte do novo presidente do Paraguai, Horacio Cartes, que toma posse hoje. Em setembro, com menos de 30 dias de mandato, ele poderá inaugurar uma linha de transmissão que muda significativamente o panorama energético do país.
Com investimentos totais de US$ 310 milhões, o “linhão” conectará a usina binacional de Itaipu à subestação de Villa Hayes, nos arredores de Assunção. Para isso, foram instaladas 759 torres, em um trajeto de 347 quilômetros entre a hidrelétrica e a capital paraguaia. As obras já estão com 95% de execução física. No início de setembro, o novo sistema de transmissão deve entrar em testes. A previsão é que esteja operando para valer no fim do mês.
O linhão permitirá que Assunção, uma cidade que sofre com constantes apagões, “puxe” até 1.200 megawatts (MW) a mais de energia da usina binacional. Ela tem 14 mil MW de potência. Embora tenha direito a ficar com metade de sua produção, o Paraguai usa apenas 9%. Todo o restante vai para o sistema interligado brasileiro, mediante remuneração definida no Tratado de Itaipu, de 1973. Apesar de um consumo muito inferior ao do lado de cá da fronteira, o país vizinho também tem uma frágil rede de transmissão, que não suporta o atendimento da demanda em horários de pico.
O sistema atual funciona em 220 kilovolts (kV). A nova linha de transmissão, em 500 kV, foi bancada pelo Focem, o fundo de desenvolvimento regional do Mercosul, que tem o Brasil como maior financiador. “O Paraguai vai ganhar segurança energética”, diz o diretor-geral do lado brasileiro de Itaipu, Jorge Samek.
Ironicamente, o linhão acende duas preocupações para o Brasil. Uma é que o Paraguai “sugará” mais energia da usina e sobrará um pouco menos eletricidade para cá. Samek minimiza esse impacto. “Logo de cara, o aumento deve ser de 200 MW”, prevê o diretor. Segundo ele, a expectativa é que a capacidade da nova linha de transmissão (1.200 MW) seja usada plenamente em até seis anos. Em tese, será necessário recompor o fornecimento no mesmo montante. Além de haver bastante tempo para encontrar uma alternativa, Samek lembra que a hidrelétrica tem gerado acima do programado nos últimos anos, com melhorias tecnológicas e chuvas fartas.
A outra frente de preocupação é com os reflexos que a maior disponibilidade de energia barata no Paraguai podem ter para a indústria brasileira. O valor atual da eletricidade de Itaipu é de cerca de US$ 45 por megawatt-hora, mas a tarifa final é bem mais barata em território paraguaio, por causa da incidência de impostos e encargos no Brasil. O temor é de que, com mais energia disponível a partir de agora, o país “roube” indústrias eletrointensivas.
“Para o Paraguai, sem dúvida, essa energia é um grande diferencial estratégico”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, associação que representa grandes consumidores industriais de energia. Ele acredita que não haverá uma fuga de investimentos do Brasil, porque o país vizinho tem outras desvantagens, como o custo logístico e a dificuldade de escoamento da produção.
Pedrosa alerta, no entanto, sobre o risco que se corre a partir de 2023. Naquele ano, quando todo o pagamento da dívida pela construção de Itaipu tiver sido feito, o valor da energia cairá substancialmente. Isso valerá dos dois lados da fronteira, mas o efeito é muito mais diluído no Brasil, onde a energia da usina binacional fica diluída em um parque gerador bem mais amplo. Nesse caso, o baixo custo da eletricidade poderá realmente compensar a migração de indústrias para o Paraguai.
“Se agora pode causar algum estrago, lá na frente esse estrago pode ser muito maior”, diz Pedrosa. Para ele, o Brasil deveria se apressar na negociação dos novos termos do tratado, após 2023, quando os paraguaios poderão vender livremente sua parcela de energia – hoje, o que não é usado deve vir para o Brasil.