O Brasil ganhará nova métrica para o cálculo das emissões de carbono pelo agronegócio. A ferramenta será desenvolvida pela Embrapa e Universidade de Campinas, a partir de diretrizes formuladas pelo Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol) – organização responsável pelos critérios adotados hoje em todo o mundo nos inventários empresariais de gases de efeito estufa. O atual objetivo é adaptar à realidade brasileira indicadores de países temperados utilizados hoje na medição agrícola. As mudanças geradas pela tropicalização do modelo poderão obrigar empresas do setor a redirecionar ações e investimentos, além de rever metas de mitigação já assumidas publicamente.
“Enquanto não tivermos um modelo capaz de usar dados reais e uniformizar o cálculo, será difícil comprovar e comparar as emissões”, avalia Roberto Strumpf, consultor da Pangea Capital que participa do trabalho de adaptação em parceria com o World Resources Institute (WRI). A iniciativa, segundo ele, tem poder de influência no mercado: “Comprovar que a pegada de carbono da carne ou do etanol brasileiro é menor do que de países concorrentes significará ganhos em competitividade”.
A principal mudança gira em torno de como reportar as chamadas “emissões biogênicas”, como o desmatamento e demais alterações do uso do solo e a queima de biomassa para gerar energia, hoje considerada periféricos na conta. O plano é aumentar o peso das emissões de biomassa na pegada de carbono, tornando-as tão importantes quanto o uso de combustíveis fósseis e desmatamento, por exemplo. A métrica atual não induz o mercado a olhar para a biomassa como um diferencial para o equilíbrio climático, positivo ou negativo.
“A grande discussão é que algumas dessas fontes são realmente renováveis, como a queima do etanol, mas outras não, como o desmatamento de floresta nativa”, diz o consultor. Os novos critérios serão testados a partir de outubro por um grupo de empresas com poder de influência na cadeia de fornecedores, entre elas BP Biofuels, Marfrig, Citrosuco, Maggi e Bunge.
A ferramenta balizará o acesso aos recursos do fundo associado ao Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que na safra 2012/2013 desembolsou R$ 3,4 bilhões ao fomento de práticas para o país cumprir suas metas de emissões.
Os recursos, liberados pelo BNFDES e Banco do Brasil, destinam-se à recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, reflorestamento e tratamento de dejetos animais. No entanto, segundo estudo do Observatório ABC, entidade criada neste ano para engajar a sociedade, fazer estudos e monitorar a execução do plano, “o atual ritmo de contratação de financiamentos aos produtores é muito lento”. Além disso, o Brasil não dispõe de técnicos e redes de laboratório suficientes para verificar o cumprimento das metas.
A nova metodologia para as emissões da agricultura dará suporte aos financiadores na análise da prestação de contas sobre a efetiva redução de gases de efeito estufa a partir dos projetos apoiados. “A padronização é importante na validação das metas brasileiras no cenário de compromissos globais após 2015”, explica Strumpf.
A iniciativa chega no momento em que o país registra mudanças na matriz de carbono. Com a redução do desmatamento nos últimos anos, é maior a participação do agronegócio nas emissões brasileiras.
A tendência deverá ser confirmada pelo novo inventário nacional de gases do efeito estufa, previsto para ser lançado no começo de 2015. Segundo analistas, a fatia atribuída à produção de alimentos e criação de gado deverá subir de 19% para algo em torno de 30%.
Há divergências entre dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e outros recentemente apurados no Brasil. Um exemplo é a emissão de óxido nitroso, liberado por fertilizantes e pela urina do gado, sendo um dos principais causadores do aquecimento global, 300 vezes mais potente que o dióxido de carbono. Pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP) revela que os índices internacionais calculados em países temperados representam praticamente o inverso do que ocorre no Brasil, onde o clima é tropical e o gado é mantido no pasto. No total, 40% do óxido nitroso no solo tem como origem a urina das 200 milhões de cabeças de gado existentes do país e apenas 7% provém de fertilizantes a base de nitrogênio.
Pelos dados do IPCC, calculados a partir da criação de gado confinado no Hemisfério Norte, o impacto dos animais é menor em relação aos fertilizantes.